Ponto prévio: a admiração futebolística por Jackson é infinita. Três anos em Portugal, três Bolas de Prata, prémio entregue ao melhor marcador da Liga. E, atenção, muita atenção, o Porto só é campeão no seu primeiro ano. Entre os golos, um de calcanhar ao Sporting e outro de bicicleta ao Gil Vicente. Ao todo, 67. Contas feitas, 30 com o pé direito, 21 com o esquerdo e 16 de cabeça. Craque. Se a isso acrescentarmos o estilo direto como capitão de equipa no uso da palavra aos jornalistas, fosse na zona mista de um estádio ou no aeroporto, estamos conversados. Craque elevado ao quadrado.

Vamos lá: alfa até Tunes, regional até Portimão. Recebe-nos o senhor João Baptista numa carrinha do Portimonense. Da estação ao estádio é um instante. À porta da entrada presidencial, cumprimentamos um dirigente brasileiro do clube algarvio (Robson Ponte, ex-jogador do Bayer Leverkusen, vitorioso em Alvalade para a Liga dos Campeões 2000-01) e estamos à conversa com João Baptista. Uma pérola. A propósito do único compromisso europeu em Portimão, vs Partizan, em 1985: “Fui o primeiro a comprar bilhete. Cheguei ao estádio e um senhor disse-me que a carrinha dos bilhetes tinha acabado de sair de Lisboa. Ficámos quatro horas a falar pelos cotovelos até chegar a carrinha. No dia de jogo, também fui o primeiro a entrar no estádio.” Craque elevado ao cubo.

Entramos na sala presidencial e Jackson sai de uma sala de reuniões, com uma garrafa de água na mão. O sorriso inicial e o passou-bem firme indicam-nos o caminho para 66 minutos de futebol total.

Estive há pouco tempo na Colômbia.

Ah sim? Cartagena?

Ya.

Pfffffff [acomoda-se ainda mais no sofá]. Cartagena é incrivel. As praias, o forte, as ilhas lá perto. E mais?

Medellín e Bogotá.

Boa, boa.

Em Medellín, estive num bairro lindo. Morava ali na boa.

Poblado?

Esse mesmo.

É bom é. Tranquilo, vida boa, vida de bairro.

Tu és de Quib...

Quibdó [e solta o primeiro sorriso da tarde].

Li e aquilo é pesado

Ahahahahah.

Chove muito, 309 dias por ano. E o mês com mais sol é Julho, média de quatro horas de luz por dia. E é a cidade mais chuvosa do mundo, não é assim?

Deve ser. Se não é, devia ser, ahahah.

Como foi crescer aí?

Foi bonito. Mesmo. Cresci como qualquer rapaz, com paixão pelo futebol.

Na rua?

Sempre na rua.

Como?

Sem sapatos. Sem nada. Jogava todo o dia. A chuva era uma aventura. Digo-te: quanto mais chovia, mais jogávamos à bola. Lembro-me desses tempos com muita alegria, embora passasse com dificuldades.

Familiares?

Nem tanto. A minha família sempre foi muito unida: a minha mãe, o meu pai, eu como filho mais velho e mais duas irmãs. Unidos, sempre unidos. Até hoje. Nunca passámos fome, mas passámos dificuldades nas coisas básicas. De vez em quando, passávamos uma refeição, entendes? Almoçávamos mas não jantávamos. Ou o contrário.

Eischhhh.

Sem problema, sem problema

[Jackson passa a mão esquerda pelo cotovelo direito e arregala-me com os olhos como quem quer acrescentar mais um detalhe]

No nosso tempo, os vizinhos eram todos amigos. Se faltasse sal, íamos à casa do lado e dizíamos ‘vizinho, preciso de sal’. Era uma coisa natural, nem se pensava na quantidade. O teu bairro era parte da tua família.

Tens amigos da infância?

