PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

 SLOW MOTION:

«BASQUIAT» - de Julian Schnabel  
  
O coro dos incrédulos. Junto-me a ele e celebro David Bowie, encenador da própria morte.

Ato 1. A doença. Mantida em segredo do grande público até ao anúncio oficial do falecimento.
Ato 2. A gravação de Blackstar, 25º e derradeiro álbum. Feita durante a violência dos tratamentos, num estúdio anónimo, longe das manchetes.
Ato 3. Bowie encarnado em Michael C. Hall, o ator de Dexter e Sete Palmos de Terra. Debilitado, com as forças esvaídas, entrega a Hall a responsabilidade de executar Lazarus ao vivo no The Late Show with Stephen Colbert. O mercado norte-americano deixa-se conquistar, agarrado ao enigma. Onde anda Bowie?
 


Ato 4. O 69º aniversário. David Bowie publica uma foto. Sorri. Fato e gravata cinzentos, camisa branca, chapéu, sapatos negros, a elegância de sempre. Este não é um homem às portas da morte.
Ato 5. O lançamento do ultimo álbum, no mesmo dia. 8 de janeiro de 2016. É um sucesso imediato de vendas.
Ato 6. A morte. Dois dias depois. Fãs, dos mais sanguíneos aos mais distantes, todos apanhados desprevenidos.
Ato Final. Blackstar a tocar ininterruptamente. Em minha casa, no meu carro, na casa e nos carros de milhões. E todos intrigados com os seis passos anteriores da obra que é o epílogo do mestre.

A glorificação unânime está reservada aos génios. David Bowie foi um deles, um espécime raro, um artista seminal, capaz de nos seduzir até na forma como decidiu morrer.

Não, em definitivo, nunca ninguém morreu assim. Há epitáfios perfeitos.

O legado de Bowie é pesado e poderoso. Não há como escolher uma música, um álbum ou um filme. Instintivamente, lembrei-me desta recriação que fez de Andy Warhol no filme Basquiat, de 1996. Vale a pena ver.

O futebol. Pois, até futebol houve em David Bowie. Para isso, sugiro fortemente a leitura da reportagem do jornalista João Tiago Figueiredo, «O Camaleão que tentou o futebol até o considerar maldito».

Há fotos incríveis e relatos surpreendentes. Bowie, David Jones de batismo, era um futebolista razoável e jogou no Burnt Ash Juniors Football Team, na época 1957/78.



PS: «Extras» - de Ricky Gervais e Stephen Merchant  
Ao piano, a interpretar Silly litlle fat man, numa das melhores cenas da fabulosa série criada por Gervais e Merchant. David Bowie, muitas vezes acusado de ser altivo e arrogante, também sabia ser popular e engraçado.       

Gervais interpreta Andy Millman, um atora que ganha a vida a fazer figuração em filmes, até a BBC aceitar que realize e interprete uma sitcom. O sucesso comercial é imediato, a qualidade do produto é fraquíssima, mas Millman perde o amor próprio e o idealismo.

Numa noite, Andy sai com a hilariante Maggie Jacobs, o incompetente agente Darren Lamb e Shaun Williamson, outro ator caído em desgraça. E encontram David Bowie. Depois, há magia. E uma boa música.

David Bowie en Ricky Gervais por esthersmits1972


SOUNDCHECK:

«HEROES» - de David Bowie

A música é de 1977 e faz parte do álbum homónimo, integrante da famosa Trilogia de Berlim. Em 2012, o tom épico foi recuperado e integrado na banda sonora original dos Jogos Olímpicos de Londres.

A representação da Grã-Bretanha entrou em Wembley ao som da voz de Bowie e cantaram a inesquecível letra:

«I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can beat them, just for one day
We can be Heroes, just for one day».


 

PS: «Blackstar» - de David Bowie
Só ouvi o disco depois de Bowie morrer. A minha análise está, pois, influenciada pela tristeza, pela pela perda. Cada palavra deve ser escutada, contemplada, respeitada. Há enigmas, códigos, avisos apocalípticos. 

Não é um disco fácil, apesar de momentos extraordinários. O tom é negro, cosmopolita e variado, como se Bowie estivesse mais interessado em desabafar do que em agradar. 

Lazarus é das melhores composições na riquíssima obra de Bowie, Blackstar é uma maravilha de quase dez minutos, mas a melhor música talvez seja I Can't Give Everything Away. A última.

É aqui que Bowie rompe definitivamente com tudo o que dele conhecemos. Queremos mais e acreditamos que o eterno Ziggy Stardust tem algo preparado e bem escondido.   

 

VIRAR A PÁGINA:

«THE COMPLETE DAVID BOWIE» - de Nicholas Pegg

 

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.