Noite de 18 de abril de 1990. Estádio da Luz lotado, a rondar as 120 mil pessoas. O cronómetro apontava 82 minutos e havia já quem temesse a eliminação do Benfica, de Eriksson, ante o Marselha, nas meias-finais da Taça dos Campeões Europeus, face à desvantagem trazida de França (2-1).

Todavia, na sequência de um canto marcado à esquerda por Mats Magnusson, Vata – entrado meia-hora antes – marcou o golo que empatara a eliminatória. Entre protestos dos franceses, pelo toque com a mão do avançado angolano, a euforia soltou-se nas hostes das águias, entre saltos, abraços e pirotecnia.

Pouco depois, a festa subiu de tom, com a qualificação do Benfica para a final da maior prova europeia de clubes (1-2 e 1-0), fase na qual já estava o AC Milan. Momentos inesquecíveis, ora pela «vibração», ora pelo receio de o «estádio vir abaixo».

Numa altura em que águias e marselheses voltaram a cruzar destinos nas lides europeias – pela quinta vez – o Maisfutebol visitou a aldeia de Sobreira, em Paredes, no concelho do Porto, para ouvir António Leão, de 46 anos, um dos adeptos que mais sorriu na sequência daquela mágica – e polémica – noite de Vata.

Instruído sobre futebol pelo avô – exceção num concelho repleto de «portistas de gema» – António Leão estreou-se no Estádio da Luz com 12 anos. Acompanhado pelo pai, outrora camarada militar de Gaspar Fernandes, à data responsável pela segurança do Estádio da Luz e de Alvalade, o adolescente completou cerca de 332 quilómetros para cumprir vários sonhos.

«Além de presenciar aquele ambiente pela primeira vez, havia a promessa de ir ao balneário no final do jogo, com a ajuda de Gaspar Fernandes», começa por contar.

Mergulhado numa atmosfera estonteante, António Leão garante ter vivido um sonho, até próximo de descambar para o pesadelo. Em todo o caso, idílico para qualquer jovem de Sobreira.

«Meu amigo, para quem estava habituado a ver o Imperial Clube Sobreirense, e achava que 300 adeptos faziam muito barulho, imagine naquele Estádio da Luz. Era imponente. Quando o Benfica marcou, o estádio tremeu. Era um miúdo de 12 anos e até senti medo. Honestamente, havia mais do que 120 mil pessoas no estádio, porque as escadas estavam repletas e as entradas entupidas. Foi impressionante», relata, garantindo que não mais voltou a sentir algo idêntico, tanto naquele estádio como na atual «Catedral da Luz».

Já frustrados pela (crucial) mão de Vata, os cerca de 150 adeptos do Marselha extravasaram os nervos minutos antes do apito final. Sob olhar de Gaspar Fernandes, os ânimos apenas serenaram após a ação musculada das autoridades. Uma vez que o superintendente estava ocupado – e a hora era já avançada, sobretudo para quem ainda tinha uma longa viagem de regresso a casa – o prometido acesso ao balneário ficou fora da equação.

«Foi a partir daí que se deu a história da bola». O desalento rapidamente foi suplantado pela esperança.

«Já que não poderia estar com os jogadores, então Gaspar Fernandes prometeu enviar um objeto do jogo. Uma semana depois, recebi a bola do golo assinada por Sven Eriksson, Fernando Mendes e pelo Vata, que pediu o esférico ao árbitro, mas entregou a Gaspar Fernandes», descreve, pleno de entusiasmo.

Dentro de duas semanas, fará 34 anos que António Leão recebeu esta bola, na qual ainda são percetíveis algumas assinaturas. E esta peça de museu permanece «religiosamente» guardada, para que a luz não esbata tinta.

«Tenho duas filhas portistas…»

Comerciante de ofício, António Leão tem dois supermercados na aldeia de Sobreira. Quando o Benfica joga, porém, a porta fica trancada, para este fervoroso adepto se instalar em casa, a torcer pelo seu Benfica. Quando se lhe pergunta se há referências neste plantel que lhe lembrem de ícones de outrora, a resposta surge na ponta da língua.

«Temos um miúdo que espelha o verdadeiro valor do jogador português. João Neves. Parece que não tem noção da responsabilidade que tem aos ombros. Joga muito bem e para mim já é um fenómeno maior que o João Félix. Estamos a falar de um jovem, de 19 anos, com um tremendo carisma. Lembra-me António Veloso – hoje com 67 anos – um grande capitão e um senhor fora do relvado», argumenta, sem hesitar.

Apesar da paixão incondicional pelo Benfica, este adepto não projeta, para já, um regresso ao Estádio da Luz. Além dos quilómetros, receia a falta de segurança.

«A mensagem da UEFA é clara. Há muitas pessoas que não sabem estar. O desporto deveria ser uma festa. Sei de milhares de pessoas do Norte que vão a Lisboa e, por causa de uma minoria de arruaceiros, que lançam tochas e envergonham o Benfica, acabam por ter uma experiência arruinada», lamenta.

Por isso, para António Leão, o quadro de segurança apenas evoluirá quando o objetivo passar por incutir os valores do desportivismo nas gerações vindouras. No fundo, um espelho do seu quotidiano.

«Sou nascido e criado numa terra de portistas de gema. Em cada 100 pessoas, 95 são do FC Porto. A maior parte dos meus amigos são dragões. Tenho duas filhas portistas…Mas ainda não abriram os olhos [risos]. Eu quero é que elas sejam felizes! Em todo o caso, o Estádio da Luz do Norte é em Paredes. Não há igual», remata.