Desde que o novo Código de Processo Penal (CPP) entrou em vigor, todos os dias chegam ao Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, vários pedidos de arguidos, condenados em penas de prisão, que solicitam a reapreciação do processo e a aplicação da lei penal mais favorável ao caso.

A esmagadora maioria reporta-se a pedidos de suspensão de pena de prisão, referentes a crimes de roubo e tráfico de droga, já que a nova lei pode suspender as penas até cinco anos de prisão, enquanto a anterior apenas o admitia para os crimes punidos com pena até três anos.

«Estou a receber processos destes diariamente», adiantou a juíza da 4ª Vara Criminal da Boa Hora, Rosa Brandão, um facto confirmado pelo colega da 5ª Vara, Renato Barroso: «Hoje recebi dois pedidos», refere.

Os requerimentos têm sido enviados ao abrigo do novo CPP [artigo 371/A] que abre a possibilidade ao arguido condenado, com trânsito em julgado, e que ainda não cumpriu integralmente a pena, de solicitar a reabertura da audiência, sempre que a nova lei penal seja mais favorável ao seu caso concreto.

Mas os três pedidos de reabertura da audiência que o juiz Renato Barroso apreciou, até ao momento, foram todos recusados «porque a suspensão das penas nestes casos concretos não obedecia ao critério da prevenção geral do crime», isto é, os condenados não davam garantias de reabilitação. Por seu lado, a juíza Rosa Brandão já decretou algumas suspensões de penas.

Cada cabeça. . . sua sentença

A nova norma instalou a dúvida na magistratura, com alguns juízes a recusarem a reabertura das audiências «alegando que o artigo é inconstitucional» por violar o princípio do caso julgado; outros não admitem os requerimentos por entenderem que o prazo para os apresentar foi ultrapassado; finalmente, há quem aceite os requerimentos, mas nem aqui as soluções são pacíficas.

«Quem aprecia o requerimento? O colectivo anterior que julgou o caso ou o actual? », interroga-se a Juíza Rosa Brandão, acrescentando que «sobre isto já há conflitos de competências».

Renato Barroso realça, por outro lado, as dúvidas sobre se a reabertura da audiência implica «a realização de meras alegações das partes (defesa e Ministério Público) ou se tem de haver «nova produção de prova com a inquirição de testemunhas». À falta de um esclarecimento da lei, todos os entendimentos têm sido aplicados, ficando ao critério de cada magistrado judicial.

«Há juízes a entenderem que a produção de prova exige inquirição de novas testemunhas para avaliar as condições pessoais do arguido», isto é, se este apresenta condições para beneficiar de uma suspensão da pena.

As diferentes posições criam «injustiças relativas» para os arguidos e a sua resolução vai certamente fazer «inundar o Tribunal da Relação com recursos», prevê a juíza.

Para dissipar as dúvidas e saber o que estava na cabeça do legislador quando criou esta norma, Rosa Brandão até já pediu as actas da Unidade de Missão Para a Reforma Penal e das sessões na Assembleia da República, mas não obteve resposta.

Supremo quer «relatório social actualizado»

Um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Outubro, entendeu que ao reabrir a audiência, o juiz deve «ponderar a personalidade do arguido, a conduta anterior e posterior aos factos e as circunstâncias da sua vida» para avaliar correctamente se a suspensão da pena de prisão obedece à prevenção geral do crime.

Em causa estava um arguido condenado a 4 anos e meio de prisão por tráfico de droga. Os conselheiros

Rodrigues da Costa (relator), Souto de Moura (antigo PGR) e Carmona da Mota entenderam que o tribunal de 1.ª instância «está em melhores condições do que o STJ para» reapreciar o processo, «podendo recolher a prova que julgue mais adequada, incluindo um relatório social actualizado». Para estes juízes, «a suspensão da execução da pena deve reportar-se ao momento da decisão e não ao da prática dos factos» pelo que carecem de «informações actualizadas».