Entre os vários episódios revisitados por Vítor Baía, um dos que trará mais expectativa é o da zanga com José Mourinho. Foi no início da época que culminou com o triunfo de Sevilha e obrigou o guarda-redes a estar afastado da equipa durante cerca de um mês. Eis como Vítor Baía o conta no livro.
«Analisando hoje tudo o que se passou, e antes de lhes contar o que realmente aconteceu, entendo que o José Mourinho me utilizou para a sua emancipação como treinador e para transmitir ao grupo de trabalho uma ideia de firmeza.
Na véspera de um jogo com o Boavista, no Estádio do Bessa, para o campeonato, levei uma bolada forte num olho, durante um treino. Não me senti nas melhores condições no dia seguinte, dia do jogo, e transmiti isso mesmo à equipa médica. Só que o Mourinho entendeu, para meu espanto, que a lesão não era impeditiva, quase sugerindo que não tinha vontade de jogar, como se alguma vez isso pudesse ser possível comigo. Já joguei em condições muito debilitadas, em grande sacrifício, e a minha preocupação, até porque o jogo era à noite, era defender a equipa. Quis fazer um teste à visão no Estádio do Bessa, mas não fui autorizado, porque o Mourinho queria ter um guarda-redes preparado, com toda a lógica.
Tive uma discussão com ele, dizendo que jamais abandonaria uma equipa, mas também que seria incapaz de prejudicar o F.C. Porto. Aquela atitude caiu-me mal, foi como uma bomba vinda de alguém com quem mantinha uma relação de amizade forte e que se estendia às respectivas famílias. Foi uma grande desilusão.
(...) Discuti porque reagi a uma provocação. O resultado de tudo isto foi um processo interno, o primeiro de toda a minha vida, até agora o único. Com profunda mágoa, vi-me afastado do clube durante um mês. E nesse mês, para não perder o ritmo, andei a treinar na academia do Domingos e do Rui Barros. Não me sentia confortável.
Como se dizia muita coisa sobre a minha eventual saída, atendendo a que tinha vindo de quase dois anos de lesões, foi um momento em que pensei se estariam a preparar-se para prescindir dos meus serviços. Aí talvez não tenha sido tão boa a relação com o presidente. Tudo isso levou a mil pensamentos negativos. Foi tão absurdo que senti que fazia parte de uma estratégia para sair do clube. Cheguei a dizer aos meus amigos que em Dezembro ia seguir a vida noutro lado.
Tive de responder à nota de culpa. Resolvi tudo pedindo perdão, apesar de 60 por cento do que estava no documento não corresponder à verdade. A sós com o presidente tudo se resolveu, finalmente. Senti que o desejo dele era que eu continuasse».