José Mourinho assume que a Roma fez dele um treinador diferente. Depois de ter dado mais uma aula no curso pós-graduação em High Performance Football Coaching, na Faculdade de Motricidade Humana, o treinador explicou que teve de adaptar-se a um clube com adeptos apaixonados, mas sem história ao nível de títulos. Uma experiência nova que o Special One está a «adorar».

A forma como o treinador festejou a vitória na final da Liga Conferência, em Tirana, foi interpretado por muitos como uma resposta aos críticos. «Depende dos críticos. Nunca me preocupei muito com isso, a maneira como festejei tem só um fundamento: não sou aquilo que era, não sou o jovem preocupado com a sua ascensão, crescimento e a ter de provar no dia a dia aquilo que era. Transformei-me numa pessoa muito menos egocêntrica, que vive mais para os outros do que para si própria e que está num clube que não tem história de vitórias, com adeptos incrivelmente apaixonados, mas sem história. Sentir ao longo do ano mais do que um sonho, não sei se obsessão, fez-me sentir como se calhar nunca me senti. Era a nossa Champions», explicou.

Mourinho já ganhou duas Ligas dos Campeões, uma com o FC Porto, outra com o Inter Milão, mas a Liga Conferência, este ano, teve um sabor especial. «Já ganhei duas, mas esta era a Champions daquela gente. A nossa competição era aquela. E o grazie, grazie, grazie [obrigado em italiano]  que ouvia todos os dias, desde o princípio, fez-me sentir que estava um peso grande nas minhas costas. Foi aquilo que me levou a estar verdadeiramente emocional. Quanto a ter de provar, se tenho de provar, todos os treinadores têm de provar. Se tenho que provar, tenho de provar a mim próprio todos os dias. Tenho noção clara que me sinto como sempre. A velha filosofia, o que está ganho está ganho, o que se perdeu, perdeu. O que se ganhou esta no museu, está na história, ninguém pode tirar. Oque se perdeu já não se pode ganhar. O que se pode ganhar é o próximo jogo e o próximo jogo é a 14 de agosto [início da nova época]. A 14 de agosto lá estaremos para tentar ganhar», prosseguiu.

Uma mudança de modo de estar com o treinador relaciona com a Roma. «Não sei, a nossa vida é uma maratona, quando chegamos aos 50 ou 60 anos, já estamos numa fase em que começamos a conhecer o produto, mas não consigo identificar o momento em que aconteceu. Se calhar foi a Roma que me mudou, o perfil de clube, o perfil de adepto, o perfil da cidade. Se calhar a minha emoção no fim do jogo, não foi só a alegria deles, foi eu também a respirar fundo. Há dois meses que ouvia todos os dias, “por favor traz a taça, por favor traz a taça”. Fiquei contente como nunca porque para aquela gente e para aquele clube, que é um clube gigante, um clube com a dimensão da história daquela cidade, mas ganhar ali é uma história triste. Passaram ali grandes treinadores, grandes gerações de jogadores, mas culturalmente torna-se é muito difícil ganhar ali. As pessoas sonhavam e para mim teve um impacto social grande», explicou.

Mourinho venceu a quinta final europeia da sua carreira e explica como se sente num dia de conquista. «A minha visão de uma final é que a pressão é tão grande que tu, como treinador, tens de tentar reduzir ao máximo a pressão daqueles que jogam. Como reduzes? Reduzes ao máximo a imprevisibilidade do jogo, tentar ler o jogo antes dele acontecer e tentar pôr os jogadores numa situação confortável e com poucas duvidas. Ser muito objetivo e muito pragmático e tentar pô-los numa situação em que só têm de gerir as suas próprias emoções e seguir uma determinada linha de projeto de jogo», referiu.

Depois lá veio o novo lado mais humilde do treinador. «Do ponto de vista do treinador, também há uma coisa importante: as finais ganham eles e nós estamos ali só para ajudar. Quando um treinador pensa que a final é o seu momento, e quando pensa que é na final que vai poder demonstrar o tão fenomenal que ele é, normalmente corre mal. Para mim, uma final é um momento de humildade que se põe ao serviço dos seus na redução ao máximo dos níveis de tensão que eles possam ter. Foi isso que tentei fazer desta vez ou quase sempre, umas vezes ganhando, outras perdendo, mas sempre nesta perspetiva. Aquela história de “lets go and enjoy”. Enjoy depois do jogo, não é durante o jogo. Depois há uns que vão para casa chateados e outros vão para casa a rir e a beber umas cervejas com a família. Essa história do lets go and enjoy não me entra, é lets go e enjoy depois. Durante é para morder e levar a taça para casa», destacou ainda.

A imagem mais marcante da última temporada de Mourinho foi a forma como festejou a vitória na Liga Conferência, com a mão bem aberta, em alusão aos cinco títulos europeus que já tem no currículo. Como é que o treinador português vai festejar o próximo? «Com seis dedos», atirou a fechar a conferência de imprensa com um largo sorriso.