O dia não se envolveu num manto de nevoeiro, mas Paços Ferreira acolheu Henrique Calisto como se fosse o Dom Sebastião revisitado. O Maisfutebol esteve na Capital do Móvel e registou todos os movimentos do primeiro dia de um novo ciclo no clube pacense.

Calisto falou em conferência de imprensa, Carlos Barbosa manteve o pedido de demissão e de Costinha já ninguém se quer lembrar. Neste momento de redefinição da época na Mata Real, quisemos perceber as razões e os erros que conduziram a um início de época tão desastrado.

Ouvimos Adalberto, o homem com mais jogos oficiais pelo clube, o vice-presidente Rui Seabra, um dos elementos mais influentes na direção, e dois sócios antigos dos castores, Carlos Machado e Paulo Silva.

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Estes dois últimos, encostados à rede do campo de treinos, falaram do «alívio» que significou a demissão de Costinha. «Tinha vontade, acredito que sim, mas não tem nada a ver com o nosso clube. Isto é para gente humilde e dura, não é para um tipo convencido».

Henrique Calisto, dizem, é uma «escolha segura». «É uma pessoa que para e explica o que faz aos adeptos. O Costinha não era acessível. Alguma malta exagerou, é verdade, e ele até trouxe seguranças com ele nos últimos tempos».

Adalberto, eterno capitão, diz que «nada ajudou» o Paços. «Correu mal desde o início. Tudo. O professor Calisto é um mestre do discurso e será com ele que vamos chegar à manutenção, não tenho dúvidas».

Rui Seabra, vice-presidente, sabe o que tem falhado. «Não é preciso grande ciência para constatar o que fizemos mal. Temos de corrigir muita coisa e o Henrique Calisto dará aquilo que precisamos».

RAZÕES E ERROS DO PAÇOS 2013/14

1. Cícero sem sucessor
O plantel perdeu seis titulares da maravilhosa época passada (Cássio, Diogo Figueiras, Josué, Luiz Carlos, Vítor e Cícero) e entraram 13 reforços. O principal problema tem estado no lugar de ponta-de-lança, como reconhece ao Maisfutebol o vice-presidente Rui Seabra, um dos máximos responsáveis pelo futebol. «Falhámos nesse detalhe e temos de assumi-lo. Não sabíamos que o Carlão chegaria e teria tantas lesões», explica. Christian Irobiso passou a ser a única opção. O jovem nigeriano tem sete jogos e zero golos.

2. Matías Degra não é o novo Cássio
Na baliza, o Paços apostou no argentino Matías Degra, contratado ao AEL Limassol, mas tem sido o eterno suplente António Filipe a defender nos últimos jogos. O sul-americano não fez esquecer Cássio, de facto, demonstrando quase sempre demasiada precipitação. António Filipe, 28 anos, tinha quatro presenças em jogos da I Liga no início da presente época.

3. Meio-campo arrasado e Leão sem juba
O setor intermediário foi arrasado de uma época para a outra. O único sobrevivente é André Leão e também ele, provavelmente mais vítima do que culpado, tem jogado a um nível inferior. Luiz Carlos, Josué e Vítor deixaram um legado muito pesado na Mata Real. «Podíamos ter segurado mais um ou outro jogador da época anterior? Era difícil. O Paços vive das vendas. Temos pouco mais de mil sócios. Todos eles saíram para clubes grandes», defende Rui Seabra.

4. Costinha num fato apertado
Competência e conhecimentos à parte, Costinha pareceu sempre desconfortável no papel de treinador do Paços Ferreira. A imagem, talvez preconceituosa, que os adeptos dele tinham não lhe deram qualquer margem de tolerância. Adalberto, o jogador com mais jogos ao serviço do clube, confirma a ideia ao Maisfutebol. «O problema foi o perfil do Costinha. Antes de começar a trabalhar já estava a ser contestado. Ele vinha do Beira-Mar, não tinha provas dadas e apanhou com um cenário super exigente. Os adeptos nunca simpatizaram com ele e nas derrotas tudo piora».

5. Calendarização ingrata
Defrontar Sporting Braga, FC Porto e Benfica nas quatro primeiras jornadas da Liga não ajudou à conquista de pontos e da simpatia dos adeptos. Costinha começou a perder o controlo da situação logo no momento do sorteio. «O calendário foi-nos tremendamente desfavorável», assume Rui Seabra. «Os resultados começaram a não aparecer e a desconfiança instalou-se».

