Nieciecza é daquelas cidades que, se não ouviu falar por causa do futebol, muito provavelmente nunca ouviu, de todo. E mesmo por causa do futebol será preciso ser um consumidor agressivo do fenómeno ou, quanto muito, especialista na Ekstraklasa, o nome pelo qual é conhecida a I Divisão polaca.

Vamos assumir, porque ninguém levará a mal, que nunca ouviu mesmo falar de Nieciecza ou do seu clube, o Termalica Nieciecza KS. Passemos então às apresentações. Porque essa é a parte gira…

O Termalica (chamemos-lhe assim para facilitar) chegou este ano, pela primeira vez na sua história (foi fundado em 1922), à elite do futebol polaco. E a sua promoção, que poderia passar despercebida, ganhou eco…internacional. O motivo é simples: Nieciecza é a cidade mais pequena de sempre a ter uma equipa numa I Divisão europeia.

São apenas 750 os habitantes registados na pequena cidade, que fica no sul do país, sensivelmente perto de Cracóvia. Segundo o Guiness, o Termalica bateu o recorde de um clube checo, o Chmel Blsany, de uma vila de 800 habitantes, que chegou ao principal escalão do futebol local em 1998.

Voltando ao Termalica, a equipa sobreviveu a um início terrível (três derrotas em três jogos) e já está no oitavo lugar da Liga, uma posição que dá acesso ao playoff de apuramento do campeão.

O arranque negativo explica-se facilmente: devido a obras no seu estádio, que não estava preparado para receber jogos da I Liga, jogou fora de portas os primeiros embates. Um deles frente ao Slask Wroclaw, onde alinha o português Flávio Paixão, que até marcou um golo nesse duelo.

Em conversa com o Maisfutebol, Paixão faz um retrato da equipa: «Pareceu-me muito boa, com uma mentalidade de jogo muito boa, positiva, de bola no chão. Acho que tem muitas possibilidades de conseguir a manutenção. Quando acabou o jogo fui ter com o treinador deles e dei-lhe os parabéns pelo que mostraram.»

Apesar dos elogios à qualidade de jogo, mais do que do Termalica fala-se da cidade de Nieciecza, na Polónia, por estes dias.

«Desde que se confirmou a subida que foi algo muito comentado. Disseram logo que deveria ser das cidades mais pequenas a ter uma equipa. Na semana anterior a jogarmos com eles os meus colegas também falavam muito disso. É natural, não é normal», lembra o avançado português.



Um estádio rodeado por campos de milho e…elefantes

A ascensão do clube explica-se pela ação de duas empresas que se instalaram na zona. Apesar de ter sido fundado em 1922, andou sempre pelos escalões secundários. Tudo mudou quando a empresa de pavimentação Bruk-Bet começou a investir no clube. Foi em 2004. Seis anos mais tarde estavam no segundo escalão.

O impulso final foi dado, então, pela Termalica, empresa de instalação de aquecimento central e ar condicionado, que também entrou em força no clube, embora a predominância seja ainda da Bruk-Bet. Que está no nome do clube (o nome oficial é Termalica Bruk-Bet Nieciecza KS), no nome do estádio e…no símbolo. O elefante, que era o símbolo da Bruk-Bet, foi adotado no emblema da equipa.

Aliás, junto ao estádio, que fica no meio de vários campos de milho, há estátuas de elefantes, de modo a deixar ainda mais vincada a presença do símbolo.
 
Flávio Paixão admite a curiosidade em visitar Nieciecza. « Ainda faltam algumas jornadas, mas sem dúvida que chama a atenção e estou curioso por conhecer. Estou assim desde que me falaram da zona, que não tem nada a ver com o que eu conheço da Polónia. Quero muito ver como é a cidade ou o estádio», assume.

Por falar no estádio, as obras de melhoramento vão, entre outras coisas, aumentar a capacidade para 4500 espectadores, o que equivale a mais do quíntuplo da população total da cidade!
 

Um caso que expõe uma Polónia bipolar


A subida do Termalica ao principal escalão do futebol polaco dividiu opiniões. Se, por um lado, o tamanho da cidade foi motivo de gozo para muita gente e fez com que outros temessem que desacreditasse o poderio do futebol local, por outro muitos receberam de bom grado um projeto que mostra um outro lado da Polónia.

O país consitnua a ser bastante bipolar. De um lado as grandes cidades como Varsónia, Wroclaw ou Poznan, do outro pequenas cidades e vilarejos, como Nieciecza e muitas mais.



Aliás, os que viram com bons olhos este sucesso do Termalica justificam com a necessidade de mostrar ao mundo que a Polónia é, ainda, um país essencialmente rural e que as grandes cidades são apenas uma cobertura para aquilo que é a realidade existente.

Essa é uma discussão que vai muito para lá do futebol e abrange outras valências. A existência de uma Polónia «de primeira», mais urbana e liberal, sobretudo na zona oeste, contrasta com o lado oposto, mais rural, católica e conservadora, chamada por muitos a «Polónia de segunda». Mesmo a nível político é fácil encontrar bastiões de direita ou esquerda conforme a região de um país ainda muito desigual.

O Termalica alargou, apenas, a discussão ao futebol. Embora aí haja uma certeza absoluta: esteja por trás uma cidade de quase dois milhões de habitantes, como Varsóvia, a capital, ou de apenas 750, como Nieciecza, continuarão, em campo, a ser 11 contra 11.

E, depois, que ganhe o melhor.

Reportagem sobre o Termalica Nieciecza (em polaco):