A Premier League apertou o controlo às contas dos clubes e deixou o campeonato inglês em alvoroço. O Everton, o primeiro clube a perder pontos por causa das regras de controlo financeiro, arrisca nova sanção pela segunda vez esta época, o Nottingham Forest de Nuno Espírito Santo também pode afundar-se na secretaria, o campeão Manchester City é alvo de um processo que pode ter desfecho para breve, o Chelsea também está sob investigação e há muitos clubes a fazer contas à vida. Para já, com travões nos gastos no mercado. E a ameaçar muita indefinição no final da época quanto às decisões desportivas.

O que está em causa são as finanças dos clubes e as regras que impõem limites nos prejuízos, num processo que deixa questões no ar quanto ao equilíbrio das regras, bem como às consequências que terá. Um ponto da situação, em perguntas e respostas.

Porque é que os clubes arriscam perder pontos?

Por causa da sua situação financeira, ao abrigo das regras de rentabilidade e sustentabilidade financeira da Premier League (PSR na sigla em inglês). Foi em 2013/14 que o organismo que tutela o principal campeonato inglês adotou medidas que pretendiam sancionar gastos excessivos dos clubes. Atualmente, essas regras estipulam que os clubes não podem ter prejuízos superiores a 105 milhões de libras (cerca de 122 milhões de euros) ao longo de três anos. Esse valor é possível desde que 90 milhões de libras estejam cobertas por financiamento do dono do clube que seja considerado seguro – o The Athletic dá como exemplo a compra de ações adicionais e não empréstimos simples ao clube. Sem essa cobertura do dono, o clube só pode perder até 15 milhões de libras nestes três anos. Há várias despesas que não entram nas contas, como a formação, e houve também algum alívio das regras por causa das perdas extraordinárias no período da pandemia.

«As regras foram instituídas com o objetivo específico de assegurar que o investimento insustentável não fosse demasiado longe e que fosse colocada uma barreira quanto ao que os clubes podiam investir na perseguição dos seus objetivos», disse ainda nesta terça-feira o diretor-executivo da Premier League, Richard Masters, que foi ouvido no Parlamento britânico.

Apesar desses regulamentos, a Premier League tem tido dificuldades em controlar desequilíbrios ou em avaliar riscos de potenciais investidores e o Governo inglês prepara legislação que inclui um regulador independente para monitorizar a sustentabilidade do futebol. Foi neste quadro que a Premier League avançou pela primeira vez esta época com processos que envolvem sanções desportivas pesadas.

Além disso, deve avançar em breve para regras mais restritas, que podem passar, como admitiu Richard Masters, por uma maior aproximação aos princípios atuais do fair play financeiro da UEFA, que define que os gastos de um clube com o plantel não devem ultrapassar 70 por cento das receitas.

Quem é que já perdeu pontos?

Para já, apenas o Everton. O clube de André Gomes, Beto, Chermiti e João Virgínia foi penalizado com a perda de dez pontos, a maior sanção desportiva da era Premier League. A comissão que analisou o processo concluiu que sofreu perdas de 124.5 milhões de libras, portanto 19.5 acima do limite, no período de três anos que terminou em 2021/22. O processo foi iniciado em março de 2023, mas só foi decidido já esta época, em meados de novembro. A decisão desencadeou uma onda de protestos por parte dos adeptos dos Toffees, que questionam o facto de terem sido o único clube penalizado. O Everton recorreu e a decisão definitiva deve ser conhecida ainda esta época.

E porque é que agora há outro processo contra o Everton?

A Premier League mudou esta época os timings dos controlos, além de ter procurado encurtar prazos para as decisões, face à polémica em torno da demora nas decisões, nomeadamente o primeiro caso do Everton, que vem da época passada mas só teve reflexos desportivos na atual temporada – os Toffees, recorde-se, evitaram na época passada in extremis aquela que seria a primeira despromoção na sua história, terminando apenas dois pontos acima da zona de descida. E os clubes que estavam também na luta pela permanência questionaram precisamente que a decisão não tenha tido efeito na época a que dizia respeito.

De acordo com as regras anteriores do PSR, os clubes tinham de apresentar as contas de uma época até março do ano seguinte. Agora têm de o fazer até 31 de dezembro do próprio ano e a Premier League tem duas semanas para avaliar cada caso. Esse prazo terminou a 15 de janeiro, com nova acusação ao Everton, agora a incluir as contas de 2022/23, bem como ao Nottingham Forest. Ambos os casos serão analisados por uma comissão independente.

O Everton, que até começou por reagir em campo com uma sequência de resultados positivos à primeira sanção mas está nesta altura na 17ª posição, com 17 pontos, admitiu a violação das regras, mas defende que não faz sentido voltar a ser penalizado por infrações no mesmo período que já motivou o castigo anterior. «O clube tem agora de defender-se de outra queixa da Premier League que inclui os mesmos períodos financeiros pelos quais já foi sancionado, ainda antes de esse recurso ser analisado», defendeu o Everton em comunicado, considerando que «isso resulta de uma clara deficiência nas regras da Premier League».

E o que se passa com o Nottingham Forest?

Também é acusado de violar as regras de sustentabilidade. No caso do Forest, os pressupostos são diferentes, porque em dois dos três anos analisados esteve no Championship, tendo subido à Premier League em 2022/23. Tinha como limite 61 milhões de libras de prejuízos e está sob investigação por o ter ultrapassado.

O Forest é propriedade do grego Angelos Marinakis, que é também dono do Olympiakos e, desde dezembro, igualmente acionista maioritário do Rio Ave. O clube investiu fortemente para o regresso à Premier League, tendo gastado qualquer coisa como 290 milhões de euros em mais de quarenta reforços.

O clube reagiu às acusações garantindo que irá cooperar com a investigação e que espera uma decisão «justa». Nuno Espírito Santo, que assumiu como treinador há menos de um mês, admitiu a apreensão com a situação, quando o clube está no 16º lugar, quatro pontos acima da linha de água. «Estamos todos preocupados no clube, mas a mim como treinador não me compete lidar com isso», disse o técnico português.

Então e o Manchester City?

Pois. Essa é a pergunta de milhões. O Manchester City, que se tornou a principal potência do futebol britânico alicerçado nos petrodólares do Sheikh Mansour e dos Emiratos Árabes Unidos, está envolvido há muito em suspeitas de irregularidades financeiras para equilibrar as contas. Mas ainda não houve qualquer decisão, embora o processo seja anterior, por exemplo, ao do Everton.

As primeiras acusações ao City surgiram através da UEFA, numa investigação que resultou de revelações do Football Leaks, que tinha por trás o português Rui Pinto. Em fevereiro de 2020, o City foi suspenso das competições europeias por dois anos em, mas a sanção foi anulada pelo Tribunal Arbitral de Desporto. O TAS manteve apenas uma multa, de 10 milhões de euros, mas considerou que as acusações não provavam que o City «tivesse mascarado financiamento de equidade como contribuições de patrocínio», além de entender que alguns dos factos já tinham prescrito.

A Premier League investigou as mesmas acusações, ao longo de quatro anos, e em fevereiro de 2023 instaurou um processo ao City, contabilizando 115 violações por parte do clube ao longo de nove épocas, ente 2009 e 2018, que incluem irregularidades na prestação de informações sobre receitas de patrocínios ou contratos .

Desde então, o City voltou a ser campeão e venceu pela primeira vez na sua história a Liga dos Campeões, mas o processo não teve mais desenvolvimentos públicos. Nesta terça-feira o diretor-executivo da Premier League garantiu que já há uma data para a audição do City, mas não disse quando será.

Richard Masters justificou ainda a demora no processo com a maior complexidade do caso do City, negando as acusações de tratamento diferenciado aos clubes. «São acusações muito diferentes», disse Masters no Parlamento britânico, onde foi ouvido pelos deputados: «O volume e o caráter das acusações contra o Manchester City, sobre os quais obviamente não posso falar, estão a ser tratados num ambiente completamente diferente.»

Há mais clubes acusados de irregularidades financeiras?

Formalmente não, mas o Chelsea está no radar. Em julho de 2023, o clube foi multado pela UEFA em 10 milhões de euros por irregularidades financeiras que dizem respeito à era de Roman Abramovich. E, embora não exista ainda uma acusação formal, o clube está a ser investigado também pela Premier League por infrações nesse período.

Já com os novos donos, o Chelsea gastou rios de dinheiro em contratações – superou os mil milhões de euros sob a gestão do norte-americano Todd Boehly. Mas até agora não há notícias de que tenha superado os limites impostos pela Premier League. Em boa parte, será graças a um estratagema que passou por fazer contratos muito longos com novos jogadores, diferindo os custos por vários anos. Foi assim por exemplo com Enzo Fernandez, que assinou por oito anos e meio quando trocou o Benfica pelo Chelsea. Mas essa escapatória acabou. Em dezembro, os clubes da Premier League acertaram uma redução no tempo máximo dos contratos, que passa a ser de cinco anos.

Que impacto é que isto tem na Premier League?

Além das consequências desportivas, estas sanções e acusações podem também levar os clubes a conter investimento ou a aliviar custos no imediato. Há quem já o tenha admitido. O Newcastle, que foi comprado pelo fundo soberano saudita PIF com grandes investimentos na mira, apresentou esta época 95 milhões de euros de prejuízo e o seu presidente, Darren Eales, reconheceu que a pressão de cumprir as regras de sustentabilidade financeira pode levar o clube a vender jogadores.

E os sinais atuais são de contenção. Janeiro ainda vai a meio e os maiores negócios têm tendência para acontecer mais perto do fecho do mercado, tal como é possível que alguns clubes estivessem à espera do prazo de 15 de janeiro para anúncio dos controlos financeiros. Mas o facto é que os clubes ingleses, tradicionalmente os grandes animadores do mercado, têm estado anormalmente quietos. Depois de mais de 800 milhões de euros no inverno passado e mais 2.7 mil milhões no verão, este ano gastaram até aqui menos de… 30 milhões. O único negócio com alguma dimensão até agora foi a contratação de Radu Dragusin pelo Tottenham, estimado em 25 milhões, que mesmo assim foi um reforço para compensar uma saída, a de Eric Dier, cedido ao Bayern Munique.