Com apenas 8,1 quilómetros quadrados, São João da Madeira é o concelho mais pequeno do país. Porém, a dimensão física não impede que aquela localidade do norte do distrito de Aveiro se revele um verdadeiro viveiro de futebolistas. Nomes como Vermelhino, António Veloso, António Sousa ou Secretário iniciaram as carreiras na Associação Desportiva Sanjoanense.

Mas a lista não se fica por aqui. João Alves, o «luvas-pretas» também começou por vestir de alvinegro, tal como Ricardo Sousa e Cândido Costa, que regressaram ao clube esta época, agora como treinador e treinador-adjunto, respetivamente. Mais recentemente, há os casos de Gil Dias, jovem formado na Sanjoanense e que foi contratado ao Sp. Braga, na época passada, pelo Mónaco de Leonardo Jardim, e ainda de Paulinho, que no Verão deu o salto de S. João da Madeira para o Liverpool.

E a fonte de talento parece não secar por aquelas bandas. Ainda que com contornos diferentes, o próximo nome a sair de S. João da Madeira para conquistar o seu espaço no futebol nacional e internacional – esse será o destino, garante quem conhece melhor o jogador – é Ronan, um avançado de 20 anos que chegou esta época do Brasil.

Formado no Fluminense, e com a estreia como profissional «batizada» por Scolari no Grémio de Porto Alegre, Ronan foi promovido a herói da passagem da Sanjoanense à 3.ª eliminatória da Taça de Portugal. É verdade que isso aconteceu mais pelos 40 minutos em que substituiu o guarda-redes do que pelo golo que deu o empate 1-1, na partida que os sanjoanenses venceram o 1. de Dezembro por 3-2 após prolongamento. Mas isso é apenas um detalhe.

Convidado a recordar (mais uma vez) a tarde de 27 de Setembro, o dianteiro brasileiro não consegue disfarçar o sorriso. «Foi uma sensação única e uma experiência muito valiosa como jogador», atira, reconhecendo que aqueles minutos serviram para tirar boas conclusões para se aperfeiçoar como avançado. «Eu senti um pouco aquela pressão de que um erro meu podia colocar tudo a perder, e isso deu-me confiança para arriscar ainda mais e rematar mais vezes à baliza, porque percebi que o guarda-redes pode ficar mais inseguro com a pressão do jogo», resume.


Ronan em ação na Sanjoanense (Foto Daniel Oliveira/ads.pt)

Afirmando que só tinha calçado as luvas «em algumas peladas antes dos treinos», Ronan espera não ter de voltar a passar por uma situação semelhante… mas se acontecer: «Aí, já vou estar mais tranquilo e vou poder ajudar mais a minha equipa.» Mas sobre este jogo já iremos saber mais. Para já, Ronan.

«Em 20 anos, nunca joguei com um ponta de lança como ele»

“Menino” de 195 centímetros de altura, o jovem brasileiro que também já teve uma passagem pelo Parma, conta com cinco golos em oito jogos, pecúlio que já o colocou no radar dos grandes de Portugal. «Estou a adaptar-me muito bem a uma realidade diferente», atesta, não escondendo a ambição: «Ainda posso crescer muito mais como jogador, e os próximos meses vão ser muito importantes, quer continue na Sanjoanense, quer dê o salto.»

Questionado sobre se estará para breve a mudança de clube, Ronan não exclui nenhuma possibilidade. «Pode acontecer já em Janeiro, mas só aí é que vou decidir. Para já quero ajudar a Sanjoanense e, quando chegar o momento, é que tenho de ver como me vou sentir para tomar uma decisão», confidencia.

Ronan afirma-se «muito fã» do sueco Ibrahimovic, com quem diz ter parecenças e de quem gostava de seguir os passos. «Também sou alto e tenho técnica. Estou quase no nível dele», brinca, corrigindo sorridente, «gostava muito de ser como ele, e como gosto tanto dele, gostava de jogar nos mesmos clubes onde ele já jogou».

Ricardo Sousa, antigo jogador do FC Porto, tem tido a possibilidade de trabalhar este talento, e não tem dúvidas da qualidade do seu pupilo. «Em 20 anos de futebol ao mais-alto nível, nunca joguei com um ponta de lança com a qualidade do Ronan», assegura, salientando que «queria muito que ele nos pudesse ajudar até ao final da época», mas sem certezas que tal seja possível.

De uma coisa, Ricardo Sousa não tem dúvidas: «O espírito familiar com que a população de S. João da Madeira vive o clube, com um ambiente de calor bairrista, ajuda os jogadores a crescer mais rapidamente».

Talvez seja esse o segredo do viveiro de futebolistas, que se tornou a Sanjoanense. Quem sabe, Ronan não seja o próximo a levar o nome do concelho mais pequeno de Portugal até outras paragens.

Ricardo Sousa lidera trupe de caloiros que quer surpreender


Ricardo Sousa (Foto Daniel Oliveira/ads.pt)

Com poucos meses de currículo como treinador, Ricardo Sousa, ex-médio que conquistou duas Taças de Portugal – ao serviço dos dragões e do Beira-Mar – já tem para contar uma daquelas histórias que «nunca mais se vai repetir.» E logo, à frente de um clube onde tudo começou para ele no futebol: a AD Sanjoanense.  
 
