Sérgio Conceição já tinha experimentado de tudo na frente de ataque da sua Académica. Primeiro foi Buval, depois Manoel, e a seguir Rafael Oliveira, afinal os três pontas-de-lança do plantel. Pelo meio, também improvisou com Abdi. Não resultou.

Semana após semana, o jovem técnico foi confrontado com a dura realidade: a Briosa tem o pior ataque da Liga. Não era embirração dos jornalistas, o facto era demasiado óbvio, e o próprio nunca fugiu do tema. Na segunda-feira, veio a surpresa.

Era óbvio que algo tinha de mudar na deslocação ao Algarve e as «apostas», na conferência de antevisão da partida, apontavam para os nomes mais lógicos. Ogu havia sido testado a meio da semana, Abdi, lá está, fora opção anteriormente, e, calma ai, sobrava também o único 9 disponível, Manoel. O brasileiro, de resto, surgiu na equipa provável de todos os jornais.

«O Magique, também pode ser o Magique…», ripostou Sérgio Conceição, para espanto da sala. A colher de chá, que ninguém quis tomar, estava lá. Não o levaram a sério. Como é que um miúdo, ainda por cima extremo, e sem qualquer minuto no campeonato, podia arcar com tamanha responsabilidade? Mas pôde.

O jovem (20 anos) marfinense, em noite de estreia, apontou o golo da vitória coimbrã e retirou a equipa do último lugar da tabela, para onde caíra após a vitória do P. Ferreira. Mesmo não sendo ponta-de-lança, teve a calma suficiente para desviar a bola do guarda-redes do Olhanense, após um magistral passe de Ivanildo. Com classe.

A vida corre-lhe bem. Há quinze dias, para a Taça de Portugal, também foi dele o último penalti, aquele que deu a vitória no desempate frente ao Ac. Viseu. Mas se Sérgio Conceição lhe colocou essa pressão sobre os ombros, é porque sabia o que tinha ali.

O rapaz que, há dois anos, debutou na Liga ainda como júnior, numa partida com o Benfica, pela mão de Pedro Emanuel, foi uma das «exigências» do antigo internacional português. Depois de uma temporada de empréstimo ao Trofense, a ideia era mantê-lo no plantel principal e ajudá-la a desabrochar. De uma vez por todas.

Um rebelde tático aprimorado por Pedro Emanuel

«Quando o recebemos, via-se que era um miúdo com um potencial enorme, mas taticamente um pouco rebelde, um pouco selvagem. Aquilo que é, afinal, um jogador africano. Agarrava-se muito à bola e tinha dificuldades posicionais, sobretudo a nível defensivo», relata ao Maisfutebol Rui Silva, o primeiro treinador de Magique em Portugal.

Esteve apenas uma época nos juniores, mas seis meses bastaram para que Pedro Emanuel o lançasse no tal jogo frente ao Benfica, que terminou empatado. «Fomo-lo trabalhando, até que, quando passou a trabalhar com os seniores, deu um grande salto», recorda o técnico, à altura responsável pela equipa de juniores.

Entre os mais novos, o marfinense jogava como número 10, no vértice do losango do meio-campo, mas foi a pedido de Pedro Emanuel, que lhe reservava outros planos, que passou a atuar com ala. Concluiu a época (2011/12) com o plantel principal, embora tivesse continuado a jogar pela equipa júnior sempre que não era convocado. 


Fora do campo, as qualidades de Magique eram menos exuberantes. «Era reservado, mas tinha uma caraterística muito interessante: sabia ouvir os treinadores. Respeitava-os e tentava cumprir os conselhos», afiança.

O protagonismo repentino do antigo pupilo não o surpreende. «É muito evoluído tecnicamente, aquilo a que se pode chamar um fantasista, e excelente a finalizar, principalmente em potência. Depois, como é forte fisicamente, aguenta bem o contato, e sabe proteger a bola, mas é muito móvel. Penso que foi por isso que o Sérgio o meteu a ponta-de-lança», analisa.

De ideias fixas como é o treinador da Académica, é bem provável que Magique volte a ser a principal referência do ataque estudantil já este sábado, para se digladiar com a defesa do FC Porto.

Sissoko, o exemplo a seguir na parceria em banho-maria

A parceria entre a Académica e o Cissé Institut, da Costa do Marfim, já tem vários anos. Na generalidade, como aconteceu por exemplo com Magique, os jogadores chegavam para a equipa de juniores, e os mais talentosos acabavam por chegar ao plantel principal.

Ibrahim Sissoko foi, definitivamente, o caso de maior sucesso. Destacou-se na primeira metade da época 2011/12, depois de maturar nas camadas jovens, e, em Janeiro, com apenas 20 anos, foi vendido ao Wolfsburgo por 1,8 milhões de euros. Foi a terceira maior transferência da história da Académica, depois de Marcel (3,5 milhões) para o Benfica e Kaká (2 milhões) para o Hertha de Berlim. Está atualmente emprestado aos franceses do Saint-Étienne.

Desde 2007 perto de uma dezena de marfinenses passaram pela Briosa, com destaque para os pioneiros Fofana/Vouho, que ainda apanharam Manuel Machado e, logo a seguir, Domingos Paciência. O último ainda trabalhou com André Villas Boas. Não vieram ainda com o selo da escola criada pelo antigo jogador da Naval, mas já o tinham como patrono.

A colaboração, todavia, perdeu força nas últimas duas épocas. As camadas jovens deixaram de pretender estrangeiros, e, esta época, por exemplo, além de Magique, a Académica mantém ligação apenas a dois outros jovens do país de Drogba: Issouf e Ouattara, o primeiro emprestado à Naval, e o segundo ao Ac. Viseu.

Será apenas uma questão de gestão de recursos, pois a cooperação tem sido benéfica e pode, a todo o momento, ser reatada.