Habituei-me a detestar o cinismo da Itália, a apreciar o prá-frentex holandês e a misturar sentimentos por culpa da Alemanha. Normalmente, a Mannschaft diz-me pouco. Algumas vezes qualquer coisa. A Espanha nem isso, porque só um mártir conseguiria vestir de vermelho, azul e amarelo num campeonato com «C» grande. Apesar de Torres, Fabregas, Villa e dos outros... A França mereceu-me vénias de respeito por culpa de uma geração, mas o fantasma de Zizou deixou de assustar-me. E que me desculpem os inventores ingleses, mas o que se joga no continente já não é bem o association, por muito boa liga que seja a Premier.

Há ainda os vikings, dinamarqueses e suecos, que nem com um Alfred Nobel na história, conseguiram criar 10 Laudrups. Cinco Brians e cinco Michaels, e ficava o Schmeichel ad eternum na baliza... Só um acidente natural como o de 92 poderia dar num campeão de barriga de cerveja a saltar fora dos calções, apanhado a meio caminho da praia, disposto a prolongar as férias, por gozo, pelos tapetes. Antes e depois, faltou sempre qualquer coisa. Sempre me irritaram também equipas de pH neutro como a Suíça, a Áustria, a Turquia, a Grécia e outras afins.

Confesso, heresia, que já fui um pouco alemão em 1990 contra a Argentina de Maradona, da mesma forma que, quatro anos antes, saí de casa de braços abertos, feito parvo, a reclamar uma costela do «Dez», depois do «Golo do Século». Em 1988, holandês. Ainda mais laranja depois daquele remate de visão grande-angular de Van Basten, capaz de fazer mudar de cores o mais fanático dos adeptos. Ou acordar um morto, se gostarmos de humor negro. Em Itália, essa equipa comandada por Matthäus, com Brehme, Klinsmann, Hassler e Littbarski, tornou-me um pouco boche também.

O meu futebol foi construído por muitos nomes holandeses. Cruijff, Krol e Resenbrink, ainda em memórias a preto e branco, num futebol descontinuado de resumos, Rijkaard, Gullit, Van Basten, Kluivert, Overmars, Frank de Boer e Bergkamp em laranja berrante, sequencial, impressionista, como num quadro de Van Gogh. Talvez por isso, e apesar de Van der Vaart, Sneijder e Van Nistelrooij me quererem convencer do contrário, não consigo olhar para esta Holanda, quase sem figuras, da mesma forma. Até porque o Mundial-2006 deixa-me de pé atrás.

Nem aquela erupção de Tardelli, há 26 anos, fez com que mudasse de rumo. Um italiano de lágrima ao canto do olho era sempre motivo de festa, porque fomos educados a ficar sempre do lado dos bons contra os maus, os cínicos, aqueles que atraem para apunhalar pelas costas. Mas Andrea Pirlo mostrou-me que há mais do que essa dualidade, essa linha gravada na relva, que separa os vilões dos que os tentam parar, em nome da humanidade. Aquele futebol inteligente, de somas de parcelas pequenas, não pode nunca fazer do cérebro dos azzurri um fora-da-lei.

O hino vai começar a tocar daqui a umas horas, as últimas bandeiras vão ser colocadas nas varandas, vão bater mãos no peito, arrancar-se cabelos, e espero que por cá se festejem golos e vitórias. Felizmente, o talento continua a nascer em Portugal a bom ritmo, apesar da pobreza do campeonato, chegando para um dos melhores planteis da Europa. Vou ser português de 90 em 90 minutos, mas nos intervalos, por culpa dos outros «mágicos» na Áustria e na Suíça, serei, como Sócrates, «nem ateniense nem grego». Apenas um cidadão do mundo.

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião da autoria de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às terças e sextas-feiras