Primeira temporada na Premier League, 36 jogos oficiais pelo Leicester e dois golos. Um ano de excelência e consagrado na gala de final de ano do clube. Ricardo Pereira foi eleito o melhor jogador da época pelos colegas de equipa e pelos adeptos

Horas depois da emocionante cerimónia, Ricardo atende o Maisfutebol com a serenidade habitual, como se nada de especial se tivesse passado na véspera. 

O lateral direito, internacional português, não se deixa deslumbrar facilmente. É um homem de valores honrados e gestos simples. Numa conversa descontraída, Ricardo analisa a relação com os Foxes, analisa os mediáticos adversários, escolhe a melhor equipa e o estádio que mais o marcou. 

Os elogios são repartidos por Eden Hazard, Bernardo Silva, Son e os avançados do Liverpool. Ricardo merece, porém, tantos ou mais. 
 

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Maisfutebol – Venceu o prémio de futebolista do ano do Leicester em duas categorias. Foi eleito pelos colegas de equipa e pelos adeptos. Surpreendido?
Ricardo Pereira –
Havia alguns comentários no balneário, mas eram feitos quase sempre num tom de brincadeira. Não levei muito a sério até à gala do clube. Tenho noção de que fiz uma boa época e acreditava que isto podia acontecer. Vou agradecer à malta toda no balneário, claro. É um pormenor positivo em relação à minha primeira época em Inglaterra.

MF – Como resumiria essa sua primeira temporada na Premier League?
RP –
Muito boa. O início não foi simples. Colegas novos, campeonato novo, só conhecia o treinador [Claude Puel] do Nice. Fui-me adaptando bem. Eu via os jogos da Premier League na televisão e sabia que eram intensos, mas depois de estar dentro do campo… intensidade, muitos transições, estamos na defesa e poucos segundos depois estamos no ataque. Defrontei grandes jogadores todas as semanas, os jogos têm elevado nível de dificuldades, mas acho que cumpri as expetativas de todos.

MF – Jogou sobretudo a lateral direito?
RP –
Fiz quatro jogos a extremo direito e um a extremo esquerdo. Nos restantes, sim, fui lateral direito.

MF – Em Portugal acentua-se muito o desgaste dos plantéis, principalmente com as equipas que estão nas provas da UEFA. Em Inglaterra isso também é assunto?
RP –
Aqui em Inglaterra a questão é vista de forma absolutamente normal. É verdade que na altura do Natal há demasiados jogos, se calhar uma maior gestão dos plantéis, mas não se fala muito de cansaço. Toda a gente está habituada a este ritmo, faz parte da cultura.

MF – Na Premier League estão algumas das melhores equipas do mundo. Qual foi a que mais impressionou o Ricardo?
RP –
O Manchester City, no jogo que fizemos esta semana. Acho que demos uma grande resposta, mas o jogo foi dificílimo. Fizemos uma primeira parte excelente, mas a intensidade deles e a forma como encontram espaços são impressionantes. Há espaços que pensávamos estar cobertos e, de repente, a bola entra lá e um jogador deles recebe e toca. As combinações são muito perfeitas, fiquei impressionado, gostei muito da equipa deles. Também me impressionou a segunda parte do Arsenal contra nós, em Londres. Estavam completamente on fire e mereceram dar a volta ao resultado. Também adorei ver o Chelsea, por culpa do Eden Hazard. É impossível tirar-lhe a bola. Há uma jogada em que ele está rodeado por quatro defesas nossos, na área, e consegue sair dali.

MF – Falou do Hazard e aproveitamos para lhe perguntar se houve mais algum jogador a deixar o Ricardo sem palavras.
RP –
O Bernardo Silva é incrível, está fazer uma temporada brilhante e está a ser um dos melhores jogadores da Premier League. Mesmo os meus colegas do Leicester vêm ter comigo e falam dele. Tem sempre a bola coladinha ao pé, uma qualidade enorme. A frente de ataque do Liverpool [Salah, Mané e Firmino] é fantástica, está muito sincronizada, combinam bem e são letais nos contra-ataques. Outro jogador que me impressionou e me surpreendeu foi o Son, do Tottenham. Não é muito valorizado, mas é um craque, joga muito. Pé direito, pé esquerdo…

MF – Falemos da vida em Leicester. Pouco tem a ver com o Porto.
RP –
Não foi nada fácil deixar o Porto, a minha casa, o mar, o rio, o sol. O Porto é a minha cidade, adorava passear na praia, custou-me um bocado. Leicester é uma cidade tranquila, não tem nada a ver com Londres. Fico mais por casa, gosto disso. Às vezes vou passear a Londres. Lembro-me de falar com o Rúben Neves, acho que já depois de assinar, e de ele me dizer que Inglaterra não é o Porto, mas que os fins-de-semana dos jogos compensavam tudo. Já confirmei que é verdade.

