No final da entrevista que André Villas-Boas deu esta semana ao Expresso fica, acima de tudo, a impressão de que ele já decidiu avançar para as eleições de 2024.

Decidiu, mas não o assume. Pelo menos neste momento.

Essencialmente não o assume porque quer ter a hipótese de voltar atrás, se sentir, por exemplo, que a candidatura não é nesta altura suficientemente agregadora para lhe garantir um mandato estável. Villas-Boas não quer ser presidente de um clube dividido. Como ele próprio refere, o FC Porto só é forte quando está unido.

Ora, também por isso, deu esta entrevista nesta altura. Um entrevista a um jornal de referência, com destaque de imagem na capa. Villas-Boas quer perceber como está o ambiente em torno dele e de um movimento que será sempre um risco pessoal.

Quer sobretudo sentir a reação dos adeptos e quer ter conforto para avançar.

No entanto, e com esta entrevista, fica também a impressão que ele não terá outra hipótese que não seja avançar já em 2024. As pessoas que o apoiam não iriam entender que não avançasse, perante um momento tão difícil, com tantos problemas - como ele próprio identifica -, e em que o clube precisa tanto de um novo rumo.

Ou avança já ou dá um sinal de fraqueza que não funcionará a favor dele no futuro.

Para lá disso, fica a impressão que Villas-Boas não esteve só a curtir a família nestes últimos dois anos: esteve a preparar-se para este passo. Estudou, visitou, conheceu. Esteve na Universidade de Columbia, traçou um plano, ordenou ideias.

E a verdade é que tem ideias. Vou destacar algumas, e nem todas são positivas.

1.
A ideia do bem comum de que Villas-Boas fala é para mim a melhor notícia de toda a entrevista. Concordo com tudo, palavra por palavra. Incluindo até a crítica que faz ao Benfica, por achar que está acima da lei. Incompreensível, de facto. Mas voltando a Villas-Boas, mostrou estar preparado para ser um dirigente disruptivo com a norma em Portugal, um dirigente que olha para o cenário macro e que entende como o FC Porto só pode ser mais forte se o campeonato português for mais forte. Um grande aplauso, portanto.

2.
Se há mensagem que me parece que Villas-Boas quis passar é a de que o FC Porto tem de ganhar sempre. Parece um lugar-comum, afinal de contas é o que querem todos os candidatos, mas no FC Porto é mais do que isso. Mostra um respeito muito grande pelos valores do clube. Os adeptos portistas não são iguais aos outros, no Porto o futebol adquire uma importância muito maior na vida das pessoas, até como afirmação de competência em relação a Lisboa. Ao trazer esse lugar comum para o topo do discurso, mostra reverência pela natureza e pelos valores do FC Porto. Como aliás a mostra quando fala do objetivo de alargar o futebol feminino a todas os escalões da formação. Este compromisso com a comunidade devia ser obrigatório em todos os clubes, mas sobretudo no FC Porto: pela relação tão forte que tem com a região que representa.

3.
A ideia de o FC Porto se autorregular financeiramente, com normas internas, para não estar tão exposto a normativas externas como o fair-play financeiro, é naturalmente uma boa intenção. Que vem em linha, aliás, com a prática corrente nas organizações desportivas mais bem estruturadas. A Liga Espanhola e a Liga Neerlandesa, por exemplo. É um passo óbvio. Como é óbvio, aliás, que a avaliação da atividade da SAD deva ter ponderadores negativos, como já faz o Sporting. Incompreensível que em 2023 assim não seja.

4.
Villas-Boas diz que o FC Porto tem de recuperar alguns méritos do passado, como por exemplo a capacidade de ser mais forte do que os outros no scouting. E acrescenta que, como os tempos mudaram, tem de procurar talento em novos mercados emergentes. Os países nórdicos, por exemplo. É verdade que o norte da Europa tem projetado vários casos de talento nos últimos anos, mas Portugal continua a projetar mais. E a maior preocupação do FC Porto devia ser essa, melhorar a formação. Sobre esse aspeto, Villas-Boas referiu que é necessário criar um projeto do género do Visão 611, mas muito diferente, que a formação deve ser independente da equipa principal e que deve respeitar ciclos de doze anos. Mais nada. Confesso que fiquei sem perceber o projeto para a formação, que é fundamental em qualquer clube grande português.

5.
A comunicação, agora. Um ponto essencial no FC Porto. Há muito tempo que entendo que o clube não cresce internacionalmente ao ritmo que devia por não conseguir comunicar eficazmente, apesar de ter pessoas de valor nos seus quadros. Villas-Boas defende que a comunicação deve emanar da administração e não ficar dependente das vontades do treinador. O que é óbvio. Fiquei, no entanto, com dúvidas quando Villas-Boas referiu que Sérgio Conceição projeta os valores do FC Porto de forma única. Acho que Conceição tem muitos méritos, imensos até, o maior do quais é conseguir tornar a equipa sempre competitiva, no meio das maiores dificuldades. Por isso o candidato que conseguir convencê-lo a renovar contrato fica com um ás de trunfo para jogar nas eleições. Acho também que representa bem os valores do FC Porto. Não acho que os projete bem. O FC Porto de Villas-Boas, em 2011, e de Mourinho, sim, comunicavam bem a natureza do clube, um Porto mais aberto, mais moderno, mais cool. Como a própria cidade é hoje em dia. Sérgio Conceição projeta em demasia o FC Porto dos anos noventa

6.
O aspeto que me deixou mais dúvidas, no entanto, prende-se com as fontes de financiamento. Acho que Villas-Boas foi muito claro e bem preparado quando explicou porque não quer investidores estrangeiros na SAD, referindo que só entende o FC Porto como um clube de sócios, acho que foi muito claro e bem preparado quando referiu o suicídio que é a antecipação de receitas, acho também, porém, que devia ter explicado melhor o que quis dizer com fontes alternativas de financiamento. Ele fala em crescimento da marca e criação de valor, mas como? Tornar os clubes menos dependentes da venda de jogadores e prémios da UEFA é o Santo Graal que todos os dirigentes procuram. Desde que Vale e Azevedo prometeu a espinha dorsal da seleção financiada pela venda de camisolas do Benfica no estrangeiro, todos os candidatos falam em fontes alternativas de financiamento. Mas a verdade é que ainda ninguém as descobriu. Já houve até quem tivesse desistido de procurar. O mercado dos clubes portugueses é demasiado pequeno para fazer face aos enormes gastos que tem. Só a venda de jogadores, os prémios UEFA e os direitos televivisos permitem compensar os gastos. Se Villas-Boas pensa que existe uma solução, era bom conhecê-la.

Em forma de balanço, portanto, acho que foi uma boa entrevista, com perguntas bem feitas, que permitiu a Villas-Boas apresentar-se. Acho também que é um candidato com ideias refrescantes, que marca completamente um corte com o estilo da administração atual e que entende o futebol moderno. Acho, por fim, que há coisas que merecem ser mais bem explicadas, para se perceber exatamente o que ele defende para o clube.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor-chefe do Maisfutebol