O Benfica foi à final dos Campeões Europeus com o AC Milan, perdeu 1-2 e o Altafini marcou os dois golos. Na semana seguinte jogámos com o Benfica em Alvalade para a Taça de Portugal. Tínhamos perdido 0-1 na Luz e ganhámos 2-0 com dois golos meus. Um jornalista de A Bola, que foi viver para a Bélgica, deu-me essa alcunha de Altafini de Cernache por ter marcado dois golos, como o brasileiro do Milan fizera. Aquilo pegou e até no balneário me chamavam Altafini. Há muita gente que ainda hoje só me conhece por Altafini. Se gostava? Gostava, claro. Ainda gosto.»

Ernesto Figueiredo, 77 anos, leva-me a pensar que todo o jogador merece a sua alcunha. Contas feitas, a lenda prolongou-se por meio século. E Ernesto, taxista para não aturar a mulher em casa, nunca mais foi apenas Ernesto. Ainda hoje, é sobretudo Altafini.

Bons tempos esses em que se criavam novas identidades em páginas de jornais. Os anos passam e a tradição deixa de o ser, os jogadores afastam-se dos jornalistas – ordens dos clubes, e criam poucas raízes em Portugal. Restam os apelidos de infância e dos balneários, que não raras vezes ficam por lá, perdidos. Tesouros escondidos.

Os sul-americanos chegam a Portugal já com o nome de guerra, o invejável ‘apodo’. Maxi El Mono Pereira, Jackson Cha Cha Cha Martínez, André Culebra Carrillo. Um deleite, ao nível de um Ukra, um Nani, um Briguel ou um Tarantini, os apelidos que vêm lá de trás, dos primeiros passos.

Esses são felizes. Inquieta-me por outro lado equacionar um Tiago Correia sem o seu Bebé. Ele que teve o ‘apodo’, acarinhou-o, cresceu com ele, e perdeu-o. Nunca mais foi o mesmo.

Há dias, um colega meu chamou Pedro Moreira a Bruno Moreira, um dos melhores marcadores da Liga. O melhor português, por sinal. Foi um erro momentâneo, naturalmente, pensando no médio do Rio Ave. Mas é óbvio: falta uma alcunha ao matador do Paços.

A ideia tem andado por aqui, à minha volta, desde que vi Rui Silva no Estádio do Dragão. Bom guarda-redes, jovem, com um apelido que o honra sem o distinguir.

Imagine algo deste género como aconteceu com Ernesto Figueiredo: Bruno Moreira, o Aguero de Landim; ou Rui Silva, o Courtois da Maia. Começaria a olhar para eles de outra forma, não?

Rui Costa teve de lutar anos e anos pelo direito de ser apenas Rui Costa. E mesmo assim, passou por Manuel Rui Costa. Só os grandes, os maiores, colocam o seu nome num plano superior a todos os outros.

Eusébio criou uma imagem sem precisar dela, a Luís bastou-lhe ser Figo para entrar no ouvido, Cristiano nasceu Ronaldo por causa de Reegan e obrigou o brasileiro a ficar com a alcunha, o Fenómeno.

Há casos assim, em que a identidade se torna tão forte que dispensa complementos. Depois, há nomes com tradição como João Pinto. É jogador, de certeza. Um João Vieira Pinto, João Domingos Pinto, João Manuel Pinto ou João Oliveira Pinto.

Antes de Fernando Gomes nada havia e surgiu ali marca registada, que o Nuno Ribeiro prolongou no tempo.

É preciso uma grande noção de responsabilidade ou inocência para adotar uma alcunha de peso no mundo de futebol. Quantos Pelés desiludiram à primeira vista, nada tendo a ver como o original? Médios, defesas, guarda-redes até. E Márcio Sousa, não chegou a reconhecer que o ‘apodo’ Maradona o prejudicou?

Nesta dança de alcunhas, mais vale colocar os pés em terreno seguro. O Altafini português não assumiu a dimensão do original, ficou como o Altafini de Cernache. O homem nasceu por outras bandas mas agradeceu a noção de espaço. Diminuiu a responsabilidade.

Recuperemos então essa prática, a proliferação de ‘apodos’, a bem do futebol português. Apontemos aos Silvas, aos Santos e aos Martins. Podemos esquecer os apelidos fortes, que se vendem ‘per si’.

Por exemplo, um tipo que se chama Alvarenga não precisa de ser o Alvarenga de Rio Tinto ou de outro sítio qualquer. Está tudo ali, num só sobrenome. Em criança estranhava, agora entranho. Sorrio até quando alguém remata: «Ah, o Alvarenga, esse idiota». Fica no ouvido.

Conheça as melhores alcunhas do futebol europeu e pense no assunto.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)