O que me encanta verdadeiramente no futebol é não necessitar de número de contribuinte, comprovativo de residência ou atestado médico. Um jogo sem adereços. O futebol nu e cru.

Uma bola e muito talento arrumadinho em proporções irrazoáveis. Quanto mais irrazoáveis melhor, aliás. No fundo tudo gira em torno do jogo e do que ele é no fim: depois de concluídas todas as deduções à coleta. Um prazer, muito obrigado. Deus o guarde.

Infelizmente o futebol português não é a sorte com que sonhamos.

Podia ser pior, é certo que sim, podia ser menos amado, por exemplo, e por muitos defeitos que tenha a verdade é que continua a ser amado, mas também podia ser melhor: podia ser mais leve, mais divertido, mais entretido. Podia ser mais futebol.

Podia ser mais inglês.

Podia por exemplo ter aquele sentido de humor dos adeptos do West Ham quando há uns meses perderam 6-0 com o Manchester City: depois de tudo ainda tiveram forças para inventar um cântico logo ali na hora. «Vocês não são nada de especial, nós perdemos todas as semanas», gritaram.

E o estádio inteiro soltou uma gargalhada.



O futebol português leva-se demasiado a sério para ter esta capacidade de se divertir. Em Portugal o futebol é muito grave, e pesado, e dramático.

Impõe-se nesta altura passar do geral para o particular: por amor ao nosso país. Impõe-se passar do futebol português para o Estoril.

É mais fácil sorrir quando se é feliz, claro que sim, mas para além da felicidade que espalha num futebol alegre, solto e espirituoso, a verdade é que consegue encontrar-se na Amoreira uma cultura rara: uma capacidade elogiável de olhar para o futebol como puro entretenimento.

É disso que esta crónica trata: de elogiar a capacidade de defender o futebol positivo.

O futebol que não coloca o árbitro no centro de tudo, que não se enche de insultos e agressividade, que não se levanta da cadeira para reclamar cada decisão disciplinar. O futebol que se anima e sorri. O futebol que se diverte com o jogo e que diverte o próprio jogo.

No Estoril é possível, por exemplo, ouvir os adeptos simular os festejos de um golo que não foi, assim do nada, só porque os diverte.

É possível ouvir a claque cantar que quem não salta não fuma marijuana (crianças, não façam isto em casa) e é possível sentir que o futebol foi devolvido ao espaço onde merece estar: o centro de um espetáculo (mas apenas isso).

Há dias, de resto, num jogo na Amoreira a placa com os descontos da primeira parte falhou. O quarto árbitro apressou-se a corrigir o erro e os adeptos levantaram-se, gritaram e bateram palmas. Um pormenor que em qualquer outro estádio teria provocado assobios, porque era o quatro árbitro e os estádios nacionais enchem-se de animosidade, ali foi celebrado como se fosse um golo. Eu sorri: e pensei que se ainda me lembrasse o que é ser adepto, gostava de ser assim.

O futebol merece ser bem tratado.

Have fun.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias