O futebol português consegue fabricar histórias fantásticas.

Veja-se o caso Duarte e Afonso Valente, por exemplo. Nasceram no Estoril, cresceram juntos, são melhores amigos. O primeiro tem 22 anos e começou há pouco mais de um ano a representar o Belenenses. O segundo tem 21 anos e reforçou no início da época a U. Leiria.

Depois de uma vida em conjunto, vão ser rivais no Jamor, na final da Liga 3. Num jogo memorável para dois históricos do futebol português, que promete encher o Estádio Nacional.

«Independentemente de quem ganhar, no fim vamos sempre dar um abraço e um beijinho.»

Mas quem são afinal Duarte e Afonso Valente?

Naturais de Cascais, cresceram no Estoril, paredes meias com o Estádio António Coimbra da Mota. Foi de azul e amarelo que viveram o sonho de se tornarem jogadores de futebol durante logos dezoito anos. Ambos foram capitães na formação, Duarte jogou várias vezes na equipa principal, Afonso levantou duas Ligas e duas Taças Revelação.

«Começámos os dois com quatro anos no Estoril. Vivíamos mesmo ao lado do estádio, aliás, da nossa varanda via-se o campo e estávamos sempre lá. O estádio era o nosso jardim. A nossa infância foi toda a jogar naquele campo, a nossa vida era ali», conta Duarte Afonso.

«Tendo treino ou não, estávamos lá. O sr. Agostinho, o roupeiro do Estoril, até se chateava: só tínhamos treino duas vezes por semana e estávamos lá todos os dias, desde o primeiro até ao último treino. Víamos os outros treinar e jogávamos entre nós os dois ao lado do campo.»

Afonso Valente recorda até uma história curiosa.

«Era engraçado porque alguns treinadores até nos deixavam fazer o treino sem bola com a equipa. Nós tínhamos cinco, seis anos e os juniores estavam a treinar, por exemplo. Nós os dois metíamo-nos a fazer os exercícios sem bola com eles e depois quando ia começar o treino com bola o treinador dizia-nos: Vá, pronto, agora têm de sair

E quando é que o futebol se tornou uma prioridade?

Embora tenham crescido numa família bem estruturada e que os incentivou inclusivamente a cultivar o hábito de jogar golfe, Duarte e Afonso Valente alimentaram desde muito a paixão pelo futebol.

«Os nossos tempos livres eram todos no campo do Estoril. Andávamos sempre juntos, ajudávamo-nos um ao outro a melhorar e carregávamos ambos o bichinho de ser jogadores. Nunca fui campeão na formação, por exemplo, também nunca subi de divisão, mas guardo muito boas memórias desses tempos», sublinha Afonso Valente.

«Aliás, estive 18 anos no Estoril e no primeiro dia na U. Leiria, quando vesti uma camisola vermelha, e não azul ou amarelo, foi estranho [risos]. Mas enfim, são coisas que fazem parte da nossa vida e que no futebol são normalíssimas.»

Duarte Valente, o mano mais velho, conta que serem jogadores não foi a única opção que colocaram na vida, até porque os pais os obrigaram a serem bons alunos e a terminar o 12º ano, mas felizmente para ambos não precisaram de ter um plano secundário. Mais ou menos aos 16 anos, quando foi necessário fazer uma escolha, os dois quiseram apostar no futebol.

«Andámos sempre juntos e mesmo agora, que já estamos numa idade adulta, o nosso grupo de amigos, por exemplo, é o mesmo. Se o meu irmão não fosse meu irmão, era meu amigo. Desde a adolescência que fazemos tudo em conjunto, e vamos continuar a fazer», refere.

«Tudo o que se passa comigo ele sabe e tudo o que se passa com ele eu sei. Ele é sempre a primeira pessoa a quem recorro quando preciso. Quando ele foi para o estrangeiro, foi difícil. Estava habituado desde miúdo a passar muitas horas com ele. Não o ter por perto foi estranho. Mas as videochamadas ajudavam, falámos muitas vezes», acrescenta Afonso Valente.

Ora essa saída de Duarte Valente para o estrangeiro significou a primeira separação dos irmãos. Duarte tinha 21 anos e já contava com 18 jogos na equipa principal do Estoril, quando recebeu um convite para emigrar. Primeiro viajou para o Chipre, depois mudou-se para a Grécia.

Foi apenas um ano lá fora, de resto. Depois regressou e assinou pelo Belenenses.

Curiosamente, pouco depois de Duarte regressar a Portugal, e voltar a viver em casa dos pais, o irmão mais novo teve de sair: Afonso assinou no início desta época com a União e foi viver para Leiria. Naquela que é também a primeira experiência longe da família.

«No início foi um bocadinho estranho, confesso. Estar no mesmo campeonato do meu irmão e jogar noutra equipa...», refere Duarte Valente.

«Mas desde o início brincávamos que íamos chegar ambos à final. Acho que subir os dois de divisão é uma coisa extraordinária, mas disputarmos juntos a final no Jamor vai ser um sonho.»

E sensações, como será?

«Acho que a família até está mais empolgada do que nós», sorri Afonso.

«Para a semana vamos tratar dos convites para toda a gente e seguramente que vamos arranjar. Muita gente quer ir, mas acho que o estádio é suficientemente grande para caberem todos.»

Duarte Valente imagina de resto que os pais vão ficar tristes pelo irmão que perder a final, mas destaca que acima de tudo será uma festa. Até porque o mais importante já foi alcançado.

«Se calhar vai ser mais estranho para os nossos pais do que para nós. Já nos defrontámos uma vez e não é fácil para eles, têm de torcer pelos dois e não torcer por ninguém.»

No fim, lá está, vai ser uma festa. Os dois manos vão dar um abraço e um beijinho, e voltar a ser o que sempre foram: os melhores amigos.

«Lembro-me que o meu irmão era um traquina e eu sempre fui muito preocupado com ele. Tentava meter-lhe algum juízo na cabeça, mas ele era traquina, fazia muitas asneiras. O meu pai carinhosamente até lhe chamava bandido», sorri Duarte.

Afonso, o mano mais novo, recorda uma história passada na escola.

«O meu irmão tinha muito aquela coisa de me proteger. Uma vez estávamos a jogar na escola e o jogo estava a correr-me bem, estava a fazer umas cuecas e tal, os outros miúdos começavam a ficar chateados. Houve até um rapaz que já estava a querer partir para a violência», conta.

«O meu irmão não estava a jogar, mas ia a passar nessa altura e foi lá falar com o rapaz. Então disse-lhe que jogávamos nós dois contra eles os cinco e a equipa que perdesse tinha de servir a outra no refeitório durante uma semana. A verdade é que ganhámos e eles andaram uma semana a servir-nos o almoço.»

No dia 21 de maio, a partir das 18 horas, vão subir ao relvado do Jamor em equipas contrárias e provavelmente até se vão cruzar algumas vezes: afinal de contas, são ambos médios centro. Mas só durante noventa minutos. No final voltam a ser os companheiros que sempre foram.

Não vai ser o futebol a separar o que a vida juntou.