Não foi propriamente o melhor dos timings para a FIFA: no mesmo dia em que comunicou o início das inspeções aos estádios russos que vão acolher o Mundial 2018 e a Taça das Confederações, com o respetivo calendário, o organismo que manda no futebol mundial viu o norte-americano Michael Garcia, presidente da sua Comissão de Ética, apelar à necessidade de maior transparência num funcionamento interno dominado pelo secretismo: «É um sistema mais apropriado a um serviço secreto do que ao processo ético de uma instituição desportiva internacional, que serve o público e é sujeita a escrutínio intenso», criticou.

Falando em Londres, no âmbito de uma conferência sobre crimes de «colarinho branco», o procurador norte-americano, que entregou há um mês o relatório sobre o polémico processo de atribuição dos Mundiais de 2018 (Rússia) e 2022 (Qatar), voltou a lançar achas para a fogueira que divide a FIFA, sugerindo que a liderança de Blatter não faz tudo o que pode para combater o secretismo em Zurique.

«Ter um comité de Ética, mesmo sério e independente, não é uma solução milagrosa. Pede-se liderança, que mande uma mensagem clara de que as regras são para todos. Liderança disposta a perceber e aprender com os erros identificados pelo comité. A reforma não vem de novas regras ou da criação de novos comités. Vem com a mudança de cultura na organização», afirmou Garcia numa declaração que todos interpretaram como sendo dirigida a Sepp Blatter, o homem que o nomeou em julho de 2012.

Na ocasião, a escolha de Blatter foi vista como uma manobra de relações públicas, destinadas a restaurar alguma credibilidade que a FIFA vinha perdendo de escândalo em escândalo. O desfecho da investigação feita por Garcia durante 18 meses sobre a escolha dos palcos das fases finais não ajudou a mudar a ideia, muito pelo contrário: apesar de o norte-americano ter recomendado a divulgação do documento de 430 páginas, o Comité Executivo da FIFA, realizado em final de setembro, optou por entregá-lo à câmara decisória do Comité de Ética, liderada pelo juiz Hans-Joachim Eckert. E este já confirmou que divulgará algumas das suas conclusões em novembro, mas apenas em versão resumida.

Foi esse, aliás, um dos pontos de discórdia do último Comité Executivo, com vários dos seus elementos, entre eles o presidente da UEFA, Michel Platini, a defenderem a divulgação pública de toda a investigação sobre as alegadas irregularidade e tráfico de influência na votação para a escolha das fases finais na Rússia e, principalmente, no Qatar. Blatter opôs-se Depois da reunião dos dias 25 e 26 de setembro, um dos membros do Comité Executivo, Theo Zwanziger, já manifestou publicamente, em declarações ao «Bild», a sua convicção de que o Mundial de 2022 acabará por não ser realizado no Qatar, argumentando com fatores climáticos e com a responsabilidade médica pelo bem-estar dos jogadores e dos adeptos. A possibilidade aventada por Blatter de um Mundial no inverno tem enfrentado, até ao momento, firme oposição dos representantes dos principais clubes, devido ao impacto que essa medida teria nos calendários internacionais.

Michael Garcia, o homem que não gosta de segredos, deu vários exemplos daquilo que considera boas práticas de transparência, entre eles a forma como a NFL geriu o escândalo do caso de violência doméstica envolvendo o jogador Ray Rice, ao divulgar todos os passos da investigação, bem como o «passo em frente» dado pelo Comité Olímpico Internacional com a divulgação dos relatórios relativos a irregularidades na atribuição dos Jogos de inverno em 2002.

Na sua intervenção, em Londres, Garcia reconheceu que a sua investigação esbarrou, ao longo de ano e meio, na impossibilidade de ouvir alguns dos principais visados, até pelo facto de alguns deles já terem deixado os cargos que ocupavam na estrutura, à data da decisão. «A investigação ao processo de atribuição toca em muitas partes que não foram vistas nem ouvidas», reconheceu. Uma aceitação de impotência que, conjugada com as críticas ao secretismo e à falta de liderança, não faz se não acentuar o cerco em relação a Blatter e aos dois Mundiais mais polémicos da história do futebol.