Roger Schmidt.
O rosto do Benfica campeão tem aquela expressão de um engenheiro alemão, sempre muito concentrado e pensativo. Um rosto introspetivo, circunspeto e ponderado. O que tem muito pouco a ver com o que o Benfica foi dentro de campo, portanto.
A equipa foi audaz, criativa, gostou de ter bola e de arriscar, numa proposta de jogo nobre e atraente, que transformou Schmidt na maior figura do campeão. Mas houve outros nomes importantes nesta caminhada até ao título. Venha descobri-los.
Roger that, over and outstanding
Sobretudo a primeira metade da época foi avassaladora. O Benfica arrancou com uma sequência de treze vitórias seguidas em todas as competições, incluindo sete jogos em que marcou três ou mais golos. Pelo meio venceu até a Juventus em Turim. Os bons resultados foram a confirmação que tiraram as dúvidas que pudessem existir na cabeça dos jogadores: o plano de Roger Schmidt, de pressão alta, recuperação rápida da bola e posse, intercalado com saídas rápidas quando surgia a oportunidade, fazia sentido, e o Benfica tornou-se uma máquina de jogar futebol bem oleada.
É verdade que na segunda metade do campeonato surgiu uma fase menos exuberante, que correspondeu à perda de pontos e à aproximação do FC Porto, que destacou o cansaço físico e mental de uma equipa que geria pouco o esforço, mas a vantagem anterior deu para segurar o título e confirmar que Schmidt estava certo: o plano dele fazia sentido e o Benfica é campeão.
João Mário, na melhor temporada da carreira
Fez a melhor temporada da carreira, aos 30 anos, superior até à que tinha realizado com Jorge Jesus no Sporting, antes de ser vendido ao Inter Milão por 45 milhões de euros. Basta recordar que esta época marcou 17 golos e realizou 6 assistências, só no campeonato, contra 6 golos e 10 assistências nesse campeonato de 2015/16.
Começou a temporada encostado à esquerda, passou mais tarde para a direita com a entrada de Aursnes no onze, para o lugar em que brilhou com Jesus, mas sempre com liberdade para criar jogo interior, que foi fundamental no futebol de Schmidt. Os golos dele acabaram por ser fundamentais em quatro vitórias na Liga, mais duas na Champions (e até no empate em Paris)
António Silva, o central que sabe construir a partir de trás
O Benfica soma 20 jogos na Liga sem sofrer golos e António Silva foi titular em 18 deles. O que diz muito sobre a segurança e a maturidade deste central de 19 anos, que ganha mais de metade de todos os duelos que disputa, tanto no ar (63 por cento) como no chão (54 por cento), como até nas disputas de bolas divididas (58 por cento).
António Silva foi uma das grandes descobertas desta temporada, ele que ganhou um pouco surpreendentemente um lugar no plantel, beneficiou de uma série de lesões para entrar no onze e nunca mais saiu. Hoje é uma das grandes certezas do futebol português, não só pela capacidade de defender, mas também de construiu a partir de trás, apresentando por exemplo uma média de 92 por cento de passes certos no total de um jogo na Liga e 85 por cento de passes certos no meio campo adversário.
Grimaldo, ou antes: o melhor Grimaldo para a despedida
Foi o jogador de campo mais utilizado por Roger Schmidt, o que diz tudo sobre a influência do espanhol na equipa do Benfica. Ele que esta temporada entrou no top-30 de jogadores com mais jogos na história do clube, à frente de figuras como Rui Costa, José Torres, Simão Sabrosa, José Henrique, Álvaro Magalhães, Rui Águas, Vítor Paneira, Valdo ou Jaime Graça, e já em igualdade com o capitão João Pinto.
Para a despedida, Grimaldo deixou-nos sete golos e treze assistências, o que para já iguala a melhor temporada, quando ainda falta um jogo. Mas deixou mais do que isso: deixou, por exemplo, a recordação de um lateral tremendamente ofensivo, sempre ligado à corrente, capaz de dar profundidade ao ataque encarnado, de criar desequilíbrios e de ser por isso mesmo uma fonte de problemas para os adversários.
Gonçalo Ramos, a época da confirmação
As saídas de Darwin Nuñez, Yaremchuk e Seferovic tornaram o jovem formado no Seixal a principal referência ofensiva do Benfica, o que inicialmente causou alguma desconfiança. Rapidamente, porém, Gonçalo Ramos convenceu até os mais céticos. Começou a época com um hat-trick ao Midtjylland e nunca mais parou de marcar.
