1- Polémica no Mundial do Qatar? Isso não é novo, o que aconteceu agora?
Aconteceu que o grupo de trabalho da FIFA, que durante seis meses estudou os problemas práticos levantados por um Mundial no Qatar, em 2022, encerrou os trabalhos apresentando a sugestão de que a fase final decorra nos meses de novembro e dezembro, e num período mais curto do que as anteriores edições. Isto porque, segundo todos os estudos feitos, as temperaturas no Qatar durante o verão são impraticáveis para jogadores e adeptos.

2- Isso é inédito? Nunca houve Mundiais no inverno?
No inverno para os países organizadores, sim, claro: todos os que se realizaram no hemisfério sul (Chile, Uruguai, Argentina, África do Sul, Brasil). No inverno europeu não, e é isso que põe em causa a habitual organização de provas, domésticas ou internacionais. Até agora, o dia mais tardio em que se jogou para Campeonatos do Mundo foi 30 de julho, data das finais dos Mundiais de 1930 e 1966. O Mundial nunca tinha saído dos meses de maio, junho e julho.

3- Bom, mas tinha mesmo de ser no fim do ano? Não havia alternativas?
Houve várias opções em estudo. Mas os senhores do grupo de trabalho concluíram que esta era a melhor, argumentando com os seguintes constrangimentos: em janeiro, e até fim de fevereiro o Mundial ia coincidir com os Jogos Olímpicos de inverno. A 2 de abril começa o Ramadão, que condiciona toda a atividade no Qatar. De maio a setembro as temperaturas são proibitivas. Sobravam outubro, novembro e dezembro, já que, por razões contratuais, a competição não pode entrar pelo ano de 2023.



4- Entendido. E a proposta já é definitiva?
Não, mas quase: teve o apoio das seis confederações continentais, incluindo a UEFA. É pouco provável que venha a ser rejeitada quando for apresentada ao Congresso da FIFA, a 19 e 20 de março. De qualquer maneira, ainda não há definição rigorosa de datas. Para já, o que foi dito à agência France Press, é que a proposta aponta para uma fase final entre 26 de novembro e 23 de dezembro, isto é, com 28 dias – menos quatro do que o último Mundial no Brasil.

5- Menos quatro dias? Mas o número de jogos e de equipas não vai diminuir, certo?
Certo. Os jogos vão ser mais concentrados no tempo. A proposta da FIFA assenta em duas justificações: uma, a de que os jogadores estão a meio da época, e não no fim, por isso recuperam mais depressa do esforço do que num Mundial «normal». A outra, a de que no Qatar todas as deslocações são curtas, pelo que os dias de recuperação para as viagens não são necessários. Foi uma das contrapartidas que serviram para obter a concordância dos clubes. A outra, é a de que os jogadores terão de apresentar-se nas seleções apenas uma ou duas semanas antes da prova, e não três ou quatro, como até aqui.

6- Ah, então os clubes já apoiam?
Não propriamente. O presidente da Associação Europeia de Clubes (ECA), Karl-Heinz Rummenigge, manifestou alguma oposição, mas deixou a porta aberta ao entendimento, tal como o presidente da Bundesliga. Em linguagem corrente, se as compensações aumentarem, os clubes passam a estar de acordo. É isso que quer dizer «uma vontade de compromisso de cada parte» somado à frase «não têm de ser os clubes europeus a suportar o peso financeiro».

7- Quem mais se pronunciou?
Quase toda a gente. A FIFPro, que representa as várias associações de jogadores profissionais, apoiou a proposta, considerando-a a «única solução viável» para proteger a «saúde e segurança dos jogadores», mas lembrou que a redução de dias é um tema que deve ser discutido com os futebolistas. E recordou que o regime de trabalho no Qatar, designado como «sistema kafala» põe problemas de direitos humanos a todas as profissões, incluindo a de futebolista. Luís Figo, candidato à presidência da FIFA, também apoiou a proposta, em nome das condições dos futebolistas. E a UEFA, que em princípio seria a confederação com mais problemas em aceitar a mudança, também já comunicou que «para benefício dos jogadores e adeptos» não vê «problemas em reagendar as suas competições para a época 2022/23»



8- Ah! Afinal está toda a gente de acordo?!
Não, longe disso: a Associação de Ligas Europeias de Futebol quer o Mundial em maio e criticou a proposta, dizendo em comunicado que esta «perturbará e causará grandes danos» ao normal funcionamento das competições internas na Europa. E os maiores protestos vêm do futebol britânico, claro, tanto mais que uma final de Campeonato do Mundo a 23 de dezembro poderia pôr em causa a centenária tradição de futebol na quadra de Natal e Ano Novo. O diretor executivo da Premier League, Richard Scudamore, deixou no ar a possibilidade de impugnar na justiça uma eventual decisão, acusando a UEFA de ter «deixado ficar mal» os clubes europeus. Por sua vez, o presidente da Federação inglesa, Greg Dyke, que considera a proposta de um Mundial de inverno «a menos má das más soluções» garante que vai fazer os possíveis para proteger «a tradição dos jogos de Natal» nesse ano de 2022.

9- Então é como é que vai ficar o calendário nessa temporada de 2002/23?
Ainda é especulativo, mas um exercício feito pelo «The Guardian» sugere o seguinte: início das pré-eliminatórias da Champions mais cedo, no princípio de julho e arranque das Ligas nacionais no segundo ou terceiro fim de semana de julho. Fecho da janela de transferências duas semanas mais cedo, arranque da fase de grupos da Champions ainda em agosto. Jornadas da Champions com menos tempo de intervalo, de maneira a que a fase de grupos acabe no início de novembro. Os jogadores seguiriam para as seleções duas semanas antes do arranque da prova, fosse este marcado para o dia 18 ou 26 de novembro. No início de dezembro, com o fim da fase de grupos do Mundial, metade dos jogadores voltaria aos clubes. Em meados de dezembro, apenas quatro equipas (92 jogadores) continuariam em prova. Isto permitiria retomar os jogos da Premier League no Boxing Day, 26 de dezembro. O atraso pela paragem nas Ligas seria compensado com um final de temporada mais tardio do que o habitual, em meados de junho de 2023.

10- Pronto, só há uma coisa que continuo sem perceber: não tinha sido mais fácil atribuir o Mundial a outro país que não o Qatar?
Pois. Em que mundo é que tu vives?