Jon Rahm venceu o Masters de golfe deste ano, foi número 1 do mundo durante 52 semanas, está atualmente no terceiro lugar da hierarquia e agora assinou um contrato milionário com o LIV Golf, que será um dos maiores da história do desporto. O golfista espanhol foi muito crítico da competição que surgiu há menos de dois anos, financiada com dinheiro saudita, mas agora tornou-se a sua principal bandeira.

É uma notícia bombástica para o golfe, mas vai para lá disso. Os valores bem como os termos ou duração do contrato não são oficiais, nem deverão ser divulgados, e as informações divergem: a ESPN fala em 300 milhões de euros, o Telegraph e a Marca apontam para 520 milhões de euros. Qualquer um desses valores fará de Rahm um dos desportistas mais bem pagos do mundo. Como termo de comparação, a Forbes estima que Cristiano Ronaldo, até agora líder desse ranking, ganhe cerca de 136 milhões de euros por ano, contra 130 de Messi, o segundo da lista. Por outro lado, quando Cristiano Ronaldo assinou pelo Al Nassr e rumou à Arábia Saudita, estimou-se que o seu salário rondasse os 200 milhões de euros anuais, o que representaria 500 milhões de euros em dois anos e meio de contrato.

Jogou a guarda-redes e é apaixonado pelo Athletic Bilbao

O homem por quem o LIV Golf abriu os cordões à bolsa desta forma tem 29 anos é já atingiu um estatuto de destaque no golfe. Jon Rahm nasceu no País Basco, tal como Seve Ballesteros, lenda do golfe espanhol e mundial. Fã de Ballesteros, o pai de Jon também jogou golfe e o filho seguiu-lhe as tacadas. Mas também tentou a sorte em vários outros desportos, incluindo o futebol.

Jon Rahm jogou na formação do Athletic Bilbao, como guarda-redes, e foi só aos 14 anos que optou por seguir uma carreira no golfe. A ligação ao Athletic, essa, ficou para sempre. «O Athletic é mais uma religião do que uma paixão», disse numa entrevista à Liga espanhola, ele que usou durante muito tempo o símbolo do clube em torneios e em 2019 foi homenageado em San Mamés, dando o pontapé de saída antes de um jogo com o Eibar. E que já este ano foi nomeado embaixador do Athletic.

Rahm começou a vencer torneios muito jovem e começou a ganhar nome depois de se mudar para os Estados Unidos, com uma bolsa para frequentar a Universidade do Arizona. Liderou durante muito tempo o ranking mundial amador, antes de se tornar profissional em 2016.

A inspiração em Seve Ballesteros

Em julho de 2020 chegou a número 1 do mundo, o primeiro espanhol a consegui-lo depois de Seve Ballesteros. Mais um dado para alimentar as comparações com o histórico golfista, que Rahm nunca viu jogar, mas cresceu a admirar. «Vi todos os vídeos do Seve que se conseguem encontrar no Youtube», contou à revista Kingdom: «Ele não era ortodoxo e era inédito jogar golfe como o Seve jogava. Mostrou aos golfistas que há mais de uma forma de ganhar torneios.»

Também em 2020, o nome de Rahm correu mundo por causa de uma pancada incrível, quando fez um hole in one no buraco 16 de Augusta. Num treino para o Masters, levou a bola a atravessar um lago e a descrever uma trajetória mirabolante, até entrar no buraco.

Com mais de duas dezenas de vitórias em torneios entre o circuito europeu e o PGA Tour, norte-americano, Rahm conquistou o seu primeiro Major em 2021, quando venceu o US Open, e em abril deste ano impôs-se pela primeira vez no Masters, um triunfo carregado de simbolismo, decidido naquele que seria o dia de aniversário de Seve Ballesteros, e precisamente 40 anos depois de outro triunfo da lenda espanhola em Augusta. No final, Rahm dedicou a vitória a Ballesteros. «Esta é para o Seve. Ele estava lá em cima a ajudar e ajudou.»