Sabes, entendo a amizade não pelo tempo, e sim por relação. Alguns perdi-os neste parêntesis de 30 anos, outros vejo-os quando vou a Quibdó. E quando os vejo, falo-lhes, abraço-os e falo-lhes outra vez [Jackson abre um sorriso gigante]

Voltaste a Qibdó?

Só uma vez desde o Mundial-2014. Só o meu pai é que vive lá, tanto a minha mãe como as minhas irmãs vivem em Medellín. Quando quero reunir a familia, o meu pai sai de Quibdó e vai ter connosco.

Vivem em Medellín desde que tu foste jogar para lá ou...?

Fui sozinho para Medellín. Elas foram ter comigo a partir do momento em que a minha mãe ficou desempregada.

Ela fazia o quê?

Trabalhava num hospital. Como ficou mais difícil, falei com os meus pais e pedi-lhe para morar em Medellín.

Com quantos anos?

14/15 anos.

Assim, sem mais nem menos?

Moram lá os meus avós, havia essa ligação. Foi em Medellín que comecei a jogar. Primeiro, sozinho. Chutava a bola de um lado para o outro num campo de microfutebol. Uma pessoa viu-me e perguntou-me se queria juntar-me à equipa dele para um torneio. Claro que sim, disse-lhe. E comecei aí. Tínhamos de comprar uma camisola, que custava uns 18 euros. Depois fui passando de equipa para equipa, sempre a evoluir.

Isso em quanto tempo?

Joguei em muitas equipas. Pfffff, muitas, muitíssimas.

Sempre avançado?

Sempre. Também gostava de jogar à baliza, quando os jogos eram com gente de outros bairros e só os conhecia de vista. Para não ficar só a vê-los em acção, ia à baliza. Ahahahah.

Tens ídolo de infância?

O meu jogador preferido sempre foi o Ronaldo Fenómeno. Até hoje. Há Messi, há Cristiano, mas Ronaldo Fenómeno é insuperável. Até escrevia a [Jackson olha no horizonte]  [está à procura da palavra certa em português]... Até escrevia a caneta o número 9 e o nome Ronaldo nas camisolas de jogo.

Conheceste-o?

Uma vez, em Inglaterra. Foi surreal.

Então?

Estava com a seleção, dia de folga. Eu e o Cuadrado, de quem sou amigo, muito amigo mesmo, estávamos numa loja de sapatos dentro de um centro comercial. De repente, pelo canto do olho, pareceu-me ver o Ronaldo. Mas, quer dizer, nem liguei ao meu golpe de vista. Estou a sonhar, disse para mim. No segundo seguinte, ‘no puede ser’. E virei-me para ver melhor. Era ele, sim. O Ronaldo ali. Estava a passear com a namorada.

E agora?

Ahahahahah. Nem imaginas. Tinha um sapato calçado, o outro nem tanto e fui atrás dele. Pedi-lhe uma foto.

E ele?

Parou e flash. O Cuadrado também foi lá e sacou uma foto. O Ronaldo até falou com o Cuadrado: ‘tu eres rápido’. Nunca imaginei encontrar Ronaldo.

Ainda por cima em campo neutro, Inglaterra?

Exactamente. Que experiência. Divinal.

Alguma vez viste a seleção ao vivo antes de jogares pela Colômbia?

Nunca, nunca. A euforia é incrível.

Bem sei. Quando estive em Cartagena, foi um jogo com o Peru e a cidade vestiu-se de amarelo. [Jackson aponta-me o dedo em tom afirmativo]

Se estás na Colômbia, sabes que a seleção vai jogar naquele dia porque as pessoas vestem-se com a camisola amarela. E o país pára. Aqui, em Portugal, é diferente. São culturas. Se Portugal jogar hoje, nenhum estrangeiro saberá pelo movimento das ruas durante o dia.

Qual foi o teu primeiro jogo pela seleção?

