«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt
O leão plasmado no símbolo do Lusitânia de Lourosa é igual união de Hélder Silva ao clube da terra.
Foi atleta das camadas jovens durante três anos. Via jogar a equipa principal, foi sócio e depois deixou de ser, até voltar após algumas incompatibilidades em acompanhar, fruto da atividade profissional. Hoje, vive o renascer do Lourosa, de há uns anos a esta parte, com o regresso aos campeonatos nacionais e estádios praticamente cheios em várias jornadas.
«Neste sucesso mais recente, desportivamente e em infraestruturas, houve mérito da direção em adaptar-se à nova geração, que tem mais interação pelas redes sociais. E terem ido às escolas, aproximarem-se dos miúdos… também ofertas de bilhetes na compra de merchandising do clube. Tudo acaba por aproximar o adepto. Claro que o resultado desportivo é importante, mas sempre tivemos a rotina de, ao domingo à tarde, ver o Lourosa. Se calhar, se mudarmos a hora do jogo para sábado à tarde, temos menos pessoas a ver, porque é rotina ir ao domingo», nota Hélder.
Ver o Lourosa ao domingo é como um ritual. Aquele que trás histórias e memórias de tarde de glória e apoio aos leões.
Lembra-se de jogos contra o Leixões, Varzim ou Vila Real quando era miúdo: «tenho essas memórias porque os meus pais trabalhavam muito e ao domingo deixavam-me ir ver futebol». Mais recentemente, fazer mais de 300 quilómetros e mais de três horas de viagem, entre ida e volta, para ver um jogo em Leiria que foi… à porta fechada. Foi no play-off de subida à II Liga, na época 2018/2019, na segunda mão dos quartos de final. Apoio não faltou, mesmo na hora da derrota por 2-0.
«Em casa perdemos 3-2 e eu acreditei que era importante estarmos lá, que íamos ganhar ao Leiria, já tínhamos conseguido boas vitórias fora. Como eu, estavam lá mais adeptos, a equipa recebeu-nos e sentiu que não estava sozinha. Tivemos a sorte de ver o jogo, foi transmitido nos ecrãs fora do estádio. Quando viemos embora, estive no estádio com mais pessoas à espera da equipa», recorda.
Entre as «coisas fora da caixa» que já fez, está uma viagem para ver o Lourosa na Madeira, ante o Marítimo B: mais de um dia inteiro sem dormir, entre duas viagens de avião e jogo. «Estive cerca de 30 horas sem dormir, saí de cá, fui ver o jogo e vim embora na mesma madrugada. Em termos profissionais, vou tendo alguma vantagem no controlo de horários, mas já aconteceu sair a meio do dia do trabalho, ver um jogo e regressar para trabalhar… nem sempre com boa disposição», acrescenta.
E também caminhadas a pé até Fiães para assistir a um jogo frente ao Sp. Espinho, repetindo o que já tinha sido feito para jogos ante o Lamas ou o Fiães. «Na época passada, chovia torrencialmente em Vildemoinhos e estávamos lá», completa.
«Eu levo a família a ver futebol e não estou à beira dela»
É nessas ações de paixão pelo clube e na forma como vive o futebol que, assume, é uma pessoa «completamente diferente a ver um jogo».
«Eu se pudesse - poder até posso - medir o batimento cardíaco, o número de passos, de degraus que desço e subo… eu não paro quieto. Eu salto, eu grito, transformo-me. Eu sou calmo, mas no futebol sou uma pessoa transfigurada. Durante aqueles 90 minutos, vivo para aquilo. Tenho responsabilidade no trabalho e peço, entre as 15 e as 17 horas, se possível, para não interromperem. Porque é o meu momento. A minha família já sabe. Eu levo a família a ver futebol comigo e não estou à beira dela, porque a pessoa que eles conhecem, dentro do futebol é outra», assinala.
«Fui ensinado a gostar de uma coisa, mas aprendi a gostar de outra»
Hélder vinca: não há, para si, outro clube a apoiar além do Lourosa.