Como Rahm mudou de opinião quanto aos milhões sauditas

Aos 29 anos, Rahm assumia-se como uma das referências da modalidade. Era isso que perseguia, como disse muitas vezes, nomeadamente quando surgiu o LIV Golf, que desafiou as instituições da modalidade criando uma competição alternativa e atraiu vários golfistas de renome. Nessa altura, o espanhol desvalorizou a nova competição e assumiu que também o tinham contactado, mas declarou a sua lealdade ao PGA Tour. «Não creio que a Liga saudita seja benéfica para mim. Atiram-te números para te seduzir. Eu quero ganhar nome. Cresci a ver grandes golfistas jogar grandes torneios e só quero fazer parte desse legado. Isso tem muito mais valor do que o dinheiro», disse em fevereiro de 2022, como recordou agora o jornal El País. Quatro meses mais tarde, ia mais longe: «Nunca joguei golfe por dinheiro, compito por amor ao desporto», disse. «Os prémios (do circuito saudita) são excelentes, mas o meu estilo de vida mudaria se tivesse 400 milhões? Não, nem pensar.»

Mas o seu discurso foi mudando e nos últimos meses Rahm já apelava a uma solução conjunta para resolver o diferendo na modalidade. «Gostava que se encontrasse um modelo em que pudessem coexistir os circuitos, que se sentem a falar. Não me parece bem que o PGA e o European Tour virem as costas aos jogadores que foram. Parece-me claro que o LIV Golf veio para ficar», afirmou, também citado pelo El País, assumindo o desacordo com os castigos impostos aos golfistas que optaram pelo circuito saudita e nomeadamente ao seu compatriota e amigo Sergio Garcia, que foi impedido de disputar a Ryder Cup, a competição que coloca frente a frente europeus e norte-americanos.

Em junho deste ano, a PGA e o LIV Golf anunciaram mesmo um acordo, com vista a uma fusão. Essas negociações não foram do conhecimento dos jogadores, muitos dos quais se sentiram traídos. E também ainda não terminaram – o prazo para o entendimento final será 31 de dezembro. Há um aparente impasse, e a contratação de Rahm pode dar um enorme impulso ao LIV Golf nessas negociações, dando de caminho mais uma vez enorme impacto mediático ao investimento saudita no desporto.

Quanto a Rahm, explicou agora por que mudou de opinião. Diz que foi seduzido pelo dinheiro, sim. Mas também porque quer começar a construir a sua própria história. «Sei que haverá críticas e terei de lidar com isso. O dinheiro é uma das razões por que tomei esta decisão. Não vou negar que é importante, mas não é o mais importante», disse, na conferência de imprensa reservada a um número reduzido de meios de comunicação social em que anunciou a mudança: «O meu objetivo continua a ser ganhar todos os grandes torneios. Mas agora, em vez de perseguir recordes, vou tentar criar uma história do zero, para que outros no futuro tentem superá-la. Motiva-me muito criar esta história. Oxalá no futuro haja crianças que queiram bater marcas que eu vá deixando.»

Rahm disse também que o facto de já estarem na Arábia Saudita nomes como Cristiano Ronaldo ou Neymar o influenciaram na decisão. Isso e a possibilidade de construir e capitanear a sua própria equipa para competir no LIV Golf, cuja terceira edição tem início marcado para fevereiro. E até recorreu ao futebol e ao Athletic Bilbao para explicar o que o move: «Acho que os adeptos espanhóis vão entender a minha principal motivação em ir para o LIV. Trata-se da equipa, ser parte de uma equipa e gerar uma base de adeptos. Eu sou do Athletic e é mais que futebol, é uma religião. Adoraria poder gerar essa ‘afición’. O golfe é um desporto individual, mas estou certo de que as vitórias se desfrutam mais em equipa.»