«Livre de Letra» é o espaço de opinião de Rui Loura, editor-geral do Maisfutebol.

A primeira vez de Portugal num Campeonato da Europa foi há 40 anos. Quem viu não esquece!

Aquele penálti de Chalana (marcado por Jordão) contra a URSS a dar o apuramento; aquela fase final brilhante, de uma equipa tão talentosa que nos fez sonhar, depois de surpreender a Europa – e quase fazer o mesmo à França de Platini, Tigana, Giresse…

Foram loucos os anos 80 do futebol português!

Clubes que se agigantaram (as finais de Benfica e FC Porto na UEFA, a conquista dos ‘Dragões’ em Viena!) e uma seleção que tentava aproveitar essa qualidade, mas que acabou por ser vítima do caos, da desorganização e do amadorismo reinantes.

A caminho do Mundial do México – para regressar a uma fase final 20 anos depois da epopeia de Eusébio e companhia em Inglaterra – o também ’Magriço’ José Torres, então selecionador nacional, pedia que o deixassem sonhar, «só um bocadinho», quando a qualificação dependia do ‘milagre’ de ganhar na Alemanha Ocidental.

O histórico golo de Carlos Manuel em Estugarda permitiu-lhe realizar o sonho. Já a presença na fase final, essa, foi outra história, de pesadelo…

Passaram quatro décadas e tudo mudou.

Os mais novos não terão noção de que só íamos a uma fase final ‘quando o rei fazia anos’. Que isso já era uma proeza. Que mesmo a tal ‘geração de ouro’ dos campeões do mundo de sub-20 falhou várias qualificações.

Agora, sonhamos com a conquista do ouro, exigimos ganhar, perguntamos mil vezes se nos assumimos como favoritos…

O que mudou?  

A qualidade da formação, a quantidade de jogadores, a organização, o profissionalismo, a mentalidade. Sim, tudo isso. Mas também a ‘intensidade’. Aquele hábito de jogar ao mais alto nível todas as semanas. Duas ou três vezes por semana. Entrar em campo e ser temido, respeitado, no mínimo. Sem tremer. Respirar sem aflição nem sobressalto quando se está neste patamar.

Roberto Martínez diz que há seis ou sete seleções candidatas e coloca Portugal no grupo – mau era se não o fizesse! E que, depois, tudo se decide em detalhes, por isso não faz sentido falar em favoritismo.

Martínez sabe do que fala. Afinal, como selecionador da Bélgica também fez um apuramento perfeito (Euro 2020) colocou o país no topo do ranking da FIFA, ganhando exatamente zero títulos. Por detalhes? Talvez.

Como preparar esses detalhes?

O técnico quer qualidade, intensidade, frescura – física e mental - e o apoio do país para que a equipa saiba ganhar aos grandes.

Da forma como Portugal joga (e ganha!) os adeptos estarão com a seleção. O resto, compete à equipa e ao selecionador. Que tem conseguido seguir o rumo certo.

A comunicação externa é boa, com as escolhas a serem explicadas sem tabus.

A comunicação interna parece funcionar, a gestão de grupo (e do esforço, neste estágio) parece agradar aos atletas.

Que falta, então?

Alguma sorte, claro. Não perder jogadores-chave por lesão. E ser eficaz quando chegar a hora da verdade.

Portugal já passou ao lado da glória, apesar de encantar (lembram-se das ‘vitórias morais’, do «jogar como nunca e perder como sempre»?) e já conquistou a Europa a jogar mal (recordam-se do «não importa, não importa…»?).

Agora pode fazer o pleno. Podemos, pelo menos, acreditar que que é possível. E sonhar.

Porque isso, nem a abordagem cautelosa de Roberto Martínez (cautelosa, realista, não medrosa!) nos impede de fazer.