No campeonato foram dezanove golos, que se tornaram fundamentais para seis vitórias e dois empates. Incluindo os dois golos da igualdade em casa com o Sporting. Gonçalo Ramos mostrou que já é ponta de lança de equipa grande e que está até pronto para outros voos, sendo capaz de fazer a diferença em qualquer palco.
Rafa, o homem dos golos importantes
Não é justo dizer que fez a melhor época da carreira, porque em 2018/19, no segundo ano de Rui Vitória, marcou 17 golos e fez duas assistências no campeonato (contra oito golos e cinco assistências agora). Mas podemos pelo menos afirmar com convicção que aos 30 anos está mais decisivo do que provavelmente alguma fez foi.
Basta recordar que foi dele o golo que valeu o triunfo frente ao FC Porto no Dragão, por exemplo, como foi dele o golo que valeu a vitória frente ao Sp. Braga em casa. Rafa marcou ainda o único golo do triunfo em Famalicão e durante muito tempo, sobretudo na primeira metade da época, foi o principal desequilibrador da equipa.
Aursnes: canivete-suíço no bolso de Schmidt
Quem costuma argumentar que um jogador polivalente é aquele que não joga bem em nenhuma posição, seguramente nunca viu Aursnes. O norueguês foi pau para toda a obra neste Benfica e jogou sempre bem. Houve alturas em que até foi o jogador que estava em melhor forma, naquela fase logo após a saída de Enzo Fernández.
Começou por jogar na esquerda do meio campo, depois passou para o centro e experimentou até a posição de lateral direito quando foi necessário. Fez um golo e três assistências no campeonato, mas não são os números que o destacam: é a capacidade de defender e atacar, de pressionar, de juntar a equipa, de criar situações de superioridade numérica, é enfim a inteligência para tornar a equipa melhor.
Enzo Fernández, tão bom enquanto durou
Acabou por ficar menos tempo do que os adeptos esperavam, cumprindo apenas 15 jogos na Liga e partindo para Inglaterra no final do mês de janeiro. Mas enquanto durou, foi muito bom. Tal como Aursnes, o argentino é outro caso evidente de um jogador de quem os números não dizem tudo. Até porque no campeonato deixou apenas um golo e quatro assistências para recordação.
Enzo Fernández é uma formiga de trabalho, com muito talento nos pés: um número oito perfeito, que defende, ataca e desequilibra, sobretudo através do passe. No Benfica, por exemplo, tocava em média 93 vezes por jogo na bola, acertava 90 por cento dos passes que distribuía e 76 por cento das bolas longas que metia. Por isso, a metade da época com ele no onze foi a mais brilhante do Benfica.
São João, Nosso Senhor das Neves
O Benfica somava três derrotas e um empate, num total de quatro jogos seguidas sem ganhar, e Roger Schmidt precisava urgentemente de fazer algo. O FC Porto já tinha vencido na Luz e já tinha aproveitado a crise encarnada para reduzir a distância para quatro pontos, pelo que não era possível perder mais pontos. Foi então que o treinador alemão lançou uma cartada improvável: a titularidade de João Neves.
O médio de 18 anos, que tinha acabado a época anterior com uma grave lesão, somava onze jogos na Liga, mas apenas 64 minutos jogados. Estreou-se a titular frente ao Estoril, a equipa ganhou e não saiu da equipa nos quatro jogos seguintes. Com ele, o Benfica ganhou recuperação bolas, capacidade de passe e simplicidade de processos. Afinal de contas, tudo o que lhe faltava para estabilizar o seu futebol.
David Neres
O brasileiro que chegou à Luz como uma das grandes contratações para a nova época acabou por não ter vida fácil. Começou a época a titular, mas à nona jornada estreou-se no banco e a partir daí andou sempre entre um lado e outro. Mesmo assim acabou por ser utilizado em 30 jornadas até ao agora e foi dos atletas com mais minutos.
Seis golos e nove assistências são um bom atestado da importância de Neres no título encarnado, ele que a partir de uma certa altura, já depois da saída de Enzo Fernández e numa fase de menor fulgor do Benfica, se tornou quase uma exigência dos adeptos, que sentiam falta de alguém capaz de se tornar um abre-latas para inventar soluções.