Vamos contar-lhe uma história.

Uma história com mais de cem anos. Uma história que mete tudo o que a vida tem. Duas forças opostas, gigantescas como o mar e as montanhas. Uma história de verdes e vermelhos que se enfrentam no mais bonito jogo de uma cidade, que nem episódios pouco dignos conseguem manchar. E como esta história se passa neste país chamado Portugal, e como neste país se tem por hábito deixar tudo para a última, é isso mesmo que vai suceder ao título de campeão nacional.

Mas vamos ao dérbi. Que foi um grande dérbi! Aliás, foi um tremendo, enorme, gigantesco dérbi! Teve nele o expoente máximo do sentimento, o grito de golo – e por quatro vezes – teve nele a perfeição, que foi o Sporting do primeiro tempo; teve nele perseverança, que foi o Benfica do segundo. Teve confusão e alegria nas bancadas, teve esperança para o Benfica no final e frustração para o Sporting. Enfim, foi um dérbi vivido como os dérbis devem ser vividos.

O Benfica podia ter feito uma festa em casa do Sporting, mas fica a um ponto – tamanha é a diferença de golos para o FC Porto – de ser campeão. No fundo, deixou para a semana o que podia fazer hoje e até se pode dizer o mesmo deste jogo, pois fez no segundo tempo o que devia ter feito no primeiro, o que não conseguiu porque o rival é mesmo uma grande equipa e chegou ao 13.º jogo sem perder. A frase vai longa, é verdade, mas o dérbi foi assim, sem pausas para respirar.

Portanto, façamos uma agora, porque ainda há uma conclusão imediata a tirar: o Sporting está fora da Liga dos Campeões.

 O dérbi do Sporting

Havia mais vermelho na bancada do que é costume, mas só houve verde e branco em campo no primeiro tempo. Em duas orações se resumem 45 minutos de um dérbi que tem coração em Lisboa, mas que tem batimento cardíaco onde houver um adepto de Sporting ou de Benfica por esse planeta.

Foi preciso criar uma zona improvisada para os milhares de benfiquistas que, antes do jogo, tinham a esperança de se sagrarem campeões no estádio do rival, mas que muito cedo viram a equipa líder do campeonato a ser «engolida» pelo leão.

Não é muito difícil explicar a supremacia do Sporting. Foi melhor em tudo aquilo em que se deve ser num relvado de futebol. Na estratégia: Amorim desenhou uma saída que resultou sempre, para escapar à pressão do Benfica; por outro lado, o Sporting soube muito bem encostar nos médios encarnados e impedi-los de jogar.

Ou seja, enquanto Ugarte, por exemplo, quando o Sporting tinha bola ficava quase sozinho no miolo e fazia a equipa girar – Morita descaía sempre para a esquerda para fazer um triângulo com Nuno Santos e Pote -, Chiquinho e João Neves nunca tiveram essa oportunidade. Mal recebiam, tinham um leão em cima.

O Benfica saiu uma outra vez, é verdade, mas foi sempre por fora, algumas vezes por erros leoninos e muito, mas mesmo muito de forma esporádica. Quando chegou à área de Franco Israel, nem um remate conseguiu fazer.

O Sporting era uma equipa total. O que se quer dizer com isto? Era uma equipa que jogava da direita à esquerda, com Nuno Santo e Esgaio bem subidos, numa dinâmica que os encarnados não pararam. Um exemplo disto: o remate de Ricardo Esgaio para uma defesa extraordinária de Vlachodimos, numa jogada que vem do flanco contrário.

E essa nem foi a primeira oportunidade flagrante do Sporting, porque Pote, aos 21 minutos, teve a bola a um pequeno toque de golo, mas incrivelmente não lhe acertou. Quando o 1-0 chegou, fruto de um erro de António Silva, já o leão merecia a vantagem e quando fez o 2-0, num canto por Diomande, meteu justiça no resultado ao intervalo, pois como se escreveu antes, a primeira parte desta história foi toda do Sporting.

O dérbi do Benfica

Roger Schmidt trocou João Mário por Bah ao intervalo, mas as melhorias do Benfica não foram apenas e só por isso. O líder do campeonato saiu do bolso do Sporting e atirou-se com tudo ao leão. Era preciso o Benfica mostrar capacidade para inverter acontecimentos e, sem dúvida, conseguiu-o.

Desde logo, a pressão feita foi muito melhor. Schmidt corrigiu e foi a vez de a águia devolver a pressão asfixiante ao leão. Antes, porém, o lance que dá ainda a ideia do que fora o jogo até aí e o do que ele iria ser a partir de então. Aos 47 minutos, Fredrik Aursnes fez o primeiro remate à baliza de Franco Israel!

O Benfica foi muito melhor que o Sporting no segundo tempo, mas, sublinhe-se, o jogo não foi o mesmo. No sentido de que a supremacia encarnada, vinda não só das mudanças, como também do fundo da alma, não foi tão vincada como a dos leões nos 45 iniciais. Mas poderia ser?

A perder por 2-0, o Benfica teve de arriscar e também deixou alguns espaços para os leões, que criaram perigo em transição. Paulinho, por exemplo, teve o dérbi na bota esquerda, mas Vlachodimos manteve o Benfica na luta.

Voltando à águia, Roger Schmidt foi melhorando-a. Musa foi melhor que Ramos, Guedes foi melhor que Rafa Silva e quando Aursnes reduziu já as águias tinham três ocasiões na estatística. O dérbi tinha virado para o outro lado da circular lisboeta, ainda que o leão tivesse duas vantagens: o marcador e o tempo.

A ampulheta da história jogava a favor do leão, mas, como se disse, este foi jogo foi uma tremenda propaganda ao dérbi: o golo de João Neves já na compensação trouxe então dois mundos contrários. A frustração leonina por não segurar o que tão bem tinha alcançado e a impossibilidade de chegar ao terceiro lugar; a recompensa pelo esforço do líder que, diga-se, os encarnados mostraram ser ao irem, com coragem e determinação, buscar um empate que ao fim de 45 minutos era muito improvável.

O dérbi também se faz de honra. Sempre e hoje também. E nesse capítulo, os jogadores do Sporting podem andar de cabeça erguida, pois não houve festa encarnada em Alvalade.

Essa, a acontecer, terá de ser na Luz, perto daqui, mas o suficiente longe para não incomodar os vizinhos. Para isso, o Benfica terá, pelo menos, de pontuar, pois o 2-2 final abre-lhe essa possibilidade. Portanto, no dérbi não houve vitória, nem se acabou ainda esta história.