Se o mundo fosse um lugar perfeito, o futebol era um jogo passional: daqueles que nos enchem a alma com pequenos gestos que se tornam tão grandes

Pequenas coisas que nos inundam de felicidade.

A bola viajava connosco à infância, dormia ao nosso lado a sonhar com fisgas e corridas de bicicleta, saltava desobediente por um descampado durante horas, num jogo sem balizas mas com golos, e com muitos sorrisos.

Não haveria sofrimento e as zangas não duravam mais de vinte minutos.

Nenhum clube iria à falência por dívidas ao fisco e o herói seria sempre aquele médio careca e de bigode que jogava com a camisola por fora dos calções.

Se o mundo fosse um lugar perfeito, o futebol era isso: um jogo que não se media só em golos, media-se sobretudo em sorrisos.

Infelizmente o mundo não é um lugar perfeito, e nós já não somos as crianças que correm atrás da bola até ser hora de jantar. Houve uma altura na nossa vida em que nos apareceram borbulhas, angústias e responsabilidades.

O futebol tornou-se uma coisa séria e medida em números, como tudo o resto neste mundo. O objetivo está sempre do outro lado: a seguir a uma linha e dentro de uma baliza. A nossa felicidade mora apenas aí.

E não devia, claro: a nossa felicidade devia morar onde moram os sonhos.

Na cabeça lúcida de uma criança, o futebol mantém intactos os valores: é acima de tudo um prazer.

Felizmente para nós, que perdemos a vertigem do arrebatamento e nos tornamos adultos razoáveis e ponderados, há sempre pequenas ternuras que nos devolvem ao essencial do futebol. O prazer, lá está.

O prazer de encantos como a educação de uma bola que chega rebelde e desobediente.

Descobri este pormenor através do twitter do Nuno Madureira e fiquei a sonhar em ser jogador de futebol como se tivesse oito anos: com o mesmo talento e a mesma arrogância de Berbatov.

O futebol voltou a ser nesse instante um domingo de manhã com o sol a entrar pela janela.

É verdade que não foi um golo, mas para mim foi mais do que isso.

Foi um penálti à Panenka.



«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias