«Se o Bayern ganhar os dois próximos campeonatos com 20 pontos de avanço, então diria que teremos de mudar alguma coisa»
Christian Seifert, diretor executivo da Bundesliga, 22 de maio de 2013

Estas palavras foram ditas ao «Guardian» poucos dias antes da primeira final de Champions entre equipas alemãs. Na altura, celebrava-se a vitalidade da Bundesliga, assente em dois pilares fundamentais: a formação e o equilíbrio competitivo. Lembrei-me do arremedo de profecia de Seifert neste sábado, ao ver o Bayern Munique atropelar um forte candidato à Liga dos Campeões (6-1) em casa deste.

Primeiro pormenor nada irrelevante: a vítima deste atropelamento, o Wolfsburgo, fez o segundo maior investimento em transferências do futebol alemão (117 milhões de euros, bem à frente dos 99 do Dortmund, dos 67 do Schalke ou dos 50 do Leverkusen). Segundo pormenor nada irrelevante: a verba investida no atual plantel do Bayern (234 milhões) é precisamente o dobro da do seu rival mais próximo. Terceiro pormenor nada irrelevante: no primeiro ano da era Guardiola, os tais 20 pontos de diferença a que Seifert se referia foram atingidos a onze jornadas do fim. Não é fácil acreditar que o fosso diminua de forma significativa na próxima época.

A confirmação de que este Bayern - a caminho de ser uma das maiores máquinas futebolísticas da história – deixou de ter concorrência interna compromete a afirmação da Bundesliga como marca de referência no mercado televisivo internacional, numa altura em que o campeonato alemão pretendia conquistar quota de mercado à Premier League.

Mas, por outro lado, é apenas o mais recente sublinhar de uma tripla realidade. A primeira diz-nos que, por esta altura, a jóia de acesso à elite do futebol europeu é cada vez mais restrititiva. A segunda, que resulta da anterior, é a perda de competitividade de uma «classe média» como FC Porto, Valencia ou Leverkusen, que, há dez anos, ainda podia sonhar com vitórias na Champions. A terceira, e última, simbolizada pelos 6-1 de sábado e pelos 20 pontos de avanço no comando da Bundesliga, é o do risco de progressiva irrelevância das competições nacionais. Em especial para clubes como Bayern, Real Madrid, Barcelona, PSG, Mónaco - e, à nossa escala dos últimos anos, Benfica e FC Porto - que, mais do que dominá-las, as asfixiam.

Um recente estudo da Deloitte  sublinha esta realidade de outra forma: mesmo em contexto de crise, as receitas geradas pelos 20 maiores clubes da atualidade continuam a crescer, a um ritmo superior ao da economia global. Dito de outra forma, há um bolo, que está maior do que nunca, mas que é dividido em menos fatias.

É verdade, a Premier League continua a fazer figura de exceção neste contexto – porque vai tendo competitividade real entre cinco ou seis equipas de topo, e porque as suas equipas pequenas têm volume de receitas e massas adeptas relevantes. E talvez só mesmo isso torne um pouco mais distante o cenário, tantas vezes esboçado, da progressiva transformação da Champions numa Liga de elite fechada, em que as credenciais económicas, à semelhança do que contece com as Ligas profissionais americanas, têm um peso determinante no direito de admissão.

O cenário parece demasiado radical para ser viável a curto prazo, num universo ainda tão dependente da tradição, da memória e da identidades regionais. E talvez o seja. Mas, ainda assim, não será tão radical como a transformação a que Benfica e FC Porto sujeitaram as respetivas identidades, ao longo das últimas décadas, para manterem as vagas – em classe económica - no comboio internacional. 

Os responsáveis da Bundesliga, como Seifert, já tinham antecipado sinais de alarme, ainda antes de estes serem confirmados pela realidade - falta ver o que é essa «alguma coisa» a mudar. Por cá, mesmo com as movimentações em curso na direção da Liga, não há ilusões: o que está em causa é apenas redesenhar partilhas de pequenos poderes. No essencial continuaremos a ter uma competição disputada em estádios vazios, a gerar receitas irrelevantes, com plantéis hipotecados, dependentes dos empréstimos e sobras dos grandes - que vão ampliando o fosso, porque o seu potencial de receitas não se compara ao dos outros. E está tudo bem, porque nunca ninguém nos cargos de poder se preocupou a sério em demonstrar que talvez não tenha de ser assim. Afinal, se o problema da redistribuição desequilibrada não foi criado pelo futebol, por que raio haveria de ser o futebol a resolvê-lo?