A venda dos direitos televisivos em curso serve para destacar duas ou três coisas.
 
Serve para destacar, por exemplo, que os clubes grandes não têm a mínima noção do que é o negócio futebol. Pensam sobretudo na conta bancária, e no populismo dos números grandes que comunicam à CMVM. Sem olhar para o bem comum, e para o que esse bem comum fazia por cada um deles no fim.
 
São egoístas, gananciosos e egocêntricos. Querem, enfim, ser grandes na mediocridade.
 
Sobre os grandes já tinha escrito há dias, aliás, e está portanto tudo dito. Mais vale seguir em frente.
 
O que realmente me traz aqui hoje é a segunda evidência: o servilismo dos clubes pequenos, e em particular dos dirigentes que os lideram.
 
Os presidentes dos clubes pequenos são, salvo algumas exceções, homens que cresceram a ser submissos em relação aos grandes. Para eles um bom negócio é uma venda de um jogador no fim da época, ou dois ou três empréstimos de excedentários dos grandes que chegam sem qualquer custo.
 
Por isso bateram de frente, por estes dias, com uma oportunidade extraordinária e escolheram não a aproveitar.
 
Vou ser direto: a recente negociação dos direitos televisivos por parte de Benfica, Sporting e FC Porto criou um contexto invulgar, que transformou o grupo de todos os clubes pequenos no player fundamental da guerra entre a NOS e a Meo.
 
Senão veja-se: a NOS garantiu os direitos de Benfica e Sporting, 34 jogos no total, já a Meo garantiu os direitos do FC Porto, 17 jogos. A partir daqui estão negociados 51 jogos dos três grandes por época.
 
Se a estes se juntar o Sp. Braga, que dificilmente aceitaria negociar em conjunto, depois de os grandes não o terem feito, há que somar mais três jogos dos grandes.
 
Sobram, no entanto, 42 jogos por época que envolvem os três grandes: os jogos em que estes atuam fora de casa, sem contar com os clássicos e com os jogos em Braga.
 
Ora a partir daqui, e negociados em conjunto, os direitos destes 42 jogos tornar-se-iam fundamentais nesta luta. Se fossem comprados pela NOS, permitiriam à empresa anular por completo a Meo, que ficava só com os jogos do FC Porto em casa.
 
Se por outro lado fossem comprados pela Meo, permitir-lhe-iam ultrapassar a NOS, ficando com 49 jogos dos grandes por época, contra 34 da concorrente direta: dois grandes por semana contra um grande na NOS.
 
Para além disso, claro, há que contar com a força dos clubes pequenos todos juntos: uma força necessariamente maior do que cada um em separado.
 
Se um Benfica-Arouca ou um FC Porto-Tondela vale dois milhões de euros, por que é que um Arouca-Benfica ou um Tondela-FC Porto tem de valer 500 ou 600 mil euros? Não devia valer pelo menos perto de dois milhões?
 
E quanto valem todos os outros jogos sem grandes? Todos juntos, num pacote, à média de 110 jogos por temporada?
 
A verdade é que uma sucessão de acasos muito feliz criou uma conjuntura francamente favorável aos clubes pequenos e estes preferiram não a aproveitar.
 
O presidente do União da Madeira disse há dias ao Público que ele próprio contactou três ou quatro presidentes para perceber a sensibilidade para negociar os direitos em conjunto e concluiu que não havia interesse nisso. A partir daqui, parece-me que está tudo dito.
 
Que os grandes sejam egoístas e gananciosos, é pouco inteligente mas legítimo. Que os pequenos prefiram enfraquecer-se, negociando cada um por si, distribuindo-se pelas duas operadoras e escolhendo não dar um salto qualitativo na posição de subserviência, isso sim é de todo incompreensível.
 
O que me leva a concluir que o estado do futebol português não é só culpa dos grandes: é também dos clubes pequenos, e de um grupo de dirigentes que teima em manter o futebol na mesma.
 
PS: A terceira evidência é também ela relevante: a total incapacidade de Pedro Proença em mudar o futebol português. O presidente da Liga fez da centralização dos direitos uma das bandeiras eleitorais, não conseguiu convencer os grandes a fazê-lo e, mais grave, tentou e não conseguiu convencer os pequenos. A partir daqui ficou também ele com a posição totalmente enfranquecida: já se percebeu que não é ele o homem com a força suficiente para fazer a mudança necessária para a valorização do negócio futebol.