(ou a alegoria de Vallecas)


Confesso! Sou legião!

Um dos muitos que não viu todos os jogos do Rayo, Rayos’ parta!

E não foi – juro! – por falta de interesse. Só que – acho que compreenderão – o meu dia tem tantas horas quantas os dos outros, não posso elevá-lo à potência do número de colaboradores que tem a sua, señor.

Mas permita-me, vá lá! Só desta vez?

Mesmo que tenha um carinho especial pelo Rayo – e até tenho, porque acho que é de facto especial – não posso deixar de apontar para uma fresta nos muros de Vallecas.

Um feixe de luz!

Umas vozes, de mais gente que será, ao que tudo indica, como eu. Como o Julen. Afinal, parece que há um novo mundo do lado de fora desta caverna.

Não, não. Não me interpretem mal.

Não sou Platão nem nunca quis sê-lo, mas consigo ver no mito que inventou, a partir da perseguição a Sócrates – o original, que foi mesmo perseguido e morto – o señor Lopetegui fechado sobre si próprio na caverna do Dragão, a não acreditar que o que lhe chega de fora, através dessa fenda na pedra, seja tão valioso como as suas próprias ideias. Que haja conhecimento também válido e importante que não o seu.

Por acaso, até era. Válido.

Mas, señor, de certo que estará habituado. Sou apenas mais um e não é bem uma facada nas costas. Terá sido – mentirazinha minha, peço desculpa – apenas para despertar-lhe a atenção.

Não o conheço, nunca falei consigo e, pior, nunca falei de futebol consigo. Poucos terão tido o privilégio, a julgar pela amostra. Certamente que muitos gostariam, se em vez de blindar a porta a abrisse de vez, ou deixasse entreaberta. Já seria bom.

Aviso-o já que não falo assim tanto de árbitros, por isso não venha ao desengano. Nem contabilizo quantos penáltis são, nem nunca me lembro de quem segura o apito. Tribunais, os da verdade e os outros, que aspiram à verdade, são para outros, mais atentos a esses pormenores. Contudo, poderíamos deliciar-nos a ver Brahimi a tocar na bola, Rúben Neves a jogar como um quarentão vivaço e André André a fazer piscinas. E, depois, tentar tirar daí uns comentários inteligentes.

E aquela confiança de Aboubakar, que enquanto durar vai carregar o piano sozinho?

Deixe que lhe lance o tópico: não acha que por esta altura uns quantos deles já deveriam jogar o dobro, parafraseando aquele que este ano parece continuar a ser o seu maior inimigo? Brahimi anda intermitente, Tello regrediu, Herrera esmoreceu, Corona apagou-se. Há André André, Maxi, Aboubakar, Rúben e Layún, mas pouco futebol. Pelo menos, não o suficiente.

Aquela derrota com o Dínamo Kiev, señor? Não podia ter acontecido. Aquele penálti – claro – de Maicon, o tal que entrou para o lugar de Brahimi para defender o resultado frente ao Tondela? Idem, idem, aspas, aspas.

Foi, admita-o, salvo. Salvo por um tipo chamado Salva. Salva Chamorro. E por Casillas sim, que assusta ainda muito boa gente.

Essa seria uma facada bem mais grave que a minha, señor.

Admiro-o por ter sobrevivido ao esfaqueamento colectivo apaixonado por parte de quem gosta tanto do clube que lhe deu o que deu a quase ninguém. Mas, este é um grande mas...

Tantos jogadores. Tantos. Bons, Alguns muito bons, e conhecidos. Velhos conhecidos. Que poderia pedir mais? Até os outros, que não deveriam, deram-lhe algo mais este ano. Um mau Chelsea, um Benfica em crise, um Sporting em mudança. E, se não aproveitar, a história não terá misericórdia.

Ou outros poderão vir dizer: para que é que veria todos os jogos do FC Porto? Muitos deles já sabia como iriam acabar.

Uma caverna no Dragão. É lamber as feridas e deixar a luz entrar. 

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no    FACEBOOK    e no    TWITTER . Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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