Paletas lavadas, maquetes arrumadas e montras renovadas. O Europeu e a Copa América deste verão adquiriram novos padrões, graças às coleções desvendadas este mês. Para analisar cada detalhe de tecido, e até a tecnologia associada, o Maisfutebol recorreu ao «olho de lince» de Phil Delves, designer, músico, estudioso e colecionador de equipamentos.

Desde Huddersfield, Phil Delves – nas horas vagas adepto do Liverpool – dedica-se a rascunhar o futuro, enquanto estuda tendências, avanços e recuos, ora extravagantes, ora «tradicionalistas». Na conversa com o Maisfutebol, este «mestre» começa por se debruçar sobre o novo equipamento alternativo de Portugal, um padrão há muito sugerido por designers externos às marcas.

«Por norma, esse conceito era idealizado para o FC Porto, replicando o padrão dos azulejos. É interessante que, anos mais tarde, a Nike aposte nesta ideia», começa por analisar.

Ainda assim, Phil Delves não se dá por satisfeito com o resultado, entendendo que tal equipamento «não faz justiça ao motivo», prejudicado por uma tela «pálida».

«As expectativas eram elevadas. Gosto da ideia, o elo com a identidade nacional é importante, e as cores também foram bem escolhidas, porque o azul e branco têm conotações históricas. A base foi boa, mas pecaram na execução», sustenta.

Segundo apurou o Maisfutebol, os regulamentos da FIFA exigem um equipamento «mais claro e outro mais escuro».

Adepto da criatividade «rebuscada», e, por consequente, arriscada, Phil revela que apreciava a última camisola principal de Portugal, «cortada» por uma mancha verde. «Uma fase» da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), anota.

«Os equipamentos das seleções têm um crivo apertado por parte das federações. Por exemplo, a camisola principal de Inglaterra foi idêntica ao longo de muitos anos, por escolha da FA. Aliás, há dinâmicas que nos permitem concluir que os equipamentos mais rebuscados são seguidos por outros mais tradicionais. É o caso de Portugal», explana.

Assim, o designer descreve a nova camisola principal das «Quinas» como «demasiado simples», penalizada pela inexistência de pormenores nas mangas ou na gola. Para Phil, pequenos detalhes, como apontamentos na forma de símbolos ou mensagens, aprofundam a identidade da peça, instigando, em simultâneo, a curiosidade dos adeptos.

Postiga, dissabores e 2026

Antes de olhar ao futuro da seleção portuguesa – no Mundial de 2026 já vestida pela Puma – Phil recua 20 anos para homenagear a «melhor» camisola das «Quinas».

«Cresci a ver futebol na década de ‘90 e no princípio deste século. Por isso, tenho muito carinho pela camisola de Euro 2004. É a melhor da coleção “Total 90”, que, por sua vez, foi importante para o desenvolvimento da indústria», conta.

Ainda que, entre risos, recorde que aquela fora uma década de «má memória» para os ingleses, por culpa dos pupilos de Scolari, o colecionador detalha que a referida camisola tem impresso o nome de Hélder Postiga.

Quanto ao futuro, Phil adivinha «muito potencial» na parceria entre a FPF e a Puma, até porque Portugal «deverá liderar» o conjunto de nações vestidas pela marca, um estatuto inédito. Também os Estados Unidos da América vão seguir esse rumo.

«A Puma está entre as três principais marcas do mercado. O Manchester City, por exemplo, conseguiu equipamentos muito bons. É certo que alguns bastante distintos, mas os principais saíram muito bem. Há muito potencial», argumenta.

Portanto, para 2025, este estudioso espera uma camisola «alinhada com a linha da Nike», antes da disrupção e dos toques «revolucionários», marca de água da Puma.

«Recentemente, Itália fez o percurso inverso, apostando na Adidas, mas, na Puma, conseguiram equipamentos revolucionários, em 2014, com um tecido que se assemelhava a uma segunda pele», salienta o colecionador.

Assim, resta aguardar que a elasticidade – problema da Suíça, em 2016 – e a humidade – quebra-cabeças das seleções africanas na CAN deste ano, tornando as camisolas incómodas e pesadas – não sejam estorvos aos desafios de Portugal.

Nesse âmbito, garante Phil Delves, a Nike é líder à boleia da tecnologia «Dri-FIT ADV»: «A preocupação com os tecidos utilizados na confeção dos equipamentos é maior. A Nike investiu na adaptação do tecido ao corpo e como absorve e liberta o suor, através de várias camadas».

E os «melhores equipamentos» pertencem à...

