O escândalo das apostas desportivas em Itália veio reacender o debate em torno do fenómeno e os limites que devem existir – ou não – para a proliferação da publicidade às diferentes casas de apostas no seio de clubes e competições desportivas.

Recorde-se que, ao longo de outubro, os jogadores Nicolò Fagioli (Juventus) e Sandro Tonali (Newcastle) foram suspensos pela federação italiana durante sete e 18 meses - oito dos quais acessórios, mediante a presença num programa de recuperação -, respetivamente.

Por cá, as casas de apostas desportivas vigoram como principais patrocinadoras de oito campeonatos seniores de seis modalidades coletivas. A Liga de futebol é designada como Liga Betclic, enquanto a Taça de Portugal é patrocinada desde 2015/16 pelo Placard, jogo de apostas gerido pelos Jogos Santa Casa, que surge ainda nas provas masculinas - Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça - e no campeonato feminino de futsal.

Os campeonatos masculinos de andebol e hóquei e patins são igualmente patrocinados pelo Placard, enquanto a Solverde publicita a Liga feminina de voleibol e a Betclic patrocina os escalões máximos de basquetebol.

Os Jogos Santa Casa dão ainda apoio às federações de andebol, atletismo, ciclismo, canoagem, equestre, futebol, ginástica, judo, motociclismo, natação, patinagem, remo, râguebi, surf, ténis de mesa, triatlo, voleibol e de desporto para pessoas com deficiência.

Entidades como o Comité Olímpico de Portugal (COP), o Comité Paralímpico de Portugal (CPP) ou a Confederação do Desporto de Portugal (CDP) são outras beneficiadas dessa distribuição dos resultados de jogos sociais efetuada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A 20 de outubro, o parlamento aprovou na generalidade um novo regime jurídico da integridade do desporto, considerando que o volume de negócio das apostas desportivas à cota de base territorial e online, que rondou os 2.000 milhões de euros (ME) em cada um dos últimos dois anos, é uma ameaça crescente à integridade das competições.

Em Espanha e Itália, os empresas de apostas desportivas estão proibidas de patrocinarem o espaço frontal das camisolas de jogo dos clubes das Ligas, algo que será replicado a médio prazo (até final de 2025/26) em Inglaterra, enquanto Portugal está em contraciclo.

13 dos 18 clubes da Liga portuguesa exibem uma empresa de apostas desportivas como patrocinadora frontal nas camisolas de jogo: Boavista, Desp. Chaves, Famalicão, Farense, Moreirense e Vitória de Guimarães (Placard), Casa Pia (ESC Online), Estoril, Rio Ave e Vizela (Solverde), FC Porto e Sporting (Betano) e Sporting de Braga (Moosh).

Benfica (Betano) e Estrela da Amadora (ESC Online), nas mangas, e Arouca (Solverde), numa área secundária frontal, também recorrem a este género de patrocínios, enquanto Gil Vicente e Portimonense surgem como exceções.

«Não podemos fingir que isto não é um assunto que merece uma reflexão profunda, suscitada até por exemplos de fora – Itália e Espanha já puseram um travão, Inglaterra anunciou também essa intenção, e alguns países estão a adotar medidas dissuasoras», diz o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, à Agência Lusa.

«A reflexão profunda de que falo tem de ser feita, porque não podemos decidir prejudicando fortemente um setor. Sabe-se que a publicidade das casas de apostas na I Liga é de 72%. A reflexão profunda tem de envolver outras áreas que não só o desporto e temos de ter a certeza do impacto que possa vir a ter num setor [o futebol] da nossa atividade económica, que gera milhares de postos de trabalho, paga contribuições para a Segurança Social, paga impostos. Não podemos perder de vista que se trata de um setor que tem uma grande fonte de receita, neste apoio de empresas privadas», acrescenta João Paulo Correia.

De acordo com o último relatório trimestral do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), as apostas desportivas à cota renderam 40,8% da receita bruta total no país entre abril e junho de 2023, com o futebol a liderar nas preferências dos apostadores (68,4%), seguido à distância pelo ténis (20,1%), basquetebol (7,4%) e outras modalidades (4,1%).

Ao nível das competições desportivas, a I Liga representou 11,2% do volume de apostas protagonizadas no futebol, seguida pelas congéneres inglesa (7,9%), espanhola (6,2%) e italiana (5,3%), enquanto o ‘Grand’ Slam’ Roland Garros se evidenciou no ténis (20,2%).