Já tanto se escreveu sobre Ronaldo e Messi que por vezes parece impossível encontrar novas abordagens. Falta a aproximação cientifica, que ultrapassa a espuma dos dias e tenta encontrar nos fundamentos teóricos explicações para os comportamentos dos jogadores em causa.

O sociólogo João Sedas Nunes, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa, entrou por esse caminho e encontrou ideias interessantes, num trabalho que ainda está a ser executado. Durante o Seminário Internacional “Das artes do futebol moderno: olhares sócio-históricos”, o professor auxiliar apresentou uma exposição interessante sobre o assunto, denominada “Messi, Messi, Messi”, por que razão Cristiano Ronaldo escuta o que preferia não escutar?

O «enigma» continua a polarizar a atenção dos media e protagonistas do jogo em geral, deixando sempre divisões entre os dois astros do futebol. Desde logo a diferença entre o «futebol em estado puro» do argentino e o futebol trabalhado do «atleta» português. Ronaldo é o jogador que trabalha, que compensa uma pretensa falta de vocação inata com essa dedicação e ambição.

A partir daqui é possível fazer várias associações. Desde logo a comparação entre estilos futebolísticos e classes sociais, com Ronaldo a ser mais facilmente reconhecido pela classe operária, por ser um jogador que trabalha muito para alcançar os seus objetivos, e Messi pela classe média e pela burguesia, que valoriza o seu virtuosismo, por personificar o bom filho, como viria a ser referido por Sepp Blatter naquele episódio famoso em Oxford.

A evolução na celebração do golo

Por outro lado surge também a gestão das impressões nos que rodeiam estes atletas. As impressões causadas nos colegas, no treinador e nos adeptos, que são necessariamente diferentes. Enquanto os colegas querem ter um bom colega, um treinador ambiciona contar com alguém que trabalhe bem e os adeptos apenas desejam ver em campo um jogador que faça a diferença.

Neste aspeto Ronaldo teve uma evolução ao longo da carreira que Messi não teve. Enquanto no início da sua carreira em Manchester o português corria para as câmaras de televisão para comemorar o golo com aquela «audiência global», não importando mais nada (o que foi criticado na altura, porque Rooney celebrava com os colegas); depois foi progressivamente mudando, mesmo que não ignorando as câmaras, mas procurando co-celebrar com os colegas ou mesmo com os adeptos nas bancadas.

Também teve a preocupação de em dois momentos marcar a diferença, gerindo as impressões de outra forma: quando marcou um golo ao Sporting ou quando marcou ao Manchester United, já no Real Madrid, não festejou e pediu desculpas aos adeptos, «projetando a gestualidade da mortificação, o que era impossível no início da carreira».



Messi, deste ponto de vista, é constante: «Dedos apontados ao céu e celebração com os colegas. Tem um padrão e nunca ou muito raramente vai até à câmara».



Enquanto a ideia de profissionalismo, no sentido de entrega total à função e trabalho no duro, «não desgruda» de Cristiano Ronaldo, Messi é «o protótipo do desinteresse», como quem não trabalha em função dos prémios, mas porque tudo aquilo está dentro dele e faz de forma quase inata. A entrega de Ronaldo, que aparece como uma espécie de «mouro de trabalho», tem mais um episódio, surgido na gala de entrega da Bola de Ouro e numa frase específica que antecedeu as lágrimas incontroláveis de Cristiano: «Só os meus próximos sabem os sacrifícios que passei para chegar aqui».

Messi não é nada disso. Aliás, o argentino é praticamente «mudo» e quando fala é de forma absolutamente controlada. «Ele não fala, não diz nada, ao contrário de Maradona. Ao não argumentar, Maradona de certa forma diminui-se», refere João Sedas Nunes, que considera que o jogador do Barcelona acaba por expor-se às comparações com outros, como Ronaldo, porque não argumenta, enquanto que o português apresenta as suas ideias e ambições.

Enquanto Messi é o jogador capaz de fazer um golo «maradoniano» mais cedo na carreira do que o próprio Maradona, Ronaldo é o exemplo da superação pelo trabalho e essa atitude acaba por ser uma «prova da falta do dom» de Cristiano. Ainda assim, o português conseguiu vencer duas bolas de ouro num tempo em que existe Messi. E não quererá ficar por aqui.