O Botafogo disse adeus, este domingo, ao sonho de ser campeão brasileiro.

Um sonho que, em determinada altura, pareceu estar ali tão perto, até que o título escapou completamente das mãos. Agora, Abel Ferreira, líder de uma equipa com um estofo completamente diferente, está prestes a abrir o champanhe.

Foi uma primeira volta fantástica. Com Luís Castro no comando pela segunda temporada consecutiva, houve jogadores a apresentaram-se na melhor forma da carreira – Tiquinho Soares à cabeça – uma ideia de jogo sólida e organizada, que, mesmo sem brilhantismo, era capaz de ganhar jogos. A eficácia estava no pico e a solidez defensiva roçava a perfeição.

A equipa era mesmo pensada desde trás. Lucas Perri, depois de um ano no banco, ganhou o lugar a Gatito Fernández e foi até convocado para a seleção brasileira. Adryelson e Víctor Cuesta eram inultrapassáveis no eixo da defesa, Marçal acrescentou experiência, Tchê Tchê suportou o meio-campo, que viu por lá passar velhos conhecidos do futebol português, e, na frente, a velocidade de Júnior Santos e Victor Sá aliava-se à capacidade de trabalho e ao faro goleador mais oleado do que nunca de Tiquinho.

Mas o comandante optou por deixar o barco e, ainda que a vaga tivesse sido bem colmatada num primeiro momento, o barco afundou-se. Ainda se tentou replicar a fórmula com outro treinador português, contudo, houve pouca paciência e a equipa chegou a um ponto sem retorno.

O Botafogo chegou a ter a maior vantagem de sempre a meio do Brasileirão, mas seguiu-se um registo de 17 pontos na segunda volta, dignos de uma equipa que luta para não descer.

Fica para a história a hecatombe de contornos cinematográficos e a possibilidade (haverá outra igual?) de conquistar o segundo campeonato brasileiro do palmarés.

A cronologia de um título perdido

Depois de uma temporada culminada com um lugar a meio da tabela (11.º) e a qualificação para a Taça Sul-Americana, o Botafogo até nem começou propriamente bem a nova época, ao falhar a qualificação para a fase final do Carioca. Ainda assim, a equipa conquistou a Taça Rio.

Logo de seguida, veio o início do Brasileirão e o arranque foi melhor do que o esperado. A equipa venceu as cinco primeiras jornadas, tendo caído apenas em casa do Goiás, na sexta ronda. Esse desaire deixou marcas e, no jogo a seguir, o Botafogo foi eliminado da Taça do Brasil pelo Athletico Paranaense. No campeonato, seguiram-se duas vitórias, antes de novo desaire, precisamente diante do Athletico.

A partir daí, a euforia subiu de tom. Foram 12 jornadas consecutivas sem perder, com nove vitórias e três empates pelo meio. Em todas as competições, de junho a agosto, foram 19 jogos sem conhecer o sabor da derrota e com uma segurança defensiva de saltar à vista. Neste período, foram apenas quatro golos consentidos para o campeonato.

Mas, apesar dos resultados, esta fase foi marcada pelo que se passou fora das quatro linhas.

30 de junho - Luís Castro seduzido pela Arábia Saudita

Após muitos avanços e recuos, Luís Castro foi finalmente seduzido pela proposta do Al Nassr e decidiu deixar o projeto brasileiro para embarcar na aventura saudita. Seguiu-se muita contestação ao treinador português, visto como ingrato pela massa adepta de Fogão, que não conseguiu entender como é que os milhões sauditas e o projeto apresentado pela equipa de Cristiano Ronaldo poderiam sobrepor-se à oportunidade de conquistar o Brasileirão.

Sem Luís Castro, John Textor recrutou um adjunto brasileiro no Lyon, clube do qual também é proprietário, para segurar as pontas, enquanto o Botafogo iniciava a procura por um novo treinador. E a escolha não podia ter sido mais acertada. Cláudio Caçapa orientou a equipa durante quatro jogos, teve cem por cento de aproveitamento e saiu para dar lugar a Bruno Lage.

8 julho - Bruno Lage é o escolhido por Textor

Textor apostava em replicar a fórmula do sucesso e Bruno Lage é apresentado para levar a equipa ao título. O português estreia-se 11 dias depois na Taça Sul Americana.

9 julho - Já se sentia o «cheirinho» a título

«O Botafogo está no caminho certo, ainda faltam muitas jornadas, mas está no caminho certo. Se continuar desta forma o trabalho, é lógico que temos de começar a pensar no título. Vamos lutar lá em cima, isso é certo. Ainda é cedo para falar em ser campeão, mas já "tá" dando um cheirinho, sim», Cláudio Caçapa.

8 agosto - A lesão de Tiquinho

O goleador caiu e a equipa não se soube levantar. Autor de 13 golos na primeira volta, Tiquinho sofreu uma lesão no joelho e desfalcou a equipa durante quase o mês. Quando voltou, já tinha a concorrência de Diego Costa, mas o ex-FC Porto já não era o mesmo. E os restantes colegas também não.