MF – Tem, então, contacto regular com o Rúben e os portugueses do Wolverhampton?
RP –
Não posso dizer que é regular, mas vamos estando juntos, sim. Mais com o Rúben, claro, mas também já estive com o Moutinho, o Rui Patrício, o Jota, o Hélder Costa, o Ivan Cavaleiro. Quando é possível marcar um almoço ou jantar, marcamos. É importante falar português (risos). Eles estão a fazer uma excelente época. Para os ingleses está a ser uma surpresa, mas nós conhecemos o valor desta malta toda. Jogam de uma maneira muito própria, é o segundo ano com o Nuno Espírito Santo e percebe-se que é uma equipa sólida. Gosta de ter a bola, tem uma ideia de jogo definida e jogadores de qualidade.

MF – No Leicester o Ricardo teve o Adrien até dezembro e continua a ter o José Fontes, elemento do departamento de Análise e Observação no Leicester.  
RP –
Foram fundamentais para a minha integração. Falamos sobre a liga portuguesa, trocámos impressões. Falei com o Adrien antes de vir, passou de colega de equipa a grande amigo. Ainda falamos regularmente, ele está bem no Monaco.  

MF – O Leicester trocou a dada altura de treinador. Saiu o Claude Puel, que já o treinara no Nice, e entrou o Brendan Rodgers. Foi bom para o Ricardo?
RP –
Antes de mais, é importante eu dizer que a minha vinda também teve a ver com a presença do Claude Puel cá. Já me conhecia, sabia como eu jogava. Ele saiu, porque os resultados não estavam a corresponder à qualidade de jogo, e chegou o Brendan Rodgers. A mudança foi positiva para a equipa, veio com uma mentalidade e uma ideia diferente. Deu-nos muita confiança e temos um futebol mais atraente, com mais bola. E os resultados melhoraram.

MF – Consegue eleger o seu melhor momento na época do Leicester?
RP –
O golo ao City no Boxing Day. Nesse dia costumava estar com a família, ainda com as coisas de Natal, e desta vez marquei um golo ao Manchester City (risos). Conseguimos vencer, ainda por cima com um bom golo meu, por isso acho que é o momento mais relevante.

MF – Jogou em alguns dos santuários do futebol europeu. Que estádio mais o marcou em Inglaterra?
RP –
Old Trafford, do Manchester United. E foi logo na minha estreia (risos). É um estádio mítico, com grandes noites na história do futebol europeu. Não me esqueço do meu FC Porto em 2004, do golo do Costinha. O túnel de acesso aos balneários está num canto, é diferente. Foi um excelente batismo.

MF – No balneário do Leicester tem o Kasper Schmeichel. Ele viveu em Portugal quando era mais jovem. Costumam falar sobre isso?
RP –
Sim, e ele até ainda fala um pouco de português. Fala-me muito das idas aos treinos do Sporting com o pai e da vida em Cascais.

MF – A época do Ricardo está a ser muito boa, mas o clube viveu uma noite dramática no final de outubro. Era próximo do falecido presidente, Vichai Srivaddhanaprabha?
RP –
Estive com ele algumas vezes, sim. Foi uma tragédia enorme, horrível. Ele foi ao balneário antes desse jogo, cumprimentou-nos um a um, desejou-nos boa sorte e depois… ainda por cima foi aqui no estádio. Estavam cá quatro amigos meus de infância, eu disse-lhes que o presidente chegava sempre de helicóptero, de Londres. Depois cheguei a casa, 10/15 minutos depois, e disseram-me o que se tinha passado. Se para mim foi marcante, que só estou cá há um ano, imagino para as pessoas mais antigas no clube. Não foi fácil superar isto, nada fácil.  

(Artigo originalmente publicado às 23:56 de 09-05-2019)