Ao 1008.º jogo na carreira, José Mourinho viu pela primeira vez uma equipa sua sofrer seis golos.

O escândalo foi tanto maior por ter acontecido não na Liga dos Campeões diante de um colosso recheado de estrelas, mas na nova Liga Conferência, numa pequena cidade norueguesa de 50 mil habitantes, em pleno Círculo Polar Ártico.

Uma hecatombe diante do modesto Bodo/Glimt – que tem a curiosidade de na época passada, ao conquistar o primeiro título norueguês da sua história, se ter tornado no clube mais a norte no continente europeu a sagrar-se campeão nacional.

Sobre o piso sintético do pequeno Aspmyra Stadion, com capacidade para cinco mil espectadores, brilhou Erik Botheim.

O jovem avançado de 21 anos fez dois golos – Ola Solbakken também bisou – e três assistências, que contribuíram de forma decisiva para aquela que terá sido a maior humilhação que o outrora «Special One» viveu no banco.

Afinal, quem é este inesperado carrasco de Mourinho?

Se quer uma resposta imediata, procure no Youtube. Bem antes de se destacar pela inspiração futebolística na histórica noite em Bodo, Botheim revelou os seus dotes na música ao lado de… Erling Haaland.

Ambos são amigos desde os escalões de formação da Noruega e foi neste contexto que em 2016 resolveram levar a brincadeira de cantar mais longe. Criaram o grupo Flow Kingz, juntamente com o companheiro de seleção Erik Sandberg, e num dos estágios gravaram o tema «Kygo Jo». O vídeo [onde Erik aparece logo aos 9 segundos] tornou-se num hit com mais de oito milhões de visualizações.

Botheim e Haaland tornaram-se melhores amigos na adolescência e a relação manteve-se próxima até hoje, como se pode ver pelas fotos que ambos partilham juntos – nas redes sociais Erik mostra também, por exemplo, o seu gosto pela pesca. Ao contrário do ponta-de-lança do Borussia Dortmund, que leva já 12 golos em 15 jogos pela seleção principal, o avançado do Bodo/Glimt não é ainda internacional A, apesar de ter sido chamado em todos os escalões entre os sub-15 e os sub-21.

Contudo, antes do rap aos 16, o avançado que destruiu a defesa da Roma destacou-se aos 11 anos, quando foi descoberto pelo Barcelona. Foi treinar a La Masia acompanhado pelos pais. Apesar dos convites para continuar a treinar na formação blaugrana, voltou à Noruega feliz com a experiência.

«Foi ótimo lá estar. A melhor recordação foi marcar um golo pelo Barça num jogo treino», contou Erik ao Aftenposten, maior jornal impresso do país, numa reportagem sobre talentos noruegueses, publicada em novembro de 2015.

Aí, revelou a sua convicção em ser profissional de futebol ao responder à questão «E se o sonho do futebol não se concretizar?».

«Se tens um plano B é porque não tens fé no plano A. O meu plano é jogar com Neymar, seja em que clube for», dizia o jovem decidido, que nessa altura já despontava na equipa principal do Lyn, da sua cidade-natal Oslo: estreou-se aos 15 anos como sénior, apontando o seu primeiro golo numa goleada por 9-2 sobre o Holmen, em outubro de 2015.

Assinou pelo Rosenborg em julho de 2016, mas acabou por não singrar no principal clube norueguês – onde, ainda assim, venceu dois campeonatos. Fez quatro golos desde 2017, esteve emprestado ao Stabaek em 2020, e em fevereiro deste ano rescindiu contrato para assinar pelo Bodo/Glimt, que estava desesperado à procura de reforços para a frente de ataque, depois de não ter conseguido segurar os avançados com que conquistou o primeiro título da noruega da sua história.

O destino começou a sorrir-lhe a partir dessa decisão, que terá sido aconselhada também pelo amigo Haaland: este ano, Erik fez 19 golos em 33 jogos e o Bodo/Glimt não só lidera o seu grupo na Liga Conferência como o campeonato da Noruega.

Uma evolução súbita, que deixa muitos sem palavras.

Aliás, ontem, após a noite épica em que fez tombar a Roma de Mourinho e Rui Patrício, Erik foi também ele sintético no comentário ao jogo da sua vida.

Publicou uma foto do jogo e escreveu uma legenda singela apenas na sua página oficial de Instagram: «Nada a dizer.»