5 de Junho de 2002: Estados Unidos-Portugal, 3-2

Gosto dos Estados Unidos da América. Gosto do país, da cultura, da bandeira e do hino. Gosto de Nova Iorque, de Manhattan, de Miami e do Grande Canyon. Gosto da música que se toca em Seattle, dos filmes que se fazem em Hollywood e das bebedeiras que se apanham em Las Vegas. Gosto do estilo americano, da coca-cola e até do McDonalds.

E gosto muito da forma como eles veem o desporto. Tudo é um espetáculo. Nos EUA um campeonato de berlinde encheria um estádio, acredito. Há um toque de Midas esquisito, que me faz tentar descortinar as regras do basebol ou do futebol americano, parar a ver um combate de wrestling ou saber que, mesmo não gostando de basquetebol, a NBA é um mundo à parte.

Tenho a certeza que se a tourada fosse americana continuaria a ser uma estupidez. Mas seria uma estupidez com drafts de touros entre ganadarias e os forcados amadores de Vila Franca de Xira já há muito seriam profissionais.

E, no meio disto tudo, há uma coisa que eu não gosto: que eles tenham aprendido a jogar à bola.

Que já não sejam inocentes, que não se fale deles porque o Alexi Lalas tem cabelo comprido, barba e toca guitarra, mas porque o Donovan é craque e deveria ter vingado na Europa.

O futebol nunca precisou dos Estados Unidos. Os americanos nunca gostaram de futebol. E estávamos tão bem assim.

Felizes os tempos em que o México dominava a América do Norte. Abençoados Cobi Jones, Tony Meola, Tab Ramos e todos os outros que só víamos de quatro em quatro anos. Os artistas do soccer, aquela espécie de futebol que os americanos jogavam e que me fazia sorrir e torcer por eles.

Foi giro vê-los passar a fase de grupos em 1994. Foi normal vê-los ficar em último lugar quatro anos depois. Ah, o soccer americano...que nostalgia!

Por isso sorri quando vi que tinham ficado no grupo de Portugal para o Mundial 2002. Fiz mal, claro. Não me lembrei da nossa histórica capacidade de dar novos mundos ao mundo. Teria de ser a seleção nacional a acabar com o soccer e a abrir o mundo americano ao futebol.

Se em 1994 a FIFA colocou o soccer em risco quando lhes entregou um Mundial que foi um sucesso nas bilheteiras, em 2002 Portugal deu cabo dele quando fez a equipa de Bruce Arena perceber que poderia jogar à bola.

Lembro-me como se fosse hoje daquelas trágicos 40 minutos.

Uma equipa que tinha o Figo, o Rui Costa, o Pauleta, o Vítor Baía e o João Pinto estava a levar 3-0 de uma outra que não chama futebol ao futebol. E reduz pelo Beto. Pelo Beto. Se isto não são os 40 minutos mais improváveis da história dos Mundiais eu vou ali e já venho...

Os EUA aproveitaram uma das seleções mais desorganizadas da história para encher o peito. «Se calhar até somos capazes», pensaram. E foram. Foram tão longe que passaram a exportar estrelas em força. Donovan, McBride, Clint Dempsey, Altidore e muitos mais.

Convenceram meio mundo que o Freddy Adu era o novo Pelé e outro meio de que a Major League Soccer era um campeonato para levar a sério. E «roubaram» o Henry e o Beckham.

Passaram a ganhar jogos no Mundial mais vezes e a passar as fases de grupos por regra. E deixaram de ter piada.

Já não têm centrais guitarristas, médios com rastas ou equipamentos às estrelinhas. Jogam futebol. Alguns até jogam bem.

E a culpa é do único país que eu amo mais que o deles. Portugal matou a inocência do soccer e convenceu-os que são jogadores. Ainda não chateiam muito, mas arrisco que o vão fazer em breve. Depois aturem-nos...

«Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação acerca dos mais míticos jogos do século XXI, o tempo de existência do Maisfutebol. A ordem dos jogos reflete apenas a vontade do autor. Pode sugerir-lhe outros momentos através do Twitter.