13 agosto - O fim de uma primeira volta excecional

O Botafogo abre uma vantagem de 13 pontos na liderança, à 19.ª jornada, a meio do Brasileirão, com um triunfo sobre o Internacional, no Nilton Santos. Estava feita história. Nunca uma equipa tinha feito uma primeira volta ao nível daquela no Brasileirão. 

30 agosto - O início do fim para Bruno Lage

A equipa seguia confortável no primeiro posto, mas Bruno Lage não era consensual entre os adeptos. E a eliminação da Taça Sul-Americana, em casa do Defensa y Justicia, aumentou a desconfiança.

A equipa também baixou o rendimento e seguiram-se três derrotas consecutivas no campeonato. Depois, veio um empate com o Goiás – à época, de Armando Evangelista – e foi o fim de ciclo para Lage.

Deixar Tiquinho Soares, a grande figura da temporada da equipa, no banco, também não caiu bem no seio dos adeptos, da direção, mas, sobretudo, no balneário.

4 outubro - A aposta falhada em Lúcio Flávio

Três meses depois, com cinco vitórias em 16 jogos, Bruno Lage deixa o Botafogo, que ainda assim continuava na frente do Brasileirão com sete pontos de vantagem para o RB Bragantino, de Pedro Caixinha.

Foi então que Lúcio Flávio pegou na equipa. Mas, desta vez, a opção de Textor saiu ao lado. Flávio dirigiu pela primeira vez a equipa no Brasileirão à 26.ª jornada, somou duas vitórias consecutivas, mas depois veio o descalabro.

Foram seis jogos sem vencer, com quatro derrotas pelo meio, muitas delas quase injustificáveis e precisamente em jogos «proibidos», frente ao rival.

2 novembro - Os "murros no estômago" com resutados inexplicáveis

Com uma primeira parte fulminante, o Botafogo foi para o intervalo a vencer o Palmeiras por 3-0 e pairava no ar a sensação de que o Fogão da primeira volta estava de volta. Mas a equipa do Rio consentiu quatro golos ao conjunto de Abel Ferreira numa segunda parte fantástica do Palmeiras e de total apatia do líder.

Mas o pior ainda estava para vir. Depois da derrota com o Vasco, o Botafogo voltou a sofrer uma reviravolta impressionante, desta feita diante do Grémio, que à altura ainda lutava pelo título, deixando escapar uma vantagem de 3-1.

E se já era mau… De seguida, veio o duelo com o RB Bragantino. O Botafogo começou a perder, mas conseguiu dar a volta ao resultado. Porém, sofreu o empate nos descontos e foi de novo ao chão, sem nunca mais se ter conseguido levantar.

16 novembro - Tiago Nunes não consegue evitar a descalabro

Textor decide agir na esperança de ainda evitar o pesadelo. Tiago Nunes, que estava pensado como o próximo treinador, embarca mais cedo no Rio de Janeiro para assumir a equipa. Mas a estreia foi logo assombrada.

O Botafogo visitou o Fortaleza num jogo em atraso, empatou e perdeu a vantagem na liderança, tendo deixado de depender apenas de si para ser campeão. E, nesta altura, perante a apatia da equipa, talvez nem o adepto mais entusiasta ainda sonhasse com o título.

Seguiram-se dois empates com contornos de filme. O primeiro, com o Santos, com um golo em cima do minuto 90, e o segundo, em casa do Coritiba, onde após um golo marcado nos descontos, o Botafogo ainda foi a tempo de sofrer o empate.

3 dezembro - A confirmação do adeus ao título

Num Nilton Santos despido e em tom de depressão, o Botafogo empatou com o Cruzeiro e disse adeus ao título. Ninguém escapou aos assobios e críticas aos adeptos, que nas últimas semanas assistiram a uma equipa esgotada, sem ideias, sem paixão e, sobretudo, com uma enorme falta de crença.

7 dezembro - Sair de cabeça levantada

A última oportunidade para um adeus digno. Na última ronda do Brasileirão, o Botafogo joga em casa do Internacional e vai tentar assegurar a qualificação direta para a Libertadores.

O que reserva o futuro?

Lucas Perri já falou em tom de despedida na última noite e deve estar a caminho do Lyon, juntamente com Adryelson. A equipa deve sofrer uma remodelação e Diego Costa já deixou um aviso.

«Fizemos uma primeira volta fora da média, enquanto na segunda faltou maturidade e humildade para saber que o campeonato só acaba na última jornada. É normal que os adeptos tenham ficado eufóricos. Faltou-nos saber ler o momento de cada jogo e deixar o ego de lado para conquistar resultados melhores. Que isso sirva de aprendizagem porque o futebol cobra-nos. Temos de tirar uma lição moral disto, até porque ficar dez jogos sem ganhar não é admissível para o Botafogo. Se existe um culpado aqui, somos nós jogadores. Temos de ser homens quando as coisas estão mal.»

Já o dono do clube, John Textor, admitiu que o momento é «dececionante», mas destacou o «progresso» da equipa.

«Alguns destes homens que hoje não são apreciados foram os que nos fizeram sonhar. São jovens que nos deram momentos incríveis neste ano. Mas é muito dececionante a forma como encerramos o campeonato. Não conseguimos reencontrar-nos. (…) Os adeptos não gostam de ouvir isto, mas tivemos progresso.»