«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Por um milímetro estragamos amizades, por um milímetro perdemos a cabeça, por um milímetro explodimos contra o mundo e insultamos tudo e todos. Um fora-de-jogo mal assinalado é uma questão de premência irracional, ao nível da luta pela paz no mundo e a erradicação da fome.

Chegamos a este ponto no futebol português. O descontrolo emocional é total.

Desconfiamos da sombra do vizinho, colocamos a honestidade de todos em causa. Quem comenta nas redes sociais e quem é adepto parte invariavelmente dessa premissa: ‘se escrevem contra o meu clube, então é porque são uns vendidos assalariados do clube contrário’.

O consumidor do futebol em Portugal deixou de acreditar na honorabilidade do jornalista profissional.  
O diagnóstico é grave, mas não há outra forma de o dizer. Cura? Não, infelizmente não existe. Deixei de acreditar nela há mais de uma década. Sim, é importante lembrar que o mundo do futebol nacional nunca foi particularmente calmo, isento de polémicas e de personagens grotescas. Sempre foi assim – pelo menos nos últimos 30 anos – e sempre será.

Há já Muito Tempo que Nesta Latrina o Ar Se Tornou Irrespirável’, cantavam os Mão Morta há um bom punhado de anos. Não me lembro de uma frase mais adequada do que esta.   

Mas, se a atmosfera sempre foi nefasta, o que me incomoda particularmente agora?

A resposta é facílima: a descrença.

Nunca, como nos primeiros dias de 2019, senti tamanha descrença em relação ao nosso futebol.
E há responsáveis para todos os gostos, como não podia deixar de ser. Talvez mesmo a começar pelos órgãos de comunicação social e o tempo de antena debitado por algumas caricaturas humanas.

Mea culpa, mea culpa!

Mais? Os dirigentes desportivos, naturalmente. Basta ver e registar a reação dos senhores presidentes de Benfica e Sp. Braga após as derrotas nas meias-finais da Taça da Liga. É esta a reação padronizada dos dirigentes de futebol em Portugal. Triste.

Perdemos? Ui, mas a culpa não pode cair em cima da nossa cabeça. Vamos despejá-la nas almas do costume. Árbitros de campo e VAR, pois claro.

Às vezes com razão, às vezes sem razão, todos recorrem ao mais antigo dos golpes comunicacionais. A culpa é sempre do senhor juiz e da senhora sua mãe.

Aos senhores Vieira e Salvador juntaram-se esta semana os gritos do senhor Abel Ferreira. Tive de esperar 18 anos da carreira para assistir a uma conferência de imprensa destas.

Insisto: Abel tem razões em algumas coisas e não tem razão nenhuma noutras. Não é isso que me inquieta, mas sim a incoerência. Não só dele, de Vieira e de Salvador, mas de muitos outros.

Quando eu vir algum treinador a assumir culpas numa derrota ou benefícios evidentes no trabalho de uma equipa de arbitragem; quando eu vir um presidente a assumir que errou ao contratar uma mão cheia de jogadores duvidosos e um treinador incompetente, então aí talvez eu já consiga escutar de outra forma estes ataques a árbitros depois de derrotas.

O diagnóstico é este, a cura está por encontrar. Por agora, apenas consigo receitar uma dose reforçada de Xanax para todos. Sempre depois das refeições e com um copinho de água. O consumo de álcool não é aconselhado.

PS 1: as duas meias-finais da Taça da Liga tiveram más arbitragens. Isso é evidente, ponto. Apesar disso, grande parte dos lances polémicos foram de dificílima análise. Só quem não é minimamente sério pode achar o contrário. A reação impulsiva de pessoas com enorme responsabilidade foi, por isso, desproporcional e desproporcionada.   

PS 2: no meio do ciclone de palavras furiosas, vale a pena elogiar a sensatez e a lucidez de Frederico Varandas. Que seja para durar.  

(Artigo originalmente publicado às 23:45 de 24-01-2019)

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».