6. Ambição utópica na Liga
Repetir o irrepetível. Este era o desejo pouco secreto dos fiéis adeptos pacenses. A direção tentou contrariar a ilusão com o regresso à realidade, mas o futebol é um fértil campo de sonhos. «As pessoas que gostam do clube estavam embebedadas pelos resultados passados. O terceiro lugar não era o registo normal e todos temos de nos consciencializar disso», diz Rui Seabra.

7. Mata Real em obras
Quem conhece o campo, ou estádio se preferirem, do Paços percebe a falta que ele lhe faz. A Mata Real é um relvado para homens de barba rija. Retângulo de dimensões curtas, bancadas em cima da relva, muito contato físico, pressão para quem lá chega e sente a respiração do adversário no pescoço. Por outras palavras, historicamente não é fácil ganhar ao Paços na Mata. As obras no recinto obrigaram a equipa de Costinha a jogar em Felgueiras para o campeonato (duas derrotas), no Dragão para a Champions (uma derrota) e em Guimarães para a Liga Europa (duas derrotas). Os resultados dizem tudo. «O apoio que temos a jogar em casa, exceção feita a esta fase, é ótimo», concorda Rui Seabra. «As bancadas costumam estar cheias e o adversário sente-se sufocado. A equipa sentiu falta disso».

8. Oscilação nas escolhas
Costinha mudou uma, duas, três vezes, quase sempre. O ex-treinador rodou o grupo, quis dar minutos a quase todos e a fiabilidade da equipa ressentiu-se. Nenhum jogador foi titular nos 14 jogos disputados. André Leão, 13 vezes na equipa inicial, foi o que mais se aproximou desse registo.

9. Inebriamento europeu
O Zenit foi intransponível na pré-eliminatória da Champions, Fiorentina e Dnipro pareceram inacessíveis na Liga Europa e só o Pandurii deixou pontos na visita ao Paços Ferreira. Já se sabe como são estas coisas. Por muito humildes que os objetivos sejam, há sempre uma ponta de deceção nas derrotas. O Paços acreditou ser possível fazer boa figura e a realidade tornou-se cruel. «O Zenit nem orçamento tem, é ilimitado. O Dnipro tem um orçamento de 80 milhões de euros. Essa quantia cobre 25 temporadas do Paços Ferreira. O que posso dizer mais?», deixa Rui Seabra no ar.

10. Má gestão do dossier treinador
A acusação é ouvida um pouco por todo o lado em Paços Ferreira. Os sócios não aceitam a tolerância da direção de Carlos Barbosa com os resultados obtidos por Costinha. O treinador esteve mais do que uma vez perto da saída e segurou-se sempre, até à última segunda-feira. Com o agudizar da situação desportiva, Costinha fragilizou-se e arrastou consigo o elenco diretivo que dera há poucos meses o terceiro lugar na Liga ao clube. Os insultos e tentativas de agressão a Carlos Barbosa após a derradeira derrota foram a gota de água.

TOTAIS DE COSTINHA NO PAÇOS:
14 jogos, duas vitórias, dois empates e dez derrotas
15 golos marcados, 31 sofridos

Saídas do plantel (10):

Cássio (guarda-redes); Diogo Figueiras, Javier Cohene, Luís Sousa e Abdullah (defesas); Vítor (final de agosto), Josué e Luiz Carlos (médios); Jaime Poulson (final de agosto) e Cícero (avançados).

Permanências no plantel (13):

Guarda-redes:
António Filipe
Paulo Freitas

Defesas:
Tony
Filipe Anunciação
Ricardo
Tiago Valente
Nuno Santos

Médios:
André Leão

Avançados:
Manuel José
Caetano
Christian Irobiso
Paolo Hurtado
Duarte Duarte

Entradas no plantel (13):

Guarda-redes:
Matías Degra (ex-AEL Limassol);

Defesas:
Jaílson (ex-Grémio Anápolis)
Grégory (ex-Sp. Gijon)
Hélder Lopes (ex-Beira-Mar)
Fernando Neto (ex-Fluminense),

Médios:
Romeu (ex-D. Aves)
Rúben Ribeiro (ex-Beira Mar)
Rui Miguel (ex-AEL Limassol)
Sérgio Oliveira (ex-FC Porto B)
Rodrigo António (ex-Marítimo)
Seri (ex-FC Porto B)

Avançados:
Bebé (ex-Rio Ave)
Carlão (ex-Sp. Braga)