Uma semana perfeita. Estreia na Liga dos Campeões pelo FC Porto, primeira chamada à seleção olímpica do Brasil, titularidade e golo ao debutar na liga portuguesa. Evanilson confirma os encómios que o assinalavam como promessa maior no futebol do Fluminense e começa a ganhar espaço nas escolhas de Sérgio Conceição.

Quem é Evanilson?

A história começa em Cajazeiras, pequeno munício de 60 mil habitantes, na Paraíba. Está a 500 quilómetros da capital João Pessoa e a 600 de Fortaleza, casa de um dos maiores goleadores do universo azul e branco, Mário Jardel. Bom prenúncio?

Filho do senhor Valdenir e da dona Madalena, Evanilson cresce apaixonado pelo futebol e, sobretudo, pelo desenho. Diz quem o conhece que o rapaz tem um talento raro para o lápis e papel. Lá em casa todos o tratavam por Bebé, sinal de uma ligação fortíssima às saias da mãe.

«Até hoje ele adora desenhar», confirma Márcio Barros, empresário e amigo de longa data, ao Maisfutebol. «Chegámos ao Porto e estávamos no hotel, já próximos de mudar para a casa dele. Nós chamamos um ao outro' pivete', é um apelido curioso. E ele disse-me: 'Pivete, vamos ao Continente, porque eu vi um material de pintura e eu queria comprar uns lápis de cor, para pintar. Ele adora, nos tempos livres dele gosta de pintar, desenhar, é engraçado esse hobbie dele.»

Bebé, o Evanilson do FC Porto, passa pelo futsal, experimenta as escolinhas do Fortaleza, muda-se para o modesto Estação – Associação Esportiva Estação António Bezerra – e é levado para o Fluminense, aos 13 anos, pelo treinador José Neto. Neto acumula o cargo no Estação com a de observador do Flu. Fácil de perceber.

«Ele chegou às minhas mãos com 11 anos», conta o primeiro treinador de Evanilson ao nosso jornal. «A história é curiosa, porque o treinador dele era o pai. O Evanilson estava nas escolinhas do Fortaleza, mas o pai cobrava demasiado e foi o próprio Valdenir a pedir-me para ficar com o filho.» Valdenir, o senhor Bibi, leva Evanilson ao Estação, mas nunca se afasta do filho. 

Não, era sempre muito presente, nos treinos e nos jogos. Vibrava muito na bancada, cobrava muito do Evanilson: ‘Bebé chuta, Bebé corre!’. Ele é gente finíssima, um homem espetacular, mas eu até fui obrigado a ter uma conversa séria e pedi-lhe para dar espaço ao Evanilson.»


«O pai dele foi um dos grandes incentivos para o Evanilson se tornar jogador», completa Márcio Barros. «Desde muito pequeno que o levava para treinos e jogos. O pai não foi jogador profissional, mas também jogou na cidade de Fortaleza. Era mais difícil, tinha de sustentar a família, mas também foi um bom jogador.»

Do avançado agora no FC Porto, José Neto destaca «a timidez» e a «fome de bola». «Nunca faltava a um treino e ficava no campo durante horas. Se não fosse eu a mandá-lo embora, o rapaz dormia na relva. Era um miúdo magrinho, rápido e com muita técnica. Era uma criança, mas a qualidade estava toda lá.»

Tanto assim é que Evanilson, o Bebé do senhor Bibi e da dona Madalena, decide o estadual de sub13 «com um golaço». «Aí já não foi possível segurá-lo mais. Ele era de uma família humilde, tinha vários irmãos e decidi indicá-lo ao Fluminense. O Evanilson não teve medo e mudou-se para o Rio de Janeiro.»

É nessa altura, de resto, que surge Márcio Barros na vida de Evanilson. «Eu sou do Rio de Janeiro e numa ida nossa a Fortaleza identificámo-lo a jogar por um clube chamado Estação, um clube amador que forma jovens. Começámos a fazer um trabalho com ele e trouxemo-lo para o Fluminense, onde começou a carreira.» 

As despedidas de casa, da mãe, são extremamente duras. «Lembro-me de ver os pais a chorar e dele dizer que tinha o sonho de dar uma casa nova à mãe. O Evanilson dizia que ia desenhar a mãe todos os dias, para matar as saudades», conta José Neto. «Em casa não havia dinheiro, mas havia muito amor.»

Evanilson ao lado da mãe, Madalena, falecida em 2017 (Arquivo familiar)

«Com a morte da mãe, o Evanilson quis desistir de tudo»

2012, 13 anos, primeiros dias no Fluminense. Gustavo Leal é o treinador responsável por adaptar Evanilson à Cidade Maravilhosa e às exigências de um dos grandes do futebol brasileiro. Na cabeça do menino está o triunfo no futebol e a casa, a bendita casa que sonha oferecer à mãe. O sonho não é, infelizmente, cumprido a tempo.

«Em 2017, cinco anos depois, a mãe do Evanilson faleceu de forma repentina», conta Gustavo Leal ao nosso jornal. «A mãe tinha morrido há poucos meses, aliás, quando reencontrei o Evanilson na Eslováquia. Ele chegou lá um pouco assustado, claro. O falecimento da dona Madalena marcou-o bastante. Sei que o apoio da estrutura do Fluminense e da Mariana, que era namorada e é a atual esposa, foi fundamental.»

«Ele quis mesmo desistir de tudo, abandonar o futebol», confirma José Neto. «A senhora tinha uma paixão pelo Bebé dela, era uma relação bonita. Nessa altura, o mundo do Evanilson desabou. Esteve uns tempos fora do futebol e foi muito ajudado. Felizmente, teve força para dar a volta a tudo.»

