A Espanha chora a morte de Luís Aragonés. Don Luis levou La Roja ao triunfo no Campeonato da Europa de 2008. Fez isso e muito mais. Alimentou uma geração inigualável no futebol espanhol, assentando a sua ideologia num princípio incontornável: «Não sabemos como acaba, mas tudo começa com a bola.»

Tanto para escrever sobre Aragonés e Xavi a fazer isso por nós. A roubar as melhores palavras, a tratá-las com classe, como só ele sabe. A carta do médio, publicada neste domingo no El País, deixa-nos sem argumentos à altura. Mais palavras para quê? Xavi marca o ritmo desta prosa.

«‘Tu não és japonês, tu entendes o que te digo’. Disse-me isso numa noite. Estou a vê-lo, no quarto do hotel, e sei que vou sentir a sua falta. Muito. Porque eu gostava muito de Luis Aragonés. E falei muito com Luis.

Acho que foi o treinador com quem passei mais horas a falar sobre futebol. Subia ao quarto e falávamos durante horas, por vezes ao estilo de ‘essa é a chave, Xavi, saber a que queremos jogar’. Sempre frisando a importância de juntar os bons em campo e também de não ter medo de ninguém, de nenhuma equipa, por mais que corram. ‘Tu e eu sabemos que a bola corre mais que eles. E tratamos melhor a bola que eles’, dizia-me.

Luis foi fundamental na minha carreira e na história de La Roja. Sem ele, nada teria sido o mesmo, impossível. Tudo começou com ele.

Com Luis começou tudo, juntou os pequenos, Iniesta, Cazorla, Cesc, Silva, Villa…Com Luis fizemos a revolução, trocámos a fúria pela bola e demonstrámos ao mundo que é possível ganhar jogando bem. Foi ele quem viu o que havia e apostou nos baixitos: ‘Vou por os bons, porque são tão bons e vamos ganhar o Europeu.»

A palavra futebol no dicionário teria de levar ao lado a foto de Luis. Luis era o futebol feito homem, o futebol feito pessoa.

Até sempre, mister. E obrigado por tudo. E que saiba: você e eu nunca fomos japoneses.»


Xavi Hernández reflete o sentimento espanhol. A dor de uma imensa perda. Se os elogios não bastarem, veja as imagens do minuto de silêncio antes do Barcelona-Valência (2-3). A tristeza invadiu Camp Nou. 



Luis Aragonés, o Sábio de Hortaleza, partiu aos 75 anos. Ele que insistiu na mudança do termo Fúria para La Roja, ele que resistiu às fortes críticas em outubro de 2004 quando, poucos meses após assumir o cargo, chamou «preto» a Thierry Henry durante uma conversa com Jose Antonio Reyes. Uma mancha.

O técnico, que substuiu Iñaki Saez após o Euro2004 em Portugal, não teve um arranque extremamente promissor mas manteve-se fiel aos seus princípios e lançou as bases para um futuro brilhante da seleção espanhola.

Pep Guardiola percebeu isso desde cedo. Em junho de 2006, após uma goleada de La Roja frente à Ucrânia, no Campeonato do Mundo, o jogador em final de carreira (sim, ainda jogava) deixou um agradecimento público ao selecionador nacional. Alguém que ainda não conhecia.

«Hoje quero dar um beijo ao senhor Aragonés. E um abraço. E atrevo-me a fazê-lo sem o conhecer. E todo um agradecimento. Por acreditar em algo. Por acreditar que ‘não sabemos como acaba, mas sabemos que tudo começa com a bola’. Porque ninguém sabe como acabam as coisas. Mas sim como queremos que comecem», escreveu Guardiola.

A Espanha não foi longe nesse Mundial. Caiu nos oitavos-de-final perante a França. Mas algo estava a mudar. Em outubro de 2007, nuestros hermanos terão visto pela primeira vez o tikit-taka na seleção. Sem David Villa nem Fernando Torres, Aragonés jogou com um único homem na área, Tamudo, e juntou Xavi, Iniesta e Cesc. Nesse dia, na Dinamarca, Sergio Ramos finalizou um lance a 28 toques. 28! Hoje em dia, parece pouco.



La Roja partiu para a conquista do Euro2008. Estava criada a identidade. Luis Aragonés abandonou o cargo, sendo substituído por Vicente Del Bosque, e a Espanha chegou ao topo do mundo. O Sábio de Hortaleza ainda passou pelo Fenerbahce mas a sua carreira aproximava-se do fim.

Nos últimos anos, Aragonés debateu-se com a leucemia e perdeu a batalha. Ficou uma marca, um estilo. Uma razão. «Luis não foi um grande, foi o maior. Fez do impossível possível. Mudou a mentalidade de um país, mudando apenas uma geração», reconheceu Guardiola, após a notícia da morte do técnico.

José Luis Aragonés Suárez nasceu nos arredores de Madrid e foi jogador do Real. Porém, teve maior ligação ao Atlético. Perto de quatrocentos jogos pelos colchoneros e, até hoje, o melhor marcador da história do clube.

Em 1974, esteve a um minuto de dar a Taça dos Campeões Europeus ao Atlético de Madrid. No prolongamento, colocou a sua equipa em vantagem mas os alemães fizeram o empate e adiaram a decisão para outro jogo. Aí, uma vitória folgada para o Bayern (4-0).

Aragonés deixou de ser jogador nesse ano e o Atlético entregou-lhe a equipa. Demorou pouco a ter sucesso. Meses mais tarde, já como treinador, conquistaria a Taça Intercontinental frente ao Independiente da Argentina. Também aí fez história. Mas Don Luis não era apenas do Atlético de Madrid, do Barcelona ou do Real. Passou a ser de toda a Espanha. Da sua Roja.