Brincou-se durante muitos anos, sobretudo no longo período hegemónico do FC Porto, que os jogos entre Benfica e Sporting serviam apenas para decidir «o campeão da Segunda Circular», assim uma espécie de prémio de consolação que, na realidade, não devia consolar coisa nenhuma. Eram os tempos em que o FC Porto ganhava 14 ou 15 campeonatos em duas décadas. Foi assim, por sinal, entre 1991 e 2012. Os dragões eram, então, uma ‘máquina de guerra’ que atropelava quem lhe aparecia pela frente. Os velhos tempos de José Mourinho, AVB, Jesualdo Ferreira, Fernando Santos, Bobby Robson ou Carlos Alberto Silva. Depois disso, é verdade que ainda existiram os títulos de Vítor Pereira e, claro, os de Sérgio Conceição, mas a história mudou, definitivamente. Na última década, o FC Porto ganhou ‘apenas’ 3 campeonatos e prepara-se para ficar mais uma temporada em branco – alargando o período para 11 temporadas com essas mesmas 3 vitórias na Liga.

É preciso ser-se muito crente para considerar que o FC Porto 2023/24 ainda corre para o título. Uma equipa espremida ao limite, que dá – a cada semana – sinais de desgaste, de saturação e até de fim de ciclo. O jogo de Arouca foi a perfeita imagem de um grupo que deixou, ele próprio, de acreditar na capacidade para poder acompanhar o andamento dos dois rivais de Lisboa.

É verdade que, em futebol, já se viu de tudo. Recuperações impensáveis, reviravoltas ‘cinematográficas’ e festejos que não estavam no programa. Mas se o FC Porto, por qualquer razão que hoje ninguém consegue vislumbrar, ainda for a tempo de sagrar-se campeão nacional esta temporada, então estaremos perante o mais extraordinário volte-face na história do futebol português.

O Benfica tem – de longe – o melhor plantel da Liga. É a consequência natural do investimento milionário posto à disposição de Roger Schmidt, mas é também o resultado de uma política ambiciosa em busca do bicampeonato. O Estádio da Luz acompanha o ritmo da equipa (com assistências quase sempre na ordem dos 55/60 mil espectadores), Rafa e Di María não tiram o pé do acelerador, João Neves cresce a cada jogo, há soluções quase ilimitadas prontas a saltar do banco e, assim, o campeão nacional chega a meio de fevereiro com todas as condições para voltar a estar no Marquês, em maio. Os argumentos a favor do Benfica são tantos que suportam até os regulares equívocos de Schmidt.

O Sporting, esse, atravessa um momento ainda mais – como dizer? – ‘saudável’. Entrou em 2024 a um ritmo diabólico, delicia-se (delicia-nos) com um dos avançados mais excitantes da atualidade e parece que ainda foi ontem que se levantavam dúvidas sobre como os leões iriam atravessar o mês de janeiro sem os titulares que iria perder para a CAN e Taça da Ásia (Diomande, Catamo e Morita). «No pasa nada», terá pensado Amorim. E bem. Apareceu Francisco Trincão a um nível que nunca se tinha visto, emergiu Eduardo Quaresma e o Sporting marcou 33 (!) golos e sofreu apenas 3 entre os dias 5 de janeiro e o passado domingo (11 de fevereiro).

O nível de excelência do Sporting 2023/24 encontra óbvia correspondência, aliás, nos números globais da temporada: 26 vitórias em 33 jogos, com 92 golos apontados. Falhou na Taça da Liga, é verdade, mas num jogo em que massacrou o Sporting de Braga e acabou por perder (0-1), quando o mais normal, em função da produção, teria sido que goleasse. A justiça tarda mas não falha: o 5-0 de Alvalade, no passado fim-de-semana, representou o regresso à normalidade.

Não faltam (bons) motivos, portanto, para acreditar que o Sporting pode vencer esta Liga, tendo ainda uma palavra a dizer na Liga Europa e na Taça de Portugal – com esse duplo embate frente ao Benfica, na meia-final, já confirmado.

O mesmo se deve dizer relativamente às águias. Falharam na Taça da Liga (frente ao Estoril), mas podem sonhar – tal como o Sporting – com o ‘triplete’: Liga, Taça de Portugal e Liga Europa.

E o FC Porto? Pode sonhar com o quê? Com a Taça de Portugal, com certeza que sim. Tem, para isso, de vencer o Santa Clara, em primeiro lugar. E depois ultrapassar o Vitória de Guimarães no caminho até ao Jamor. A Liga dos Campeões será sempre uma miragem e, na próxima semana, já vamos começar a perceber até que ponto os dragões estão em condições de, pelo menos, equilibrar forças frente a um Arsenal de volta à sua melhor versão.

Na Liga, a 7 pontos de distância de Benfica e Sporting (este, com um jogo em atraso), a missão é quase impossível. Objetivamente, e recorrendo à fria matemática, a realidade é que, hoje, o FC Porto está mais perto de Sporting de Braga e de Vitória de Guimarães (ambos 5 pontos atrás) do que dos rivais que seguem à sua frente.

Sérgio Conceição, desta vez, não está a ser capaz de reinventar-se. E já começa a ficar tarde para encontrar uma tábua que ainda possa salvar a temporada. Terminar em 3º lugar, de resto, seria catastrófico para uma SAD que nunca precisou tanto dos milhões da Champions League como hoje. E chegar às eleições de abril com a equipa longe de Benfica e Sporting seria uma espécie de tempestade perfeita.

As 8 derrotas que o FC Porto acumula nesta temporada estão já muito próximo do pior registo da era Conceição. O nível de jogo, esse, é o mais pobre de que há memória. Pepe completa 41 anos este mês, Taremi está de saída, Otávio já não mora aqui, a venda de Diogo Costa é uma inevitabilidade e, por agora, restam apenas Evanilson e Varela para ir disfarçando o que se vai tornando indisfarçável.

O argumento de que o FC Porto baixou o nível porque perdeu capacidade de investir é válido, sim, mas só até certo ponto: Otávio (12M), Iván Jaime (10M), Nico González (8.5M), Varela (8M) e Fran Navarro (7M) perfazem perto de 50 milhões de euros nas compras. Se foram contratações ou reforços, isso é outra história. E ninguém tem culpa, a não ser quem gere o futebol dos dragões, que Navarro e David Carmo (27M, ambos) sejam hoje dois ‘carros em rodagem’ pelas ruas de Atenas.

Ao FC Porto resta, assim, a condição de ‘ator secundário’ na luta pelo troféu. Receberá Benfica e Sporting no Dragão (jornadas 24 e 31) e, na melhor das hipóteses, parece ser essa a única forma que ainda terá de influenciar a decisão do título.

A partir do resultado de Arouca – e, sobretudo, da forma como a equipa de Daniel Sousa foi capaz de expor as debilidades de um dragão anémico – o FC Porto pouco mais pode fazer do que aspirar a um lugar no pódio. Roger Schmidt ou Ruben Amorim, um deles, deverá sagrar-se campeão nacional pela segunda vez.

O futuro de Sérgio Conceição, esse, está no ar. Em maio logo se verá. Ou até antes. Em abril.