Equador. E tive a sorte de marcar nesse jogo. Estava num bom momento de forma pelo Independiente de Medellín, era o melhor marcador do torneio colombiano e tudo me saiu bem. Porque entrei a 20 minutos do fim, marquei o 1-0 e ainda participei no 2-0. Foi um 'debut' de sonho. Ainda por cima, foi em Medellín. E isso só deu mais beleza ainda ao momento. Nesse estádio, joga-se o clássico Medellín vs Nacional. Grande rivalidade, entendes? E, de repente, vês as claques dos dois clubes a gritar em uníssono o golo da seleção. É um momento lindo.

A tua família estava no estádio?

Toda a família e, lá está, isso deu mais emoção.

Disseste que és o irmão mais velho.

Certo.

E as tuas duas irmãs foram viver contigo em Medellín. Deves ter sido quase pai delas, não?

Exato, e vou dizer-te porquê: o nosso pai, que é professor de educação física, ficou em Quibdó, enquanto a minha mãe e as minhas irmãs foram ter comigo. O meu pai sempre foi muito rigoroso e sempre o respeitei. Mas eu era muito ‘travieso’ [Jackson faz uma careta cómica]: se ele dissesse ‘não vás ali’ eu ia. 'Siempre'. Coisa de criança. Quando as minhas irmãs começaram a morar comigo, fiquei estilo meu pai. Levava-as a todo o lado, fazia por passar o máximo de tempo com elas para saber onde andavam e o que faziam. Se elas se metessem ou fizessem menção de fazer algo mau, eu intervinha.

De repente, és goleador do Independiente e da seleção. E agora, próximo passo?

Nunca pensei nisso, sabes. Não vale a pena, quando ainda estou a fazer história no lugar onde estou. Quando passar a outro nível, aí penso nisso. Quando jogava no Medellín, só pensava no Medellín. Falavam-me em propostas e eu nada. O que a proposta faz é estragar-te um bom momento. Agora, também sei que o futebol é um negócio. Por isso, no dia em que o clube me fala de uma boa proposta, sou todo ouvidos.

E foste para o México?

Ya, Jaguares de Chiapas.

Que tal?

Impressionante, sabes? Já conhecia o amor dos mexicanos pelo futebol, mas vivi um ritmo alucinante. Tanta euforia à volta do futebol, incrível. E fiz parte de uma equipa que conseguiu a inédita qualificação para a Libertadores. Chegámos aos quartos. Ou será oitavos [outra careta divertida de Jackson].

Depois, Portugal. Alguma vez tinhas ido à Europa antes de chegares ao Porto?

Nunca [Jackson sorri]

Nunca?

Nunca [Jackson estica o sorriso].

E o que sabias de Portugal?

De verdade? Nada. [Jackson é todo um sorriso]. Só sabia que estavam aqui Falcao, Guarín e James.

James, claro. A maioria das assistências para os teus golos são dele.

No primeiro ano, o James foi quem mais me ajudou. No campo, eu conhecia-lhe os movimentos todos. Bastava um olhar e estava feita a jogada. Fora do campo, fiquei a dormir na casa dele e ajudou-me imenso no idioma. Estava sempre ao meu lado, pronto para ajudar. Quando cheguei ao Porto, estava num hotel e ele convidou-me para dormir em casa. Fiquei vai-não vai, sabes? E o James: ‘já fiquei aí e não é bom, vem para cá’. Dormi lá um tempo e foi especial.

Onde era a casa do James?

Perto da Avenida Boavista.

E tu foste viver para onde?

Para a Foz. Eu e o James continuámos a dar-nos muito bem, entre almoços e jantares. Quando ele saiu do Porto, perdemos essa comunicação do dia a dia, como é claro, mas falamo-nos muito por telemóvel. Metemo-nos um com outro.

E que tal a Foz?

Gosto muito de peixe, por isso é divinal. Matosinhos é qualquer coisa, ahahah.

E futebolisticamente? Foste um sucesso à parte. Logo na primeira época, um golo de bicicleta e outro de calcanhar.

[Jackson encosta-se no sofá, meio tímido] Siiim, o de bicicleta é o meu quarto golo pelo Porto, acho. É uma coisa que ainda hoje faço nos treinos. Está comigo. Como o golo de calcanhar. Fiz outro assim ao V. Guimarães ou à Académica. E fiz um passe para o Tello com o Sporting. Quando tenho oportunidade, faço-o com naturalidade.

