Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Às quinta-feiras, de 15 em 15 dias, o Maisfutebol traz-lhe a História de Um Jogo. Desta vez, um Sporting-P. Ferreira, que se repete domingo, em Alvalade.

O Sporting estava perfeito. Tinha vencido o Boavista, o Nacional e o poderoso Inter de Milão. O golaço de Marco Caneira aos italianos abriu todos os sonhos ao leão e mesmo que Alvalade se ficasse pelos poucos mais de 30 mil espectadores havia uma renovada esperança com Paulo Bento no banco.O povo via também um dos seus novos meninos a assumir papel na equipa. Se João Moutinho e Nani passaram de projetos a construções definitivas, Miguel Veloso dava os primeiros passos no onze. A expectativa recaía na equipa, mas também sobre o central tornado médio-defensivo no Olivais e Moscavide. A exibição de Miguel Veloso frente ao Inter de Milão iria ter confirmação, mas o tema da noite foi outro. Da exibição do médio ninguém se lembra, do golo de Ronny ninguém se esquece (vídeo no final do texto).

Ronny celebra no Paços de Ferreira

O universo leonino ainda hoje argumenta que perdeu um campeonato por causa desse golo. Um caso claro de «eu vi, tu viste, o árbitro não viu». O VAR nasceu por causa de golos destes. Um golo impossível de suceder hoje, mas que, na altura, custou dois pontos a um Sporting que perdeu o campeonato por um.

Dani Soares atende-nos o telefone. É pelo lado do Paços que nos recorda o encontro e assume logo o que todos já sabem.

«A primeira memória é mesmo o golo. No estádio não nos apercebemos de nada, mas depois vemos que é com a mão. O que ficou na retina foi o Ronny dizer na flash que foi com a cabeça. Ele depois percebeu que foi com a mão, mas jurou por Deus que tinha sido com a cabeça. »

Um gesto que o próprio Ronny disse que repetiria, apesar do que disse nessa afamada flash-interview - entretanto, Ronny contactou o Maisfutebol já depois da publicação deste artigo para dizer: «Gostaria de esclarecer que foi o José Mota que me instruiu, ao intervalo, a dizer que o golo não foi com a mão» - e que até levou a um dos momentos/frase de Paulo Bento à frente dos leões. 

Em contacto com o nosso jornal, entretanto, José Mota explicou a sua posição na altura: 

«O Ronny está a referir-se ao intervalo, quando ainda ninguém tinha visto o lance. Eu disse "esquece lá isso, que ainda temos a segunda parte para jogar". Depois da flash vimos o lance e assumimos que tinha sido com a mão», explica. 

«O Paços? Qualidade não havia muita»

Sim, sucedeu mesmo. Ronny assumiu que não tinha feito o que o país acabara de ver pela TV. O golo foi ilegal, tão ilegal que todas as crónicas tiveram de começar por facto tão óbvio.

Em Alvalade a «mão de Ronny» passou a definir um campeonato inteiro, mas nos pacenses «o assunto morreu pouco depois» de a equipa ver as imagens, ainda no recinto.

«Só aí o Ronny disse ter percebido que era mão», repete Dani Soares. «O importante foi termos trazido os três pontos, toda a gente fala da mão, mas esquecem-se que o Paços fez um grande jogo», frisa.

O 0-1 é aos 45 minutos. Portanto, há duas partes inteiras de futebol entre o nulo e o resultado final. O Sporting que vinha perfeito, entrara mal, sem criar perigo. O Paços que acabaria na Europa nessa época, começara bem, à espera da ocasião.

Dani Soares no Cluj, com Tony Silva às costas. O cunhado Cadú e o também português Manuel José à direita

«Anulámos as peças mais importantes do Sporting, que vinha de duas vitórias na Liga e do jogo com Inter. Éramos uma equipa muito coesa, ajudávamo-nos uns aos outros, muito unidos e humildes», recorda Dani Soares.

A ideia dessa equipa termina com uma gargalhada: «Qualidade não havia muita, mas com a nossa humildade fomos apurados para a Liga Europa.»

O médio acabara de chegar à Liga, mas, curiosamente, já tinha histórias de Alvalade para contar. «Tinha lá jogado na época anterior pelo Vizela, na Taça de Portugal e marquei um golo. Perdemos 2-1. O Sá Pinto fez dois golos, um de penálti. Se calhar se houvesse VAR nesse dia, o Sporting também iria a prolongamento», ri Dani.

O antigo médio volta à «mão de Ronny» para explicar: «Se calhar, com VAR não ganharíamos. Porque é muito difícil fazer golos na casa de um grande. Nós fizemos, mas se calhar já é especular se venceríamos ou não se houvesse VAR.»

O jogo gigante de um guarda-redes

O Sporting entrara mal, foi para o intervalo furioso e voltou sem muito discernimento. Mas começou a assaltar a baliza pacense como não fizera até então. Paulo Bento fizera duas mudanças ao descanso e o Sporting foi em crescendo até final.

Djaló junta-se a Liedson e Alecsandro, que se estreia a titular num dia em que Ricardo, na baliza leonina, fazia o jogo 100 pelo clube.

É o brasileiro contratado nesse verão que começa a descobrir a figura final desse jogo: Peçanha. O guarda-redes faz um jogo gigante na baliza e nega golos a Alecsandro, Yannick Djaló e Bueno. Pelo meio, o Sporting atira à trave, e pelo fim sufoca o Paços e desperdiça mais ocasiões.

O resultado não muda, o Paços ganha três pontos o Sporting nenhum. Já a vida de Dani Soares leva novo rumo.

«Saí em dezembro para Cluj. Era outra realidade e exigência. A ida para Paços foi fundamental na minha carreira. Já havia um namoro antigo, os responsáveis do Paços já me seguiam há algum tempo, o José Mota gostava da minha maneira de jogar, mas por causa de contrato de formação era mais difícil sair. Só aos 24 anos consegui ser transferido do Vizela.»

Agora, Dani Soares, natural de Felgueiras, vive em Paços de Ferreira onde tem um espaço para se jogar padel e espera abrir outro. Enquanto isso, domingo, os pacenses voltam a visitar Alvalade, onde ninguém esquece o dia em que Ronny marcou um golo com a mão e, dizem, decidiu um campeonato.

A mão de Ronny