A 26 de maio de 2013, quando Jorge Sousa apitou pela última vez na final da Taça de Portugal, o ciclo de Jorge Jesus no Benfica parecia terminado. O primeiro sinal nesse sentido tinha sido dado em pleno Estádio do Dragão, no momento em que o técnico se ajoelhou perante o golo de Kelvin, a lançar o FC Porto para o tricampeonato. Quatro dias depois veio a derrota na final da Liga Europa, frente ao Chelsea, a reforçar os indicadores, antes do epílogo escrito no Jamor.

Nesse dia, após o apito final, e no espaço de poucos minutos, o futuro de Jorge Jesus foi duplamente colocado em causa. Primeiro por um jogador, depois pelos adeptos. O dedo apontado de Óscar Cardozo colocava em causa a autoridade do técnico e deixava a ideia de que este tinha perdido o grupo de trabalho. Ao descer a escadaria do Estádio Jamor, com a medalha de vencido, Jesus teve de ouvir então a revolta dos adeptos, que em vinte dias passaram da euforia à depressão.

O futuro de Jesus foi debatido de forma intensa, mas não por muito tempo. Uma semana, mais concretamente, pois a 4 de junho o Benfica anunciava a renovação de contrato com o técnico, por mais duas épocas. Por convicção nesta aposta, ou por falta de convicção nas alternativas, Luís Filipe Vieira segurou o técnico.

Até uma vitória foi problema

A aposta revelou-se certeira, ainda que os primeiros tempos não tenham sustentado a decisão do presidente encarnado. Na ronda inaugural da Liga o Benfica foi derrotado pelo Marítimo, nos Barreiros, e na semana seguinte, na receção ao Gil Vicente, salvou-se nos descontos. Mas curiosamente o período mais sensível até surgiu após uma vitória, em Guimarães. Ao ver um agente policial intercetar um adepto que tinha entrado em campo, no final do encontro com o Vitória, Jorge Jesus decidiu interferir. Fê-lo de forma veemente, agressiva, arriscando punições desportivas e judiciais, confirmadas mais tarde (um mês afastado do banco e 25 mil euros de multa entregues a instituições de solidariedade).

Na jornada seguinte ao incidente de Guimarães o Benfica empatou em casa com o Belenenses e ficou com cinco pontos de atraso para o FC Porto. Jesus voltou a ser questionado, mas Vieira veio a público reiterar a confiança no técnico.

Depois disso o Benfica ainda disse adeus à «Champions» na fase de grupos, mas na Liga só cedeu mais quatro pontos, com os empates na receção ao Arouca e na visita a Barcelos.

Seguro, confiante, regular e claramente superior à concorrência no potencial, o Benfica embalou para o 33º título. E paralelamente avançou na Taça de Portugal, na Taça da Liga e na Liga Europa, embora Jesus tenha sido sempre fiel ao discurso: a prioridade era o título.

Nas entrelinhas o técnico ia admitindo, desta forma, que a gestão do plantel teve influência no descalabro da época anterior. E desta vez Jesus foi mais cuidadoso, até pela maior riqueza de alternativas. Jogadores como Jardel, Sílvio, André Gomes, Rúben Amorim ou Sulejmani deram ao técnico a confiança necessária para mudar o «onze» de acordo com a prova em causa. Isto sem esquecer Oscar Cardozo, que esteve quase fora do clube por causa do incidente com Jesus mas que depois reapareceu para evitar problemas ao técnico em várias situações, antes de uma paragem prolongada que o atirou para segundo plano, desligado do resto da equipa. Ou ainda Salvio, que também se viu forçado a uma paragem longa, mas que regressou a tempo de assumir papel relevante na reta final.

Igual a si próprio

Depois do triplo desgosto de 2012/13, Jorge Jesus procurou sempre um registo mais prudente esta época. Raras foram as conferências de imprensa anteriores aos jogos em que o técnico não prometeu um Benfica humilde, a respeitar o adversário, independentemente do nome deste. E sempre a colocar o campeonato no topo das prioridades, algo que levou à prática.

Tantas vezes desbocado, quer em relação à equipa, quer em relação aos adversários, Jesus mostrou-se mais «controlado» esta época. E talvez por isso fique a ideia que a estrutura encarnada procurou reduzir ao máximo as declarações do técnico na fase decisiva da época, aproveitando várias vezes a Benfica TV como veículo exclusivo. Mas aqui e ali Jorge Jesus ainda foi igual a si próprio, como na ocasião em que revelou que André Villas-Boas ia treinar o Zenit, no rescaldo do incidente que protagonizou em Londres.

E foi precisamente com o sucessor de Villas-Boas no Tottenham que Jesus protagonizou mais um momento polémico. Na visita a White Hart Lane, para os oitavos de final da Liga Europa, o treinador do Benfica levantou três dedos na direção de Tim Sherwood, após o terceiro tento encarnado. Ao justificar-se, no final do jogo, o técnico disse que o gesto era relativo a Luisão, que na verdade enverga a camisola 4, mas Jesus explicou mais tarde que três é a posição do central brasileiro em campo. O incidente foi agravado pelos gestos agressivos do técnico para com o seu adjunto, Raul José, e especialmente para com o secretário técnico, Shéu Han.

As declarações de Jesus atingiram também a formação, quando o técnico disse que os jovens do clube «tinham de nascer dez vezes» para estarem à altura de substituir no «onze» Nemanja Matic, contratado pelo Chelsea no mercado de Inverno. Palavras que motivaram a resposta de algumas promessas do clube, e que contrastaram com a renovada promessa do presidente numa aposta sólida na formação.

Fiel a si próprio nos excessos do discurso, mas também na competente preparação técnica e tática da equipa, Jorge Jesus conseguiu conduzir o Benfica ao 33º título, sendo um dos indiscutíveis protagonistas da temporada. Se há um ano o ciclo do técnico na Luz parecia extinto, Jesus parece ter agora recuperado o crédito que tinha em 2010. E o reembolso pode até incluir juros, se ao campeonato juntar a Liga Europa ou mesmo a Taça de Portugal, há muito desejada para dedicar ao avô.