Nunca treinou nem jogou num grande. Nem o fez no estrangeiro. Mas foi grande o suficiente no futebol português.

De palavra direta, pura, sábia, sincera e frontal, vinda da experiência de mais de 50 anos de ligação ao futebol.

Nascido a 17 de novembro de 1953, em Matosinhos, Vítor Oliveira cresceu para o futebol no clube da terra e do seu coração, o Leixões. Teve uma carreira mais notabilizada como treinador do que como jogador e tornou-se conhecido como o rei das subidas pelas 11 equipas que levou da II Liga à I Liga em menos de 20 anos.

Começou e terminou esta proeza ao leme do Paços de Ferreira: subiu os castores em 1990/1991 e em 2018/2019. Pelo meio, nos anos 90, foram mais três e seguidas: Académica (1996/1997), União de Leiria (1997/1998) e Belenenses (1998/1999). Já neste século, subiu o Leixões em 2006/2007, antes das cinco subidas consecutivas entre 2013 e 2017: Arouca, Moreirense, União da Madeira, Desportivo de Chaves e Portimonense. Destas, subiu como campeão seis vezes: 1991, 1998, 2007, 2014, 2017 e 2019. À exceção do Paços (1991) e Portimonense (2017), nunca acompanhou um clube na subida.

Em 2017, justificou a opção de apenas assinar contratos de um ano e de dar primazia a projetos de subida na II Liga, mesmo após conseguida a promoção. «Com um contrato de um ano, podemos avaliar se estamos todos satisfeitos e renovar. Já renovei vários contratos e inclusive já saí e já voltei a alguns clubes. Mas quando uma das partes não está satisfeita, acaba o contrato e cada uma das partes segue o seu caminho», disse, numa entrevista ao Tribuna Expresso. E a alcunha que ganhou, quando o chamavam para um projeto de II Liga, não era para menos. «Se me abordam é com intenção de subir», dizia. Exemplo de saída e de regresso futuro aconteceu no Moreirense, em 2004/2005, quando não acabou a época e Jorge Jesus foi o seu sucessor.

«Grandes? Trabalhei sempre onde quis»

Apesar de ter sido um dos treinadores mais bem-sucedidos e regulares no panorama futebolístico nacional, não chegou nem a FC Porto, Benfica ou Sporting. Nunca mostrou tristeza. «Nunca tive grandes problemas. E a verdade é que trabalhei sempre onde quis. Foi uma das grandes virtudes que tive na carreira», disse, na mesma entrevista.

A carreira de treinador começou verdadeiramente em 1985, no Portimonense, mas teve um ensaio com um jogo no Famalicão em 1979: era capitão de equipa e rendeu o treinador que então saíra, Mário Imbelloni. A semente para um percurso que começou em definitivo aos 31 anos, no Portimonense, em 1985/1986. A pensar numa renovação como jogador vinda da direção dos algarvios, saltou para técnico por indicação de Manuel José, que rumara ao Sporting.

Portimonense: o clube do início da carreira como treinador, um dos dois que acompanhou da II à I Liga e no qual obteve a melhor classificação no principal escalão

Em 30 anos de treinador - a contar com Famalicão - passou por 18 clubes: Famalicão, Portimonense, Maia, Paços de Ferreira, Gil Vicente, Vitória de Guimarães, Académica, União de Leiria, Sp. Braga, Belenenses, Rio Ave, Leixões, Trofense, Desp. Aves, Arouca, Moreirense, União da Madeira e Desportivo de Chaves.

A única condição que impôs quando iniciou a carreira em 1985 estava relacionada com as suas raízes: nunca treinar o Leixões enquanto o pai fosse vivo. Motivo? O pai era pescador, a mãe peixeira. Ambos conhecidos em Matosinhos. E Vítor Oliveira queria, caso as coisas corressem mal, evitar dissabores familiares com conterrâneos.

O filho de pescadores que deixou a engenharia de lado

Criado no seio de uma família de pescadores, Vítor Oliveira podia ter seguido este caminho e outro. Mas os progenitores não o queriam no mar, porque o pai «chegou a naufragar três ou quatro vezes». Nem a engenharia, estudada na Universidade do Porto, foi mais forte do que a bola, quando jogava no Leixões. Deixou em definitivo os livros da faculdade de lado, mas alimentou – e deixou – sabedoria imensa no futebol português. Sem nunca esquecer as raízes.

«O meu pai era pescador e passava as noites no mar, na pesca da sardinha. A minha mãe era peixeira e levantava-se às quatro da manhã para ir para a lota. Mas havia um grande sentimento de família», contou, ao jornal Correio do Porto, em 2015.

Como jogador, em cerca de 15 anos, passou por Leixões, Paredes, Famalicão, Sp. Espinho, Sp. Braga e Portimonense. Jogava como médio e teve uma das passagens mais significativas pelo Sp. Braga, entre 1981 e 1983, ajudando a um sétimo e a um sexto lugares na então I Divisão do futebol português. Foi também nos minhotos que jogou na Taça das Taças. Subiu com o Famalicão da II à I Divisão em 1978 e atuou no mais alto escalão até ao fim da carreira, em 1985, que encerrou com a sua melhor classificação como jogador: um quinto lugar no Portimonense, apenas atrás de FC Porto, Benfica, Sporting e Boavista.

Treinou por último o Gil Vicente, criando uma equipa praticamente do zero em 2019, que só tinha ficado com dois jogadores da equipa que participara na época anterior no Campeonato de Portugal. E conseguiu um estável 10.º lugar. Nas passagens pela I Liga, conseguiu melhor com o sétimo lugar no Portimonense (1985/1986) e um oitavo e um nono, em Barcelos, respetivamente em 2002/2003 e 1992/1993.

Católico, mas não praticante, levava sempre consigo «no bolso ou no carro, duas imagens pequeninas, em cartão, da Senhora de Fátima e da Santa Rita». Não acreditava na vitória ou na derrota por isso, mas era a sua «fé».

Mereceu inclusive uma reportagem do The Guardian a propósito das subidas consecutivas na II Liga em 2017. Nos últimos meses, trocara o futebol precisamente pelos media: participou no programa «Einsteins TVI» nas últimas semanas e entrou em blocos informativos de análise de jogos da Liga dos Campeões.

Morreu com 67 anos este sábado, em Lavra, perto de casa, onde tudo nascera.

Gil Vicente: o último clube que Vítor Oliveira treinou e no qual teve mais passagens como treinador (três).