Esse do golo ao Sporting foi qualquer coisa.

Dos melhores que marquei.

Tu sentes a beleza do golo na hora?

No momento, não fiquei espantado. Lá está, praticava isso nos treinos. Depois, à noite, nas imagens da televisão, vê-se Vítor Pereira com uma cara ‘o que é isso?’ e depois aparece o Antero a dizer-lhe qualquer coisa ao ouvido. Ahahahahah.

Tornou-se mais difícil a vida no Porto para passear e tal?

Verdade, sim. No início, dava para fazer uma vida tranquila. Depois, pfffff. Queria ir ao shopping com o meu filho e esquece. Era assim ‘filho, espera um momento’. No minuto seguinte, ‘filho, espera um momento’. Às tantas, era ‘filho, vamos mas é para casa’.

E o que dizer da rivalidade com Benfica e Sporting?

Muy fuerte, hahahahahah. Se deixas onze adeptos do Porto contra onze do Benfica num campo de futebol, tens de meter seguranças, ahahah. O futebol é paixão e, às vezes, as pessoas sobem de tensão. Vêem-se muitas brigas. Desde o relvado, digo. Cada um defende o seu clube, claro, mas há gente mais passional que vive o futebol como se fosse a vida. Também é preciso que se diga que nós, dentro de campo, também provocamos as pessoas nas bancadas. Nós, se calhar, podemos ajudar um pouco a acalmar a tensão da rivalidade.

Que balanço fazes das três épocas?

A primeira foi brutal. Sobretudo a vitória do título.

O golo do Kelvin?

Claro. Para repetir esse momento, tem de ser um golo igual para definir um torneio. É difícil, muy difícil. Esse momento é pffffffff. Para o Benfica foi duro, porque sabia que não havia qualquer hipótese de dar a volta. Só faltava uma jornada para o fim. E foi um golo em que a bola só podia entrar ali. Foi bonito dar essa alegria a ‘la gente’, porque ‘la gente’ acreditou. Muito, muito. A cinco jornadas do fim, notou-se o apoio sem parar dos adeptos. Eles geram coisas inimagináveis aos jogadores. Quando estás cansado, a dez minutos do fim, tu 'sacas aire', sabes lá de onde, quando os ouves a puxar pela equipa. Fomos campeões e saiu Vítor Pereira, ainda hoje não sei porquê. Nas duas épocas seguintes, foi uma questão de regularidade nos momentos mais importantes: se o Benfica empatava, nós empatávamos. Se eles perdessem, nós perdíamos. Não aproveitámos nunca.

Chegaste a capitão do Porto.

Foi um momento bonito em que tens de começar a pensar com mais tempo e seriedade em todos à tua volta. Temos de envolver o balneário inteiro nas nossas decisões. Como capitão, nunca senti a necessidade de estar aos gritos para alguém. Sinto é necessidade de pensar em como ajudar. Quando me deram a braçadeira, virei-me para o treinador e disse-lhe ‘não esperes de mim que brigue com um árbitro, mesmo que seja um penálti com mão à minha frente’. E expliquei-lhe ‘não vou fazer isso, nunca irei ter com o árbitro; e se houver um penálti sobre mim fora da área e ele perguntar-me se houve falta, eu vou dizer a verdade, que não foi’. Não soy vivo [chico-esperto]. Além disso, é do melhor que há quando és honesto e as coisas funcionam.

E adversários de respeito?

Se há jogador rival que me lembro de ter uma admiração é Luisão, porque não se metia no meio das brigas. Isso é um capitão. Nessa hora, o capitão tem é de acalmar os colegas e meter ordem em campo. Não sabia quem era Luisão antes de eu chegar ao Porto, mas sempre o admirei no tempo em que joguei no Porto. Fui à Luz há um ano pelo Portimonense, nem joguei, e tive a oportunidade de lhe dizer isso mesmo. Admirava-o muito. Ele ia fuerte, eu também. Todo bien. Ele metia o cotovelo mais alto, eu também. 'Todo bien'. Um capitão não tem de ser o melhor dos demais, tem é de ser um exemplo.

Nos teus três anos, a eliminatória europeia com o Bayern deve ter sido a mais excitante.

Pfffff, uma explosão de emoções. Foi uma eliminatória pffffff. Até hoje os adeptos se lembram do 3-1 no Dragão. Foi um jogo tão bem, tão bem, tão bem preparado. 'En sério'. Durante os treinos, pensávamos e dizíamos: se sai tudo certo, como nestes dias, vamos ganhar. E ganhámos. Nessa altura, estava a passar por algumas dificuldades físicas e tive uma lesão muscular, no adutor, contraída com o Braga, acho. Joguei com risco. Falei com o médico e o treinador. O que fazemos? Se jogasse, havia o risco de me romper todo. Combinámos e arquei com a responsabilidade. Começou o jogo e sentia picadas. Estava quase, quase a romper. Só que acabei o jogo sem me romper e ganhámos 3-1., Que jogo, imperdível.

Em Munique é que...

O jogo seria diferente com Danilo e Alex Sandro. Não é fácil para ninguém jogar sem os laterais, ambos internacionais brasileiros, ambos de categoria ímpar, ambos totalmente entrosados com a equipa e envolvidos na maioria das ações. Fomos a jogo com o Diego Reyes, que nem é lateral. Guardiola é muito inteligente e meteu Ribéry e Gotze, acho, naquele flanco. Ainda por cima, eles marcaram cedo. Foi pena, embora o caminho fosse bonito até aí.

Foste ao Mundial nesse ano.

Foi o culminar de um sonho. A Liga dos Campeões é 'hermosa', só que o Mundial é demasiado. Há mais. Uma coisa é ir entre os 23 convocados. Já é uma alegria infinita. Se jogares, é uma maravilha sem palavras. Se conseguires marcar, pfffffff.

E marcaste!

Joguei pouco nas eliminatórias e sempre respeitei as decisões do seleccionador [Pekerman]. Quando marquei ao Japão, foi um aliviar da tensão dentro de mim. E repeti a sensação nesse mesmo jogo.

Nesse Mundial, a Colômbia ganhou os jogos todos na fase de grupos.

Ya. Depois, eliminámos o Uruguai com um golo do outro mundo de James. E, nos quartos, fomos eliminados pelo Brasil.

Pois foi, Brasil.

Golaço de David Luiz, golaço, golaço, impressionante. De livre direto. Estivemos quase a empatar, ficou a díuvida se foi golo ou não do Yepes. Na Colômbia, ainda hoje gozamos com o Yepes.

Então?

Sim, golo, mas era golo do Yepes. Ahahahahahah.

O Queiroz, selecionador da Colômbia, ligou-te alguma vez?

Noooo. Tu queres sempre ir à seleção do teu país, só que o pensamento tem de estar no futuro, no Mundial-2022, daqui a três anos. O que interessa é olhar para os jogadores que podem ir ao Qatar, como Zapata e Muriel. Eu, em 2022, terei 36/37 anos. Não, é impossível para mim.

A tua vida é diferente aqui em Portimão?

Muito diferente. Levo o meu filho à escola e vou buscá-lo à escola. Levo o meu filho ao futebol e vou buscá-lo ao futebol. Levo a minha filha ao ballet e vou buscá-la ao ballet. Levo a minha filha à natação e vou buscá-la à natação. Alem disso, há muitos estrangeiros por aqui e os portugueses que há são do Benfica ou Sporting, na sua maioria. Há até pessoas que passam por mim e nem me falam, pelo passado no Porto. Ahahahaha. Por mim, tudo bem. Outros perguntam ‘quero uma foto, mas sou do Benfica’. Ahahahahah. Por mim, tudo bem, era só o que faltava.