Antes da primeira grande derrota na vida, Evanilson marca o primeiro encontro com Gustavo Leal e conquista o atual treinador adjunto da seleção olímpica do Brasil. Gustavo e Evanilson não se largam.

«É verdade (risos). O Evanilson chegou com quase 14 anos ao Fluminense. Esse foi o nosso primeiro encontro. Depois, em 2017, ele foi seis meses para o STK Samorin, na Eslováquia, e eu era o treinador principal da equipa. Segundo encontro. O terceiro encontro ocorreu nos Sub20 do Fluminense e o quarto será agora na seleção olímpica do Brasil.»

Evanilson junta-se aos trabalhos da canarinha em novembro. Gustavo Leal lá estará.

«É um avançado que adora explorar as costas das defesas»

Além de ser o treinador que mais vezes trabalha com Evanilson, Gustavo Leal é o responsável pela transformação do antigo extremo em ponta-de-lança. A «facilidade de marcar» é um sintoma facilmente reconhecível e a experiência «suplanta as expetativas».

«Conheci o Evanilson como extremo. Era já um atleta de bom nível, que tinha a capacidade de fazer uma boa ligação com a área adversária. Entendi que se o levasse para dentro, para a posição nove, essa ligação ao golo aumentaria. O Evanilson aceitou o desafio de imediato.» Essa transformação surge em 2018, já nos sub20 do Flu. «É aí que ele rebenta», diz Gustavo Leal. 

Mostrou uma capacidade excelente para recuar, jogar com a equipa e cair para os flancos. Pode jogar num sistema com dois avançados centro ou sozinho na posição de ponta-de-lança. Tem uma capacidade física muito forte, mas não leva o jogo só para aí. Gosta muito de atacar os espaços nas costas das linhas defensivas. Diria que é um avançado obcecado com o golo. Há quem diga que é até algo precipitado até na hora de rematar, precisamente por essa obsessão em procurar o golo.»

Os números são esclarecedores: em 233 jogos oficiais pelo Fluminense, Evanilson marca 87 golos, 49 nos últimos dois anos. Mas nem tudo é perfeito no avançado que procura um lugar nas escolhas principais de Sérgio Conceição.

«Ponto menos forte? Ainda não mostrou ser capaz de manter uma regularidade exibicional ao longo de períodos alargados, falta-lhe um pouco isso. Mas a maturidade que identifico no futebol dele, hoje em dia, certamente que lhe dará essa constância.»

Mariana, a esposa, acompanha Evanilson na cidade do Porto (arquivo familiar)

«Não quis usar luvas e ficou indisposto no treino na Eslováquia»

A primeira experiência de Evanilson na Europa é, então, na Eslováquia. Com Gustavo Leal, claro. Como é que o avançado chega lá?

«O Fluminense teve um protocolo de quatro anos com esse clube eslovaco. A ideia passava por colocar atletas que estavam na fase final da formação, para que fossem capazes de ter uma ideia do que é o futebol europeu. No caso do Evanilson, tenho a certeza de que esses seis meses lhe estão a ser muito úteis para a adaptação ao FC Porto.»

A experiência é «positiva», sim, apesar das reticências iniciais. «O Fluminense contactou-me e tive de passar essa situação para ele. Foi complicado. Trouxe-o para minha casa, chorámos juntos para caramba (risos), mas abraçámo-nos e dissemos: 'esse projeto no Samorin vai ser um momento definidor na sua carreira'», recorda o agente e amigo, Márcio Barros. «Achámos que ia ser ruim, mas foi o contrário.»

Evanilson faz «uns golos», progride «no aspeto físico e tático» e volta «mais preparado» ao Rio de Janeiro. Gustavo Leal lembra-se de tudo isso e de uma história que ainda o hoje o enche de gargalhadas.

«O Evanilson saiu do Rio de Janeiro com muito calor e chegou a uma cidade [Samorin, na fronteira com a Áustria] onde estavam dois ou três graus. No primeiro treino entrou no campo e não levava luvas. Eu chamei-o e disse: ‘Evanilson, coloque umas luvas, está um gelo’. ‘Não, professor, nunca pus luvas na vida, não preciso’. Era janeiro, inverno pesado e uns minutos depois ele estava branco e a tremer. Teve de sair, ficou indisposto. Foi para o balneário e meteu-se debaixo de um duche de água a escaldar.»

«Tudo na carreira dele foi planeado com cuidado. Tivemos dificuldades, algumas vitórias e derrotas. Ele não chegou ao FC Porto por acaso», assegura Márcio Barros. «Esta semana que ele teve, uma semana abençoada, é mais do que merecida. Saiu com 12-13 anos da família, perdeu a mãe, passou por dificuldades, é de uma família pobre, mas sempre foi focado, determinado. É um menino simples, humilde e pode ser mais do que ele já é, mas não vai perder a simplicidade e a humildade.»

O empresário diz que Evanilson «sabe escutar e aprender». «Não acha que é o senhor da razão. Eu conheço o Evanilson, acima de representante sou amigo: ele vai dar alegrias ao FC Porto, ele quer mostrar a toda a direção do FC Porto, ao mister Sérgio Conceição, que eles acertaram. É o momento mais fantástico da carreira dele.»

No FC Porto, promete José Neto, o pirmeiro treinador, a adaptação será «mais fácil». «Falei com ele esta semana, o Evanilson está muito feliz. O futebol português pode não ser tão forte como o brasileiro, mas o Porto é um grande europeu e a exigência do técnico e do clube é gigante. Só tenho pena que ele já não possa dar à mãe a casa que tanto merecia.»

A casa já não chega a tempo, mas de uma coisa a dona Madalena pode estar certa: Evanilson vai desenhá-la todos os dias na Invicta.