O excelente Santa Clara, de Daniel Ramos, navega em águas tranquilas na classificação geral. 25 pontos, sétimo lugar, bom futebol e encaixes financeiros importantes com as vendas de Osama Rashid e Thiago Santana. 

Se estes saíram, quatro entraram no plantel açoriano. Um deles, Hide Morita, deu imediatamente nas vistas e agarrou um lugar no meio-campo. Em grande entrevista ao Maisfutebol, Daniel Ramos explica a opção pelo internacional japonês e avisa que Morita terá «um futuro brilhante». 

PARTE I: «Vivo obcecado por ser melhor treinador de futebol»

PARTE III: «Não é por ganhar uns jogos que vamos beber duas cervejas»

PARTE IV: «Comecei a jogar nos seniores com 13 anos»

Maisfutebol – O Santa Clara conseguiu vender o Osama Rashid e o Thiago Santana, e fazer um bom encaixe com eles. Curiosamente, os resultados da equipa não pioraram com essas saídas.
Daniel Ramos – É verdade, perdemos dois bons jogadores e dois jogadores que estavam muito bem dentro da dinâmica do clube. Olhámos para dentro e vimos que havia boas alternativas. O Santana saiu ainda no início de dezembro, com muitas semanas até à reabertura do mercado. Tivemos de acreditar nos atletas que cá estavam e passar confiança a todos eles. A mensagem tem de ser positiva e a cobrança tem de ser muito grande. Posso falar sobre o Crysan, por exemplo. Ele vinha com alguns vícios e com alguma falta de rigor, mas nunca deixámos de ter essa exigência enorme com ele. ‘Só vais para jogo quando conquistares este conjunto de parâmetros’. ‘Só poderás ajudar se responderes a estas exigências’. E ele está aí, a ser titular no lugar do Thiago Santana. É um excelente jogador, bom miúdo, mas precisava de ser ajudado.

MF – Dos quatro reforços de janeiro – Allano, Rui Costa, Rúben Oliveira e Morita – há um que já se está a destacar. Provavelmente o mais surpreendente. Como é que um médio japonês de 25 anos surge no radar do Santa Clara? Consegue explicar-nos todo esse processo?
DR – Há muito mérito da estrutura, o Diogo Boa-Alma está sempre muito atento e tem ótimos contactos. Com a lesão do Júlio Romão, que estava muito bem, solicitei um jogador para o meio-campo com aquelas características: capacidade de ter bola e boa leitura e organização de jogo. O Diogo tinha um conjunto de possibilidades e pediu-me para vê-los. Mal vi o Morita disse logo ‘é este que eu quero’. ‘Se puder vir ele, que venha’. Gosto das características que tem. Nós vamos arrastando as informações que temos de uma época para a outra e há nomes que não são possíveis num ano e passam a ser possíveis no ano a seguir. Temos de ter a informação certa no momento certo. O mercado de janeiro é difícil e fazer bem esse filtro é muito importante. Equipa técnica, diretor-desportivo e departamento de scout. Os outros três reforços já conhecíamos bem. O Allano tem qualidade ofensiva e podia dar-nos algo diferente na frente, como mostrou há alguns anos no Estoril. Queríamos jogadores que se adaptassem bem e o Rui e o Rúben sabem bem o que é jogar nas ligas profissionais. A única exceção foi o Morita, mas vi-o e senti que pode ser alguém importante no futebol português. Acho que não me vou enganar. Tem um futuro brilhante.

MF – O Morita fala inglês ou há uma barreira linguística entre o Daniel e ele?
DR – Fala pouquinho inglês, apenas palavras básicas. Ele grava as conversas, porque às vezes não é possível traduzir na hora, depois envia para um tradutor e o tradutor reenvia-lhe já com tudo traduzido para japonês. Ele tem a minha autorização para gravar. O Shahriar Moghanlou é iraniano e só fala persa. São duas situações engraçadas, curiosas de gerir.

MF – Está satisfeito com o grupo que tem para a segunda metade da época?
DR – Um treinador nunca está satisfeito (risos). Mas sim, é um plantel capaz de dar uma boa resposta às exigências competitivas do clube. Se gostava de ter mais armas e ir a outras lutas? Claro, mas percebo as limitações do clube e estou em sintonia com o presidente e o diretor-desportivo. Se me dessem outros argumentos financeiros, chegaríamos a outro patamar desportivo. Mas o Santa Clara tem sido muito competente a contratar. Foi capaz de trazer o Mikel Villanueva, o Morita, o Crysan que está a aparecer, o Carlos Jr. que se está a evidenciar. Em janeiro não contratámos à sorte. Queríamos competitividade interna e, se possível, aumentar qualidade. Não posso contratar alguém inferior aos que já tenho. Gosto de ter boas dores de cabeça e não preciso de aspirina.

MF – Sente necessidade de trocar ideias com alguém de fora da estrutura para dissipar algumas dúvidas?
DR – Nós temos necessidade de tomar muitas decisões e é normal que a dúvida surja. O que fazer no processo de treino, a hora de almoçar, a hora do vídeo, a hora de viagem. E há dúvidas. Pondero muito, normalmente consulto a minha equipa técnica. Somos sete e falamos muito. Por exemplo, estamos a organizar a saída para Barcelos. Vamos sair dos Açores às 12h15, hora de almoço. Quando e onde almoçamos? Temos de estar às 11 horas no aeroporto. Quando treinamos? Almoçamos só depois de chegar a Barcelos? Ser treinador não é só escolher os 11 que jogam. Tenho 80 por cento das respostas, mas necessito ouvir e decidir depois nas outras questões. O que mais detesto é um «nim». Para mim não dá, no «nim» já eu estou (risos). O tempo é bom conselheiro e às vezes é bom ouvir um amigo que está fora do processo, que está abstraído do lado emocional. Temos de distanciar-nos para analisar com mais clareza. Olhe, e às vezes também me ligam para tirar algumas dúvidas.

MF – Faz 20 anos de carreira em outubro.
DR – Nem tinha pensado nisso (risos). Lembro-me que peguei no Vilanovense contra o FC Porto B [28 de outubro de 2001], no antigo campo de treinos das Antas. Empatámos 0-0. Depois vencemos o União da Madeira, quando esperávamos a chegada de outro treinador, porque eu era interino. Vencemos mais um jogo e a seguir fomos jogar contra o Sporting a Alvalade, para a Taça de Portugal. E fui ficando (risos). Fui treinador à força: ‘estás a ganhar, ficas’. Foi tudo natural.