Lembro-me perfeitamente da altura em que o meu maior desejo era ter umas sapatilhas com luz. Sim, com luz. Houve ali uma fase na década de 90 em que alguém achou que era engraçado juntar um led a uma peça de calçado, para acender uma luz vermelha a cada passo.

Eu não achava que aquelas sapatilhas fossem fantásticas, nem sequer especialmente bonitas. O que as tornava, definitivamente, apetecíveis era o facto de todos os meus amigos também as terem. Se eles têm eu também quero.

E um dia a minha mãe lá acedeu. Andei meia dúzia de vezes com elas e cheguei à conclusão que era ridículo.

No futebol, alguns anos mais tarde, aconteceu um fenómeno semelhante com os três grandes de Portugal. Para eles, as sapatilhas com luzes eram os jogadores marroquinos.

Está na altura de alguém colocar a questão que muitos andam a evitar: o que foi aquilo?

É certo que havia em Portugal, desde que se popularizaram as contratações, a tradição de abrir ocasionais fluxos migratórios a partir dos chamados destinos exóticos.

O Zaire de N’Dinga, Mangonga, Mapuata ou Basaúla. Trinidad e Tobago de Latapy, Lewis e Clint. A Bulgária de Kostadinov, Balakov ou Iordanov. Depois as agulhas viraram para Marrocos e foi, praticamente, como ir a uma daquelas antigas lojas dos 300: encontrou-se de tudo.

O ponto de partida será Hassan Nader. Pescado pelo Farense, foi o melhor marcador do campeonato e chegou ao Benfica. Por essa altura, Naybet, central de qualidade inatacável, comandava a defesa do Sporting.

Estava a correr bem. E a ideia ganhou raízes. Era ali, algures entre Rabat e Marraquexe, que ficava a Meca do futebol.

Mas como o que é de mais é erro, descambou. O Sporting ainda acertou em Hadji mas de Saber, um dos que mais tempo por cá ficou, as recordações já não são tão frescas.

O Benfica achou que Tahar poderia ser solução. Era, de facto, um jogador polivalente: comprometia em várias posições. Era central, jogava a trinco, fechava à direita. Talvez impulsionado por esta habitual troca de posições, ficou célebre o dia em que hesitou tanto entre a faixa da Via Verde e a do Ticket que acabou por bater noutro carro nas portagens de Alverca da A1.

Já El Hadrioui não tinha apenas nome de wrestler mexicano, era também um digno precursor de Escalona ou Rojas. Na primeira época fez oito jogos e o Benfica perdeu sete.

O FC Porto também quis o seu par de sapatilhas com luzinhas e arranjou Youssef Chippo. Um médio que não era bem trinco, nem pautava o jogo. Andava por ali, saía do banco muitas vezes. Era uma espécie de canivete suíço: desenrascava. 

A sua chegada, em 1997, foi envolta em tamanho secretismo que nem os adeptos do FC Porto sabiam quem ele era quando foi apresentado, ao lado de Kenedy, como uma das surpresas de Pinto da Costa naquele ano. As Antas esperavam...Paulo Sousa. 

Tão inesperadamente como se abriu, a porta marroquina fechou-se. É verdade que houve Tarik, mas fruto de uma peculiar visão do mercado de Co Adriaanse. E Labyad. Mas vamos esquecer Labyad. Aposto que terei adeptos sportinguistas a aderir a esta causa.

A incursão pelo mercado marroquino foi, essencialmente, um capricho difícil de explicar, com titubeantes resultados desportivos e sem condições para prosseguir. Poucos convenceram, quase nenhum deixou saudades.

Não é, por isso, simples perceber o que aconteceu naqueles anos. Se calhar, mais vale adaptar uma das mais famosas frases de Toni: a culpa é do Hassan?!

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