E há o fator praia.

Bem bom. Os meus filhos perdem uma hora a correr na areia e a fugir da água na zona de rebentação. É hermoso, muito.

E também sei das tuas idas ao mercado?

Ahahahah, já sabes tudo. A verdade é que já conheço toda a gente, já conheço os cantos à casa. Se a minha mulher não for ao mercado, eu safo-me bem.

Última pergunta: Madrid e China, o que correu mal?

Em Madrid, foi assim: vinha de três anos a marcar no Porto e chego ao Atlético com outra maneira de jogar. No Porto, jogávamos ao ataque. No Atlético, o que prima é a organizaçao defensiva, No começo, fui bem. Uma pré-época forte e boa, sentia-me em forma. No momento em que me senti a agarrar o lugar, tive a lesão na seleção. Voltei e continuei a jogar, fazia 10, 15, 45, 50. Não havia regularidade. Falei com o treinador e disse-lhe para me dar jogos. Sabia que ia responder à altura.

Boa onda com Simeone?

A comunicação foi boa, frontal. Simeone acredita 100 por cento no seu trabalho e acredita na forma de jogar da equipa em detrimento de um indivíduo. Nessa situação da não-adaptação, culpa dos poucos minutos em campo, decidimos pela saída. Sem problema: se não resultas num esquema, sais. Ainda faltavam seis meses para o final da época e apareceram ofertas. Aceitaram a mais valiosa delas todas, a da China. A ideia era estar um ano e sair, só que tive uma lesão que quase estraga toda a carreira.

Num jogo?

Sim, entrada muito forte.

Chinês ou...?

Estrangeiro, acho. Fiquei dois anos na China e só fiz 15 jogos. Dá para ver o que foi, não é? Aí foi difícil.

E viver na China?

Há jogadores que vivem lá e gostam. Eu, a olhar para o meu filho em matéria de adaptação, percebi que não. A ideia inicial era recuperar-me e depois sair para jogar. Rodei o mundo: Madrid, Porto, onde me trataram maravilhosamente bem durante seis meses, Indianapolis e Miami. Durante todo esse processo de operação e recuperação, era como treinar com uma faca no tornozelo. Fiz duas cirurgias, recuperei bem e eis-me aqui em Portimão.

Última pergunta, agora é que é. As tuas letras musicais, que tal?

As pessoas perguntam-me o que deu para o Jackson cantar agora? Isso não é assim. Tu és jornalistas e, se calhar, jogas bem futebol [not]. Se decides entrar em campo, está bem. Para ti, claro. Embora ninguém soubesse da tua faceta. Comigo é o mesmo: nos últimos 10 anos, escrevi músicas. Foi inconsciente, O meu pai é compositor de salsa.

A sério?

É um compositor só para ele, não mostra a ninguém. Tem mais de 100 letras. Eu cresci em Quibdó a ouvir salsa a todo o volume. Já adormecia ao som da salsa e tudo. Nesse mesmo tempo, tinha um amigo no bairro com tv cabo e ia lá para ver a MTV. Que transmitia hip hop, rap, urban, r&b. A salsa não ficou comigo. Fiquei foi com a música da MTV e isso martelou a minha cabeça. Comecei a escrever, a improvisar. Só que a música era forte, não era agradável, de boas palavras. Por medo que o meu pai e a minha mãe soubessem, escrevia, decorava a música e rasgava o papel. Ahahahahah. A partir do momento em que entreguei a minha vida a Deus, comecei a escrever música de adoração. Escrevi duas músicas em 2010 e aproveitei o tempo livre provocado pela lesão para dedicar-me mais à música. A ver se lanço um single daqui a nada.

E os teus filhos, ouvem a tua música?

No carro, às vezes, pedem-me a caminho da escola. Ahahahah, é um prazer.

[de repente, somos surpreendidos por um olááááá em sol menor do guarda-redes japonês Shuichi Gonda, com a cabeça dentro da sala e o resto do corpo fora dela] [é um final cómico]