Começo este sobe com um facto que toda a gente descobriu há já algum tempo: há um clube em Portugal só com jogadores portugueses.

Não, não é só isto. Se fosse só para escrever isto nem sequer o escreveria aqui. Bastaria um tweet, um #tweetpastel como nos habituámos a ler em dias de jogo na rede social. Seria coisa simples. No entanto, a verdade é que o percurso do Belenenses vale mais do que 140 caracteres. Tem de ser sublinhado o que vem a seguir, logo depois da tal frase que termina com «só com portugueses». Esse Belenenses ainda não perdeu qualquer jogo deste início de época – sim, início – e qualificou-se de forma exemplar, sem uma das suas referências, talvez mesmo a principal, o experiente médio Carlos Martins, para a fase de grupos da Liga Europa.

Num plantel que é um elogio ao futebolista português, como já li por aí e subscrevo sendo o futebolista português visto por bastantes pessoas como o produto de um molde com demasiadas imperfeições é de elogiar a coragem dos seus dirigentes e o que está a ser conseguido no Restelo, mesmo correndo o risco de os resultados no futuro não justificarem tão rasgados elogios.

Não é desta época. O Belenenses apoiou-se numa filosofia única em Portugal e com poucos seguidores no futebol continental e aplicou-a de forma implacável. Os estrangeiros, que têm há muito um estatuto bem mais elevado que o futebolista local em praticamente todas as equipas da Liga, começaram a sair e os seus lugares a ser preenchidos por nomes nacionais até que não restasse mais nenhum.

O Belenenses, em vez de atletas forasteiros de qualidade duvidosa, preferiu apostar em portugueses com provas dadas e/ou com expectativa de crescimento. Já adaptados, conhecedores dos métodos de trabalho e do estilo de jogo, sem problemas com o eventual estranhar da língua e de uma nova cultura e, tudo somado, talvez até mais baratos. Sempre fez sentido. Agora, os resultados dão-lhe razão.

Pode nem terminar aqui. Se a filosofia se tornar identidade para os próximos anos, como se espera, tem tudo para ser um passo importante na dinamização de um emblema histórico, que merece ter bem mais gente nas bancadas, e até crescer em dimensão futebolística. Com um plantel estável e competente, como parece ter, os resultados seriam o selo de qualidade deste novo embrulho azul. Rectifico: desta nova identidade azul.

Os treinadores – os anteriores, que agora confirmam qualidade em Arouca e Paços de Ferreira, como são os casos de Lito Vidigal e Jorge Simão, e o actual, Sá Pinto – tiveram e têm obviamente papel importante na construção da nova realidade, na qual se enquadraram bem, com maior ou menor dificuldade.

Ser mais português com sucesso servirá também de exemplo a quem queira seguir o mesmo caminho.

Não sou extremista ao ponto de querer um futebol português sem estrangeiros, desde que o critério de escolha seja a qualidade e o complemento do que temos por cá, mas acredito que o jogador luso não é pior do que os outros e merece que existam outros Belenenses espalhados pelos campeonatos profissionais dispostos a apostar nele. Quem sabe se não seria um boost para a nossa liga?

Num futebol cada vez mais descaracterizado e universalista é bom saber que existe quem queira ser diferente e acredite no valor de ter a sua própria identidade. Belém merece a festa.

LUÍS MATEUS é subdiretor do Maisfutebol e pode segui-lo no TWITTER. Além do espaço «Sobe e Desce», é ainda responsável pelas crónicas «Era Capaz de Viver na Bombonera» e «Não crucifiquem mais o Barbosa» e pela rubrica «Anatomia de um Jogo».