Ao longe os sinos dobram. O senhor José Costa Martins caminha ao sabor dos 83 anos de idade. Devagar, sabiamente, como quem sabe não valer a pena ter pressa. «A igreja não foge». Não foge, de facto, muito menos ao sacristão. «Colaboro com a igreja de Benquerença desde 1936. De futebol não percebo, mas se a conversa for religião podemos falar à vontade».

Não era. O Maisfutebol foi à aldeia de Benquerença, a 30 kms do local onde estagia a Selecção Nacional, lembrar que Olegário vai estar no Mundial. Olegário Benquerença, pois claro, o árbitro que bebeu o nome neste lugarejo perdido a dois passos da Serra da Estrela.

Aqui há coisas mais importantes do que o futebol. Selecção Nacional, Campeonato do Mundo, Carlos Queiroz, até Olegário, tudo passa ao lado das gentes de Benquerença. «Oh amigo, a mim o que me interessa é o Benfica», justifica-se António Sardeira, montado no inseparável Marreco, um cavalo que já vai «lá para os 40 anos».

«Peço desculpa mas nada sei sobre a selecção. Só sei que a minha netinha chora sempre que o Benfica perde. É uma maçada». O rocim estranha a presença de jornalistas e reage mal. António Sardeira encolhe os ombros. «Está com fome», protesta.

De Olegário, nada.

«O Olegário? Gosto dele porque tem o nome da minha terra»

As ruas estreitas, escaldadas pelo sol, não têm vivalma. Benquerença está na hora da sesta. A reportagem só volta a ganhar vida debaixo do guarda-sol do senhor Albino Lopes, 62 anos marialvas. «O Olegário? Gosto dele porque tem o nome da minha terra. Às vezes faz asneiras, tem altos e baixos», comenta, entusiasmado com a visita por anunciar.

«Olhe, espero que ele tenha juízo e que se porte bem por lá. Que diabos, o nome de Benquerença vai com ele para a África do Sul», esbraceja Albino Lopes, triste pelo «azar» de Olegário no Inter-Barcelona. «É pena não se falar mais da nossa aldeia. É bonita, não é?»

O encanto perde-se ao falar da Selecção Nacional. «Ui, eles vão lá e vêm logo a seguir», perspectiva, desinteressado com a vizinhança pontual. «Estão na Covilhã? Nem sabia, veja lá. Espero que tenham boa sorte e que ninguém se aleije.»

«Olegário Benquerença? É algum jogador?»

A visita a Benquerença está perto do fim. Mais uns passos no adro da igreja e vemos a dona Ana Ferreira de volta do quintal. Perguntamos-lhe por Olegário e a reacção é pronta. «É jogador? O meu marido é que gosta de bola. Eu não ligo nada», vocifera a senhora, de boné na cabeça e 75 anos de trabalho duro.

«Aqui quase todos trabalham na lavoura. No Inverno é muito complicado. O árbitro chama-se Benquerença? Então até pode ser o mais reles. Eu já gosto dele», esbraceja, despachada, antes voltar ao terreno repleto de couves.

Em Benquerença a existência é assim, simples, transparente. O vizinho ainda é um amigo de sempre e a genuinidade uma condição essencial. O Mundial começa daqui a um mês e quase ninguém vai ver. Em Benquerença há coisas mais importantes do que o futebol.