O último jogo de Lionel Messi no Campeonato do Mundo foram 120 minutos e mais uma roda de penáltis. E levaram ao prolongamento com que ele sonhou por tanto tempo. Levaram àquele beijo e à carícia na Taça quando passou por ela com o prémio de melhor jogador do Mundial debaixo do braço, um impulso de paixão a antecipar o momento em que iria levantar o mais bonito troféu do planeta e consagrar em definitivo o seu legado. Campeão do mundo, finalmente.

Naquelas quase três horas que durou a louca final do Lusail, Messi marcou duas vezes, abriu caminhos para outros brilharem, criou, recuou, recuperou bolas e também falhou, para depois voltar a aparecer, uma e outra vez. E por fim, naquela que ele decidiu que seria a despedida, depois de cinco Campeonato do Mundo, depois de se tornar o jogador que mais vezes pisou um relvado em Mundiais e de jogar cada minuto no Qatar, foi feliz.

As primeiras imagens mostraram Messi a aceder a tirar uma foto no túnel, depois a mascar pastilha no aquecimento, a expressão concentrada mas ao mesmo tempo tranquila. Depois saiu para o campo na frente, aí de olhar fechado, antes de perfilar para o hino, cerrar os olhos a absorver o momento e depois cantar a plenos pulmões com toda a equipa, o tom a subir até aos versos finais. «Coronados de gloria vivamos… O juremos com gloria morir»

Depois do pontapé de saída Messi posicionou-se sobra a direita e logo aos três minutos combinou com De Paul, que deu para Julian Alvárez, mas havia fora de jogo. Andou por ali a deambular, a fletir para o centro, a descer, naquele passo só dele, tantas vezes a aparência alheada de quem caminha sem grande destino até percebermos, quando ele de repente muda tudo num só movimento, que afinal estava a ver mais à frente.

Apareceu lá em cima, mas não chegou a um cruzamento de De Paul e Di María chutou por cima, ainda antes de Angelito ganhar o penálti que Messi converteu no primeiro golo do jogo. Era o quinto que batia neste Mundial – já tinha falhado um, com a Polónia, que aliás o impediu de se tornar o primeiro a marcar em todos os sete jogos de um Mundial. Messi inspirou, expirou, depois avançou, com uma breve paradinha, o tempo suficiente para Lloris se atirar para um lado e ele meter a bola no outro. O abraço dos companheiros selava o reconhecimento ao 10.

Pouco antes da meia hora, um choque com Theo Hernandez deixou Messi no chão. A apreensão durou pouco, um e outro levantaram-se e o jogo seguiu. Até ao segundo golo, o golo que começou numa transição, passou por um passe de sonho de Messi para Alvárez e seguiu para Mac Allister, que abriu para Di María na esquerda. Um grande, enorme golo.

As lágrimas de Di María, o abraço conjunto de toda uma equipa de joelhos no relvado, reforçavam a sensação de quem via. A Argentina estava por cima, uma exibição feita de foco total, alma e talento, a confiança lá no alto.

Com dois golos de vantagem, a albiceleste abrandou o ritmo, mas o intervalo chegou com Messi a descer, para roubar bolas lá mais atrás, a participar no esforço coletivo de uma enorme primeira parte da Argentina, que impediu a França de fazer um único remate.

No regresso dos balneários, as combinações de Messi com Di María resultaram em vários lances de perigo e num remate do 10 ao lado, antes de a França conseguir visar a baliza de Emiliano Martínez. Já não estava em campo Angelito, também ele figura maior deste e de outros títulos da Argentina, quando as alterações promovidas por Deschamps começaram a dar outro ânimo aos Bleus. Depois vieram os três minutos que viraram o jogo ao contrário. Primeiro, Mbappé reduziu, a converter um penálti cometido por Otamendi. E depois foi numa perda de bola de Messi para Coman que começou o segundo golo de Mbappé, o segundo da França.

Por momentos, Messi e a Argentina vacilaram, a assomar ali o fantasma de tantas frustrações passadas, o filme dos quartos de final com a Holanda a repetir-se. A equipa concentrava-se em tentar limitar danos, Messi procurava algo mais, mas não chegava. Às vezes já não chega, há momentos em que os 35 anos se notam e, ainda que a centelha do génio esteja lá sempre, a velocidade não acompanha. Mas tentou, e ao cair do pano sobre o tempo regulamentar podia ter arrumado tudo logo ali, naquele regate de corpo antes de encher o pé para o remate que obrigou Lloris a uma defesa para a foto.

Também esteve perto de voltar a resolver a fechar a primeira parte do prolongamento, quando combinou com Mac Allister e viu Upamecano negar o golo a Lautaro. A Argentina terminava por cima antes dos 15 minutos finais e no reatamento Messi, uma vez mais, mostrou o caminho.  

Desta vez não foi uma jogada de génio, foi um golo de oportunidade. Depois de uma combinação com Lautaro e Enzo e de um remate de Lautaro defendido por Lloris, Messi apareceu para a recarga. Entrou, não entrou? Enquanto o VAR validava, até quem estava no banco argentino entrou em campo para celebrar num abraço ao 10.

Mas esse não era o fim da história da mais incrível final que já vimos. A Argentina procurava segurar a nova vantagem, Messi até num corte de carrinho dava o exemplo, mas um braço de Montiel na área dava novo penálti à França e o terceiro golo a Mbappé. Os últimos minutos foram frenéticos, a França voltou a estar perto e ao cair do pano Messi lançou Montiel, para mais um remate falhado por Lautaro. Nada feito, tudo se decidiria nos penáltis.

Mbappé foi o primeiro a bater, não falhou. A seguir, Messi deu o exemplo com mais uma coisa de Messi, no enorme sangue frio do penálti em jeito de passe para a baliza. Depois, foi no meio dos companheiros que assistiu ao desfecho. Os penáltis que todos eles marcaram, o que Martínez defendeu. E então, após o remate de Montiel que foi o ponto final, ajoelhou no relvado, antes de toda a equipa o esconder num abraço coletivo.

Naquela pausa que fez junto à bancada a ouvir os adeptos, no abraço emotivo à mãe ou no festejo com Aguero, companheiro de sempre que se juntou à celebração no relvado e que no final o levaria em ombros, na imagem que num simbolismo perfeito emula Maradona em 1986, Messi saboreou cada segundo da vitória que valeu por uma vida.