Uma crise tão profunda nunca tem apenas um único réu.

Neste caso, nem sequer um plantel inteiro pode ser O réu coletivo. Nem sequer aquele para quem todos mais apontam e mais acusam.

A crise do Sporting tem, obviamente, vários réus, diferentes culpados.

Primeiro ponto. Nenhum dirigente pode auto-excluir-se de responsabilidades, e o presidente fez bem em não fazê-lo. As decisões, em última instância, são do líder, mesmo que este as delegue. Posto isto, Bruno de Carvalho seria sempre o responsável número 1 fosse como fosse, porque teria sempre de sê-lo.

Depois, a verdade é que Bruno de Carvalho não conseguiu perceber, desde que chegou à presidência, que é fácil que se perca o foco no meio de tanto ruído. Continuou demasiado virado para fora, a disparar para o rival, concentrando todas as cargas no outro lado da Segunda Circular. Preocupou-se com muitas coisas acessórias, também ele deveria ter focado a certa altura. 

O Sporting arrancou a temporada com quatro vitórias e perdeu em Madrid sentindo-se vencedor, sofrendo dois golos no fim, e com Jesus a reclamar protagonismo pela exibição.

Antes do jogo seguinte, frente ao Rio Ave, o treinador atirou que uma equipa treinada por si tinha inevitavelmente de ser a melhor, e acabou derrotado copiosamente nos Arcos. O impacto das declarações? É difícil quantificar, mas com uma entrada tão mal conseguida não é fácil esquecer as palavras que a antecederam. Jesus falhou na comunicação para dentro. O chip não mudara pela primeira vez.

Vence o Estoril, vence o Legia, e empata em Guimarães depois de ter chegado ao 0-3.

Vence Famalicão na Taça, mas perde em Dortmund e depois soma dois empates consecutivos, frente a Tondela e Nacional. Volta a perder com os alemães. A partir daí, consegue afastar um pouco a ideia que pairava de quebra depois dos compromissos europeus, a tal mudança de chip que não surgia, ou a que encontrava explicações nas ausências forçadas de Adrien, mas chegou a seguir a derrota em Varsóvia – onde os tais 90% de foco reconhecidos por Jesus na antevisão não chegaram – e depois a Luz, onde também perde.

A culpa é da arbitragem, atira o treinador. Apenas isso. Terá sido?

Afastado da Europa quando apenas necessita de um empate, não consegue ultrapassar o rival na tabela, e este volta a afastar-se. Semanas depois, cai da Taça da Liga quando volta a precisar de apenas um ponto ou, no limite, de apresentar com uma equipa mais jovem do que o adversário, o Vitória de Setúbal, com Couceiro a admitir no final que também tinha jogado com esse fator.

Empata em Chaves sem aproveitar o deslize do Benfica, cai também em Chaves, dias depois, na Taça de Portugal, e com o 2-2 na Madeira fica a dez pontos do primeiro lugar. Jesus redefine objetivos, já depois de Bruno de Carvalho ter falado em emagrecimento do plantel.

Bruno de Carvalho e Jorge Jesus terão praticamente toda a responsabilidade na construção do plantel. Foram contratados doze reforços, sem que estes tenham incidido nas áreas mais frágeis da equipa – as laterais –, e dos quais apenas dois – Dost e Joel Campbell – conseguiram números interessantes. O holandês é o melhor marcador da Liga, o costa-riquenho leva três golos e quatro assistências. André tem, mesmo assim, três golos e duas assistências.

O argentino Meli fez 16 minutos, porque ficou, de acordo com Jesus, tapado por Elias, que não é mais do que suplente de Adrien. Os oito milhões pagos por Alan Ruiz traduzem-se num golo e duas assistências. Markovic fez dois golos seguidos, um na Liga e outro na Taça, e rescindiu para assinar pelo Hull, de Marco Silva. Petrovic participou em três jogos e apenas um deles no campeonato, Castaignos ainda não marcou. E por aí fora.

O técnico andou indeciso entre os laterais – usou quatro na direita (João Pereira, que saiu, Schelotto, Paulo Oliveira e Esgaio) e três na esquerda (Jefferson, Zeegelaar e Bruno César) –, fez passar sem grande sucesso praticamente todos os homens de ataque pela posição de segundo avançado, orfã de Teo Gutiérrez, e não abdicou do 4x4x2 mesmo sem ninguém parecido para fazer de Adrien quando este não estava.

Bryan Ruiz, o mais criativo do grupo, até nem começou mal a temporada, depois de ter ficado marcado com os falhanços no jogo com o Benfica que decidiu o título anterior, e somou cinco assistências (quatro na Liga e uma na Liga dos Campeões) e dois golos (um no campeonato e outro na Champions), mas depois apagou-se. A equipa obviamente ressentiu-se, e Jesus ainda não conseguiu recuperá-lo.

Os sintomas estavam lá. Afinal, o plantel continuava desequilibrado, os reforços não eram na sua maioria reforços e Gelson e Dost ajudaram a camuflar alguns problemas. O Sporting tinha mudado não só na forma como defendia sem Slimani e Teo, e com Dost e outro, mas também como atacava, sem as diagonais do argelino e também sem o jogo interior de João Mário. Gelson, a pedido de Jesus, ia disfarçando, mas para aquele esquema que tinha dado tão boa conta de si parecia um pouco curto.

Jorge Jesus contribuiu ainda com três expulsões escusadas para o desnorte da equipa, na última com direito a blackout-que-não-o-era por solidariedade, e que desta vez até poderia ser útil, mas ninguém conseguiu permanecer muito tempo em silêncio.

A data das eleições acrescentou igualmente ruído, mas desde cedo que este circula à volta de Alvalade. Sem tranquilidade, só um grupo completamente fechado sobre si mesmo, com equipa técnica incluída, conseguiria passar ao lado da confusão. Aí, parece claro, fracassou. 

Como se isto não bastasse, a entrada de Bruno de Carvalho no balneário em Chaves não ajudou. Não haveria certamente alguém mais frustrado e com maior consciência do que fez errado do que quem esteve em campo. O balneário é propriedade do treinador, tal como os momentos imediatamente antes, durante e imediatamente depois das partidas. Muitos optam por não dizer nada, porque raramente ajuda. 

Haverá quem, no meio disto tudo, ache que a culpa é dos jogadores, que não correm o suficiente, que não há atitude. Neste momento, são estes que estão no meio de uma espiral em que se vêem a cair sem ninguém que os ampare. Parecem isolados, e precisam que os recuperem. O Sporting está em quarto lugar, com o quinto à perna, e há, pelo menos, um lugar Champions quase obrigatório a ir buscar.

Com expetativas altas justificáveis no início da temporada, face ao bom desempenho no ano zero e à aparente profundidade acrescentada ao plantel, só a soma de várias parcelas poderá ter dado em crise tão profunda. Mas com meia época por disputar, os leões continuam com argumentos para recuperar ânimo e atraso, a começar já com os próximos jogos, entre os quais perante o concorrente direto FC Porto.

O primeiro passo é que todos compreendam o seu papel e comecem a olhar seriamente para dentro, para aquilo que podem de facto controlar.