Uma das histórias que Ibrahimovic relata na autobiografia é lapidar. Conta que o avançado se apaixonou por uma casa quando ainda era só um adolescente.
 
A habitação ficava na zona chique de Malmo, em frente ao mar, e tinha vista para Copenhaga.
 
Anos mais tarde, já casado e já uma estrela do futebol sueco, tocou à campainha da casa, acompanhado da esposa Helena. Quando o homem veio à porta, perguntou-lhe se não o convidava para um café: afinal de contas não era qualquer um que tomava café com Ibrahimovic. Sentaram-se na sala e o avançado tomou a palavra.
 
«Vou ser direto: vim cá para o avisar que está a viver na nossa casa.»
 
O homem começou por se rir, mas 3,5 milhões de euros depois o negócio estava fechado.
 
Podia pensar-se que esta insolência foi uma coisa que a fama, e o dinheiro, lhe trouxe. Mas é engano. Anos antes deste episódio, por exemplo, quando era só um promissor avançado do Malmo, foi convidado por Arsène Wenger a deslocar-se a Londres.
 
O treinador fez-lhe uma visita guiada às instalações do Arsenal, entregou-lhe uma camisola com o nome de Ibrahimovic nas costas e disse-lhe que gostava que fizesse uma semana de treinos. O sueco zangou-se. «Zlatan não faz audições», atirou-lhe.
 
Virou as costas e regressou para Malmo.
 
Por estas e por outras é que o Conselho de Letras da Suécia oficializou uma nova palavra. Zlatanera: dizem que é fazê-lo à moda de Zlatan. O que deixou Ibrahimovic ainda mais altivo. Afinal de contas já muitos jogadores escreveram o nome num livro, mas quantos se podem orgulhar de o ter feito num dicionário?
 
Ora ao lembrar-me destas histórias, não posso deixar de pensar em Renato Sanches. O miúdo não tem o pedantismo de Ibrahimovic, mas tem seguramente muita autoestima.
 
Se me perguntassem o que é que Renato Sanches tem, diria que acima de tudo é uma arroganciazinha muito saudável.
 
Não tem uma técnica distinta, não possui uma qualidade de passe notável e não é rápido: viu-se, aliás, no último jogo em Moreira de Cónegos, quando Gaitán fez um lançamento para o espaço e Renato Sanches perdeu na velocidade para André Micael.
 
Não tem nada disso, não senhor, mas tem um atrevimento muito higiénico. Vai ao choque, encosta, agarra, empurra, dá uma carga de ombro. Faz uma falta e outra.
 
Mas sobretudo joga sempre para a frente, levanta a cabeça, vê o jogo, descobre companheiros e leva a equipa para a frente, sem medo de errar: e erra um passe e outro, e mais outro, mas logo a seguir volta a insistir. 
 
Quando erra não olha para os companheiros, não procura uma consolação, um incentivo. Não, nada disso. Recua de olhos fixados no jogo, pronto para voltar a errar se for preciso. Esta ousadia é louvável: num miúdo de 18 anos apenas é verdadeiramente admirável.
 
Por isso, porque não tem medo de ser atrevido, intenso e agressivo, domina o meio-campo do Benfica. Defende e ataca, recupera bolas e lança o ataque. Enche o campo do que ele precisa, nem que o que ele precisa seja faltas que param o ataque adversário. Com ele o Benfica pula e avança.
 
Desde que Renato Sanches é titular, de resto, o Benfica somou nove vitórias e um empate no campeonato: e não será apenas fruto de acasos felizes.
 
Provavelmente não é um jogador para decidir muitos jogos, mas já decidiu um, em Guimarães, porque para além de tudo ainda tem um remate forte.
 
Em algumas coisas faz lembrar Manuel Fernandes, outro miúdo que surgiu muito novo na equipa principal do Benfica: e provavelmente aí está o maior desafio. Manuel Fernandes também apareceu com uma arroganciazinha saudável, mas falhou a partir do dia em que deixou de a colocar ao serviço da equipa para a utilizar em função dele próprio.
 
Acontece muitas vezes a quem tem uma autoestima muito grande.
 
Se Renato Sanches souber não seguir o mesmo caminho, quando acumular anos de futebol e mantiver a altivez que agora o torna especial, então o futuro é dele. Pelo menos já mostrou o suficiente para saber não tem que fazer audições.
 
Talvez um dia possa até bater a uma porta e dizer ao dono que está a viver na casa dele.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias