PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:


«STANDARD» - de Benjamin Marquet
Líège, Bélgica. Fervor, paixão, loucura e devoção pelo Standard. Fujo dos destinos mais óbvios – Inglaterra, França, Espanha, Itália, Alemanha – e aterro no norte da Europa, num campeonato menos mediático.

Para o português comum, o futebol belga limita-se a uns resumos no fim-de-semana, alguns nomes familiares (Witsel, Defour, Hazard…) e a surpresa pelo crescimento do poderio da seleção.

Este documentário mostra-nos um lado desconhecido, pelo menos para mim, desse futebol. O lado dos adeptos radicais, daqueles capazes de abdicar de quase tudo para seguir o clube do coração.

Neste caso, o Standard Liège, precisamente de onde vieram Witsel e Defour para o nosso país.

Vejo o documentário e fico com a sensação de que o meu desconhecimento – talvez ignorância – é o mesmo que atinge um futebolista estrangeiro quando vai jogar para outro país.

No fundo, a incapacidade de sentir por um emblema novo aquilo que o adepto sente desde o berço. E quem diz o adepto, pode dizer o atleta formado nesse mesmo clube.

Vem isto a propósito de uma ideia que me atormenta há uns tempos.

Procuro colocar-me na pele de um futebolista a atuar no estrangeiro. Imagino-me, por exemplo, a chegar a um gigante belga. Pode mesmo ser este Standard. E acredito que, por mais que me informe, por mais profissional eu queira ser, por mais que eu queira sentir esse novo emblema, precisarei sempre da presença no balneário do tal atleta da casa.

É uma consequência dos nossos dias e normal em todos os clubes e países: a perda de identidade, precisamente pela falta do elo de ligação entre quem deveria estar e quem chega.

Os novos, os que vêm de fora, não serão os principais responsáveis. Longe disso. Querem aprender, querem saber tudo, mas há coisas que estão implantadas no coração, na génese de quem ama, e é impossível passá-las na totalidade, sem limitações.

Não é por exclusiva responsabilidade desta falta de identificação (mística?) que se ganha mais ou menos.

Mas é, tenho a certeza disso, precisamente por isso que se reage de uma forma mais leve, mais profissional quiçá, na hora de uma derrota.

Por outras palavras, aceita-se mais pacificamente uma goleada ou um insucesso se o vínculo emocional for reduzido. E quem sofre, quem se irrita, quem desespera? O adepto, sempre o adepto, inconsolável na bancada.

A minha sugestão: equilíbrio. Juntem nomes históricos e habilitados a passar a mensagem a estrangeiros talentosos com vontade de aprender e vencer. À partida, nada complicado.  

 

PS: «Kurt Cobain: Montage of Heck» - de Brett Morgen.
Brilhante. Peça histórica, envolvente, a humanização da icónica figura de Kurt Cobain. O trabalho surge da colaboração próxima do realizador Brett Morgen com a filha de Kurt e Courtney Love, Frances Bean.  

Há vídeos caseiros – Kurt em criança, Kurt e Courtney com a filha bebé -, depoimentos atormentados, e música, claro. Não é um filme sobre os Nirvana, é uma escritura, uma liturgia sobre o homem desaparecido há 20 anos, jovem e destinado à grandeza artística.

É já uma das grandes obras cinematográficas de 2015. Obrigatória.

 


SOUNDCHECK:

«HELICOPTER» - dos Bloc Party.


«Silent Alarm» é um álbum tremendo, o primeiro – e o melhor – na discografia dos Bloc Party. E uma boa desculpa para o recuperar neste espaço é a música «Helicopter». Não é uma partitura sobre futebol, mas quem jogou o FIFA na playstation sabe que encaixa perfeitamente neste mundo.

A guitarra descontrolada, a voz de Kele Okereke melhor do que nunca, e um ritmo a exigir mais um drible, mais um remate, mais um golo. Sim, isto é uma música para o futebol.

    

PS: «Seeds» - dos TV On The Radio.
O quinto álbum dos nova iorquinos, e o primeiro após a morte do baixista Gerard Smith, não é o mais inspirado de sempre, mas volta a trazer grandes momentos.

A dor e o luto são evidentes e compreensíveis. Todo o disco gira em redor da memória de Smith, o que torna tudo mais negro e denso.

Cada música é uma catarse, uma expiação, uma tentativa de fugir à tragédia e torná-la, antes de mais, um tributo à amizade. «Happy Idiot» reflete na exata medida este estado de espírito.  

  


VIRAR A PÁGINA:

«LA PASIÓN SEGÚN SAN MAMÉS» - de Juan José Mardones.

O complemento perfeito para a ideia que defendo no primeiro texto deste PLAY. Mardones é um conhecido jornalista e realizador basco e nesta obra narra a relação com um dos grandes amores da sua vida: o Athletic Bilbau.

O Athletic possui tudo o que admiro num emblema: convicções fortes, romantismo, a capacidade de perceber que sem os adeptos nada faz sentido, e um idealismo inabalável. No fundo, leva ao extremo máximo o tal equilíbrio que é para mim a fórmula perfeita.

Gostar (e compreender) assim um clube não é para qualquer um. 
       

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.