Cresceu e foi educado por pessoas da cidade do Porto e com ligação emocional ao FC Porto. Contudo, o gosto divergiu com o tempo. «Quando aprendi a gostar do Lourosa, o sentimento foi mais verdadeiro. Gosto de ir ver o Lourosa, estou com as pessoas da Armada Lusitana [ndr: claque], com os outros adeptos, conhecemo-nos. É gratificante, é outro sabor. O sucesso desportivo ajuda, mas já vi o Lourosa a descer duas ou três vezes. Custou, mas mesmo sabendo que o Lourosa estava matematicamente descido, eu ia, é a paixão. Em quatro, cinco épocas, perdi um ou dois jogos por época, se tanto», atira.
À filha, de quatro anos, vai tentando, entre brincadeira, criar o «bichinho» para que ela o acompanhe nos domingos de bola. Se não for por mais, pela importância de «mostrar do que gostamos».
Retém na memória vitórias ante o rival União de Lamas, subidas dos campeonatos distritais aos nacionais, a festa em Padrão da Légua com a subida da III à II B em 2006. A história meia-final da Taça de Portugal ante o Sporting em 1994. Ou uma «época fantástica» com o atual técnico do Olympiakos, Pedro Martins, ao leme dos leões, em 2009. «Foi uma época positiva para nós. Subiu o Penafiel, curiosamente o treinador era o Rui Quinta [atual técnico do Lourosa]».
No meio de tudo e tanto, um desejo inegável de chegar pela primeira vez às ligas profissionais. «Tenho o sonho de ver o Lourosa na primeira, a receber equipas como o V. Guimarães, que a defender a sua terra é do melhor que temos em Portugal. Receber FC Porto, Benfica ou Sporting no nosso estádio, no mesmo campeonato. Até porque temos aquela curiosidade: será que vamos ter a mesma falange de apoio? Nós acreditamos que sim», remata.
MAIS «ATÉ AO FIM»
- 1. Pedro Guerra, o adepto que levou a camisola do Sporting a 92 países
- 2. «As minhas festas de Erasmus eram os jogos da Roma na Curva Sud»
- 3. Médico e «doente» pelo Benfica: 13 países e «onde quer que ele vá»
- 4. Tudo pelo FC Porto até inventar funerais para ver… treinos da formação
- 5. Pelo Marítimo de Norte a Sul do país, mesmo perdido e assaltado
- 6. Pais benfiquistas, mas pelo Desp. Aves vale tudo: até tatuar o símbolo
- 7. Dois adeptos na bancada a mais de 550 km de casa, um deles era ele
- 8. Casar ao som do hino do V. Guimarães: «Era mais um amor a celebrar»
- 9. A história do adepto que cumpre os sonhos das crianças
- 10. O adepto que leva a camisola de Viena a todas as finais do FC Porto
- 11. A história do adepto que se zangou com a camisola do Sporting
- 12. «Se perguntar pelo Barroso, é o que está no campo do Paços a dar dicas»
- 13. O advogado que hasteou a bandeira do Benfica na praia de Moledo
- 14. «Fizemos uma receção à equipa com três camiões TIR»
- 15. Quem é o adepto do Benfica que correu um quilómetro nu
- 16. A aspirante a enfermeira que vai a qualquer estádio pelo Tondela
- 17. O doutor de Coimbra que segue a Académica há 65 anos
- 18. O adepto do Gil Vicente que começou no pelado do Adelino Ribeiro Novo
- 19. A história do portista alentejano que se arrependeu de vender uma camisola
- 20. Comediante e adepto do Portimonense: «Não vou ver jogos contra estarolas»
- 21. «Comigo não há adepto do Varzim que fique fora do estádio»
- 22. Os dois adeptos que apoiam o Santa Clara com um fato de vaca
- 23. A verde e branco: o casamento a rigor dos adeptos do Moreirense
- 24. O adepto que vai da Serra da Estrela ao Restelo pelo Belenenses
- 25. Tudo pelo Espinho: tirou a carta e arrancou para Leiria num Fiat 127