Nota Introdutória: vou tentar fazer um texto sobre Zidane e «Mortal Kombat» sem falar na cabeçada em Materazzi. Desejem-me sorte.

No tempo da velhinha Mega Drive, a consola dos comandos em forma de Dofi e onde quase tudo se resolvia com dois botões, havia um jogo que estava acima dos demais.

Acima do «Sensible Soccer», acima do «Streets of Rage», acima do «Micro Machines» ou do «Road Rash». Falo, naturalmente, do «Mortal Kombat».

O «Mortal Kombat» era o jogo perfeito, porque era o que melhor reproduzia a realidade. Era um jogo de porrada, definição que não sendo formalmente aceite era a que melhor explicava a coisa. E como em qualquer sessão de pancadaria, importante era desenrascar. No jogo isso traduzia-se por carregar nos dois botões até, dizia-mos nós, dar o tilt.

Ganhava, naturalmente, quem demorasse mais tempo a ficar cansado. Como em qualquer bulha na rua. Retrato fiel, lá está.

Havia, contudo, algo que me chateava. Porque ia longe de mais. Porque não valia a pena. Porque era difícil, chato e, mesmo que até pudesse ter piada, não valia o esforço. As fatalities.

Falo de uma altura em que, com o adversário derrotado, era permitido ao vencedor, através de um código manhoso que passavam nas revistas ou no «Templo dos Jogos» (lembram-se?), humilhá-lo.

O vexame vinha, normalmente, em forma de esquartejamento, de subtração de todos os ossos do corpo moribundo ou de qualquer outra forma sádica de liquidar de vez o inimigo. A velha expressão «bater em mortos» em todo o seu esplendor.

Ora, é precisamente por isto que eu não gosto de Zidane. Pelo excesso. Pelo desnecessário. Pelo «já sei que és bom não era preciso isso». Pelo «está certo mas agora deixa lá a bola para os outros».

Poderia dizer isto pelos dois golos na final do Mundial de França. Poderia dizê-lo por todas as vezes que me fez procurar notícias do futebol italiano e da sua Juventus. Pela forma categórica como bateu «aquele» pénalti no Euro 2000. Por todas as vezes que rodou sobre a bola no movimento que o tornou famoso.

Mas digo-o, acima de tudo o resto, pela noite de 15 de maio de 2002. Final da Liga dos Campeões. Um Real Madrid de galáticos contra um Bayer Leverkusen desafiador. Resultado nivelado e o intervalo a pairar. Estava bom o jogo.

Mas nessa altura aparece Solari, na esquerda, a empurrar para a frente onde Roberto Carlos galga uns metros e atira para o ar. Literalmente. A bola haveria de cair nos pés de alguém. Com sorte, nos pés de um «blanco». Caiu nos de Zidane. E o francês quis humilhar.

Com 99 por cento dos jogadores, aquela bola não daria em nada. Com Zidane deu golo. «Escusadíssimo». «Já tínhamos percebido». «Não era preciso isto». Mas veio.

Aquela bola, caída dos céus, pareceu tocada por algum ente superior para ter o final perfeito. Zidane, a passe de Deus. Seria uma boa legenda.

«Já sei que és bom, não era preciso». Mas ele fez questão de lembrar. Venceu. 

Fatality.

PS- Lembram-se da introdução? Missão cumprida.



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