Se é aficionado da Adidas, esperamos que tenha aguentado até este momento da entrevista. Analisemos, então, a seleção mais bem vestida na Europa.

«A Bélgica tem os melhores equipamentos. É uma combinação muito bem conseguida, com o padrão a potenciar a incidência da luz», descreve Phil, abrindo a caixa de pandora.

De acordo com o estudioso, as marcas desportivas investiram, a partir da década de ‘90, em peças com padrões, golas e pormenores alinhados com o quotidiano urbano. Como tal, multiplicaram-se as maquetes de designers disruptivos, assim como as parcerias com marcas externas ao desporto. Em simultâneo, anota Phil, este segmento do mercado «acelerou a própria expansão nos últimos 15 anos», beneficiando das redes sociais, onde profissionais e amadores ensaiam conceitos.

Mas, nem sempre o conceito sonhado se revela consensual. A imprevisibilidade, exclusividade e retoma de tons tradicionais na principal camisola do México gerou controvérsia no país.

«São os melhores na América, mas, curiosamente, muitos mexicanos não gostam. No passado, o vermelho era o tom base, pelo que esta é uma excelente referência», argumenta.

Assim, o colecionador reconhece que, apesar do «padrão distinto», e das referências culturais no segundo equipamento, é preciso «estômago» para apreciar as «mais atrevidas» peças das novas coleções.

A honrosa Dinamarca e a duvidosa Alemanha

De volta à Europa, e numa menção honrosa à Dinamarca, que veste Hummel, Phil Delves posiciona os nórdicos entre os melhores.

«O design é forte. O padrão já veio integrado no tecido de fabrico, o que dá mais brilho aos pormenores. É um dos melhores equipamentos para o Europeu», reitera, sublinhando a homenagem no interior das camisolas.

Todavia, no Europeu não estarão apenas tons consensuais. Há, por exemplo em Inglaterra, um segundo equipamento que leva os britânicos a torcerem o nariz.

«Pelas cores, parece de guarda-redes. Talvez não fosse o que esperava, mas as cores são pouco usais e combinam», ressalva Phil. Em todo o caso, o colecionador reconhece a faceta mais rebuscada da Nike, para contrabalançar com a «tradicional», e intocável, camisola principal.

Num mercado sedento de equipamentos disruptivos – embalado pela «pele» da Nigéria no Mundial de 2018 – o nosso entrevistado reitera que nem sempre os resultados são vistosos. Aliás, na Alemanha surgiu, pela mão da Adidas, um equipamento alternativo «sem nexo».

«A segunda camisola também parece ser de guarda-redes, com tons aleatórios. Podem dizer o mesmo de Inglaterra, mas pelo menos os tons escolhidos combinam», argumenta.

O novo azul dos gauleses e os quadrados dos croatas

Para Phil, todos os pormenores contam, desde o tom até aos pormenores na gola. Por isso, deixa um apontamento quanto ao azul escolhido para «pintar» o equipamento principal de França.

«Posso estar a ser picuinhas, mas prefiro o azul habitual, mais escuro. Além disso, gosto do equipamento alternativo e dos calções um pouco mais curtos, uma novidade na Nike», analisa.

E a Croácia? Os vice-campeões do Mundo em 2018, também vestidos pela Nike, abandonaram a «toalha de piquenique», apostando em quadrados maiores.

«Todos esperamos o mesmo padrão. É um dos designs mais icónicos. Mas, ao lançar equipamentos de dois em dois anos, como se cria algo diferente e bom? Era uma questão de tempo até algo assim surgir. Esperemos que em 2026 retomem o padrão habitual», apela, entre risos.

No fecho da conversa com o Maisfutebol, o estudioso britânico atribui menções honrosas à «gola em quadrado» da Nigéria, assim como ao conceito que culminou no segundo equipamento da Coreia do Sul, inspirado no artesanato nacional.

Na crista da onda desde 2020, quando se estabeleceu como designer freelancer, Phil Delves pausou a carreira musical para se dedicar ao desenho de logótipos e equipamentos, recorrendo ao YouTube e ao X (antigo Twitter) para divulgar e debater as novas tendências do mercado.

«É fantástico partilhar este interesse com desconhecidos, à volta de todo o mundo. A minha primeira camisola foi do Liverpool. Recebi-a no natal de 2002», conclui.

A menos de três meses do Europeu, há equipamentos, disputam-se os play-offs e alinham-se ideias quanto às convocatórias. Para completar o «bingo», já só falta a – obrigatória – caderneta de cromos, este ano com o crivo de José Mourinho.