Na semana que antecede o confronto entre a formação de S. João da Madeira – a disputar a série D do CNS – e a primodivisionária Académica, a contar para a 3.ª eliminatória da Taça de Portugal, o Maisfutebol foi conhecer melhor o episódio que esteve na origem da passagem dos sanjoanenses a esta fase da prova rainha do futebol português. Antes da partida frente aos estudantes, ficámos a saber que além de ter um treinador «caloiro», esta será uma das equipas com média de idade mais baixa a disputar o CNS. Nada que assuste a trupe orientada por Ricardo Sousa e Cândido Costa.
 
Mas já lá vamos. Permita-nos contextualizar um pouco. Dificilmente haverá uma família no futebol com uma ligação mais forte a um clube, do que a da família Sousa com a Sanjoanense. Senão, vejamos: foi ali que António, o pai, começou a carreira de jogador, corria a época de 73/74; foi lá, igualmente, que pendurou as chuteiras (95/96), iniciando nessa mesma época o percurso de treinador. A passagem de testemunho de pai para filho, deu-se também em 96, quando o atual técnico sanjoanense, ainda com idade júnior, começou a jogar na equipa principal do clube que agora o vê a dar os primeiros passos como treinador. É suficiente? Podia ser, porém, ficámos a saber que a ligação de Ricardo Sousa a este clube é ainda anterior ao momento em que, com 17 anos, chegou à equipa principal da Sanjoanense.  
 
«Eu cresci em S. João da Madeira e na Sanjoanense», começa por dizer. «No clube, fiz um bocadinho de tudo: fui jogador da formação, era dos adeptos mais assíduos dos jogos, não só de futebol, como de hóquei em patins, basquetebol e andebol, e fui chefe da claque durante dois anos, antes de começar a jogar mais a sério», revela, rematando: «é giro fazer, agora, a minha formação como treinador no clube onde vivi tanta coisa.»
 
Nove jogadores, avançado à baliza e… vitória
 
E, apesar de curta, a carreira de treinador de Ricardo Sousa já tem o tal jogo que vai ficar na história do antigo jogador. Precisamente, a partida que permitiu à Sanjoanense chegar a esta fase da Taça de Portugal: a vitória no terreno do 1.º de Dezembro, no passado dia 27. Deixemos ser o próprio a contar.
 
«É bom de recordar, nem como jogador vivi um jogo assim», introduz sorridente. «Antes de mais, estávamos a jogar contra uma equipa que, no campeonato, tinha 11 golos marcados e zero sofridos. Depois de termos conseguido chegar ao empate 2-2, aos 75 minutos o nosso guarda-redes foi expulso, e teve de ser o Ronan, avançado, a ir para a baliza [Sousa já tinha esgotado as substituições].»
 
Como a equipa aguentou o jogo até ao prolongamento – com duas ou três defesas de maior grau de dificuldade do avançado -, o técnico passou à equipa uma mensagem de «tranquilidade e de continuar a fazer o nosso jogo de posse, sem entrar em desespero de chutar para a frente». Contudo, as dificuldades dos alvinegros não se ficariam por aqui. «Aos 102 minutos um dos nossos centrais também foi expulso.» Mas foi então que, uma equipa com uma média de idades de pouco mais de 21 anos mostrou que aquele era mesmo o seu momento, e venceu com um golo marcado aos 118 minutos, para gáudio das dezenas de adeptos que acompanharam a equipa a Sintra.

 
Plantel da Sanjoanense (Foto Daniel Oliveira/ads.pt)

Essa demonstração de querer da equipa orientada por Ricardo Sousa é algo que enche de orgulho o antigo médio. «Desde que comecei a trabalhar com estes meninos, que lhes digo que não há nenhuma equipa contra a qual eles não possam jogar olhos nos olhos. Para nos ganhar, o adversário vai ter sempre de ser muito melhor do que nós, ter mais alma e correr mais, caso contrário, não perdemos», assegura.
  
Para a partida de domingo, diante da Académica, a receita vai ser a mesma que foi utilizada até ao momento, com a adição, espera o treinador, de uma boa dose de «tranquilidade». «A equipa tem sentido maiores dificuldades nos jogos em casa. Temos a equipa mais nova do CNS e, apesar de muita qualidade, isso também nos traz inexperiência», revela, sublinhando que «a vontade de ganhar em casa é tanta, que tem prejudicado a qualidade do nosso jogo.»
 
Parte da estratégia sanjoanense vai passar, precisamente, por tentar aproveitar a «maior intranquilidade» da formação orientada por Gouveia. «Apesar de terem um orçamento 50 vezes maior que o nosso, a Académica não está no melhor momento e nós temos de saber aproveitar isso», antecipa Ricardo Sousa.

Os estudantes que se cuidem, que em S. João da Madeira há uma trupe de «meninos» que lhes quer dar uma lição.